Ray Kurzweil, futurista e cofundador da Singularity University, convoca líderes corporativos a se prepararem para o cenário de uma economia movimentada pelo acesso crescente à tecnologia
Se der 30 passos linearmente, você chega ao outro canto da sala. Se der 30 passos exponencialmente, vai parar na África. Essa é a melhor maneira de entender o crescimento exponencial – e não linear– da tecnologia e da economia previsto pelo futurista, empreendedor e inventor Ray Kurzweil, uma das mentes mais brilhantes e controversas da atualidade.
As empresas podem se preparar para esse ambiente de negócios futuro? Se sim, como? Em entrevista exclusiva a Adriana Salles Gomes,diretora editorial de HSM Management, Kurzweil prega que o timing, ao lado do autoconhecimento em relação ao próprio talento e paixão, são as melhores ferramentas para essa preparação. Além disso, indica alguns caminhos revolucionários e promissores, como o da impressão 3D, e avisa: não se deve focar tanto a sustentabilidade, cujas questões poderão ser resolvidas tecnologicamente, garante.
Curiosamente, a resistência a suas ideias vem se reduzindo –apesar de ele seguir afirmando que homem e máquina se fundirão por volta de 2045, criando uma espécie humana mais inteligente e longeva. A conservadora revista The Economist publicou um artigo sobre Kurzweil em que perguntava “ele é tão louco quanto parece?” e, além de concluir que não, outorgou-lhe seu Innovation Award, considerado o “Nobel da inovação”. Assim, embora o próprio Kurzweil tenha projetado uma grande reação ludista (contra a tecnologia) –com data indefinida–, ele não previu sua vitória e não é aconselhável que as empresas desprezem o cenário radical desenhado por ele.
“A descentralização é característica do novo cenário. a revolução tecnológica ocorrerá igualmente nos países em desenvolvimento”
Os gestores que nos leem se dizem cansados da pressão para desempenhar como máquinas, quando são simplesmente humanos. Como o sr. previu que, por volta de 2045, homem e máquina se fundirão, pergunto: isso significa que a solução do problema será, em vez de as empresas reduzirem as exigências, os gestores se tornarem máquinas?
De certa maneira, sim, porque o grosso do trabalho será feito por máquinas. Os seres humanos passarão a maior parte de seu tempo de trabalho aprendendo e criando –e terão mais tempo para lazer também. A capacidade das máquinas de armazenar dados e processá-los segundo padrões é muito maior que a nossa e muito menos suscetível a erros. Não há por que competir com isso.
Em sua projeção, isso acontecerá até em países de baixa renda per capita? Ou apenas as nações ricas, cujas empresas fazem o hardware, vão beneficiar-se?
A descentralização é característica do novo cenário. A revolução tecnológica ocorrerá igualmente nos países em desenvolvimento –uma prova é a difusão dos telefones celulares neles; não se esqueça de que celulares são tecnologia da informação.
A característica-chave da TI é que, no início de seu ciclo de vida, só os ricos a usufruem, mas, quando é aperfeiçoada, torna-se quase gratuita. As máquinas a que me refiro são TI.
Mas o sr. está falando em consumo de TI. E quanto à produção? Por exemplo, o cientista-chefe da IBM Brasil, Fábio Gandour, lembra que não temos (ainda) o DNA da ciência como negócio, por uma tradição acadêmica mais europeia. Países emergentes como o nosso conseguirão ser produtores de tecnologia nesse novo mundo ou os líderes continuarão a ser os países de melhor nível educacional? Lembro que, nos Estados Unidos, o MIT [Massachusetts Institute of Technology] sozinho tem mais de 60 Nobels, enquanto o Brasil não tem nenhum...
Antevejo desenvolvedores de software espalhados por todos os cantos da Terra, porque os próprios gaps educacionais serão –já estão sendo– reduzidos pela tecnologia. Agora, quero enfatizar que acompanho o Brasil e vocês estão indo bem em tecnologia. Evoluíram muito nos últimos anos.
Estamos? Quando o sr. e Juan Enríquez [fundador do projeto de ciências da vida da Harvard Business School] estiveram no Brasil, para a HSM ExpoManagement 2007, lembro que Enríquez estava muito preocupado com a possibilidade de países como o México, terra natal dele, e o Brasil ficarem para trás. No entanto, o primeiro curso da Singularity University [veja quadro nesta página] fora do campus da Nasa na Califórnia foi no Brasil. O que mudou?
O Brasil é potencialmente inovador e, com os preços em queda e a estrutura de desenvolvimento de software cada vez mais acessível a todos, vocês se beneficiam disso. Eu já disse: vocês estão indo bem. Vemos isso pelos alunos que temos na Singularity University.
Então, as grandes corporações e os governos de maior poder bélico não continuarão sendo os líderes? Seria como se, em vez da mão invisível do mercado de Adam Smith, houvesse uma mão invisível da tecnologia, que descentraliza e equilibra oportunidades?
O poder econômico e político já está mais distribuído. Uma criança com um equipamento de mil e poucos dólares, ou pouco mais, é capaz de iniciar uma revolução, seja política, como ocorreu no Egito, seja social e tecnológica, como o Facebook, que precisou de US$ 19 mil de capital inicial, ou o Google, que foi feito como um desafio de fim de noite na faculdade.
E como ficam as patentes?
Creio que nem tudo terá patente, haverá muitas tecnologias de código aberto também, em alimentação, vestuário etc. E o tempo de validade de uma patente talvez seja menor.
O capital inicial para que alguém monte um Facebook continuará caindo?
Sim. A cada ano a TI dobra sua capacidade e sua performance de preço, assim como a largura de banda. Em 1968, você comprava um transistor por US$ 1. Em, sei lá, 2002, US$ 1 pagava 10 milhões de transistores.
Os custos de TI estão caindo em ritmo exponencial. Um exemplo que gosto de dar é o de que, no fim dos anos 1960, nós, estudantes do MIT, dividíamos um computador de dezenas de milhões de dólares. Hoje, o computador que vai em um telefone celular é um milhão de vezes mais barato e mil vezes mais poderoso do que aquele.
A capacidade de computação por dólar aumentou na ordem de bilhões de vezes de lá para cá e isso vai acontecer de novo em menos de 20 anos.
O sr. tem certeza disso? Por favor, explique sua teoria de retornos acelerados –tem a ver com a Lei de Moore, não?
Em meados dos anos 1960, Gordon Moore, da Intel, percebeu a tendência de o tamanho de um transistor, embutido em um circuito integrado, ou chip, diminuir pela metade de dois em dois anos e, aumentando o número de transistores, duplicou a velocidade de processamento no período –depois, a taxa caiu para um ano e meio e, agora, é de 1,1 ano. Isso ocorre porque sempre se constrói a partir do avanço anterior.
Estudei o fenômeno mais a fundo e observei que o mesmo padrão ocorre faz muito tempo e em todas as formas possíveis de TI que permeiam a evolução do homem, desde a introdução da tecnologia na Terra –ou seja, desde que o primeiro homem usou um pedaço de pau para alcançar uma fruta no galho mais alto de uma árvore, encompridando seu braço.
O Projeto Genoma duplicou sua capacidade a cada ano desde o início, em 1990 –demoramos 15 anos para sequenciar o vírus da aids, o HIV, e 31 para sequenciar o da gripe suína, o SARS. A capacidade de bits de redes de comunicação sem fio tem dobrado a cada ano nos últimos cem anos, das primeiras transmissões em código Morse a nossas redes 4G. O número de bits que circulam na internet se multiplica por dois todo ano.
Em todas as muitas áreas que explorei, esse padrão de crescimento é rigorosamente repetitivo; nem mesmo fatos devastadores o impedem de acontecer. As duas guerras mundiais do século 20, por exemplo, não afetaram em nada os saltos da TI. A previsibilidade é quase total; o que pode haver apenas são pequenos ajustes de datas para mais ou para menos. Quando previ que um computador seria capaz de vencer um homem no xadrez, errei por dois anos; disse que ocorreria em 1999 e o Deep Blue, da IBM, venceu o campeão Garry Karparov em 1997.
Em uma de suas afirmações mais polêmicas, o senhor dá como líquido e certo que as tecnologias resolverão todo o desafio climático. Mas alguns cientistas dizem que temos só dez anos para consertar o planeta ou ele acabará. A sustentabilidade é uma falsa questão, em sua opinião?
Acompanhando o histórico, consigo prever que o custo do watt de energia solar –que é uma tecnologia da informação– vai cair significativamente mais do que o de carvão e petróleo, e, assim, as pessoas vão escolher esse tipo de energia por questões econômicas, não políticas ou morais. Fiz um estudo com Larry Page, do Google, em que descobrimos que só faltam oito duplicações de performance de preço para que tenhamos acesso a toda a energia solar de que precisamos –mudará muita coisa na área em 20 anos.
Água, nós temos de sobra; o problema é que a maioria é suja e poluída, mas, para limpá-la, basta ter energia barata. Há também um grande conjunto de novas tecnologias alimentares. Dez mil anos atrás, a revolução foi a agricultura horizontal; agora, nós a verticalizaremos em fábricas computadorizadas. As carnes poderão ser geradas in vitro –não precisaremos matar um boi inteiro para comer; clonaremos apenas o filé-mignon.
É a mesma lógica de outra de suas previsões controversas, a da imortalidade?
Bem, se ficássemos à mercê da natureza, morreríamos aos 20 anos de idade. Fazendo descobertas por acaso, aumentamos nossa expectativa de vida para 37 anos em 1800, para 48 em 1900 e agora está perto de 80. Se todo esse avanço foi aleatório, imagine se entendermos o software da vida e pudermos reprogramá-lo. É o que está acontecendo.
À medida que progredimos nas pesquisas, podemos converter o funcionamento dos órgãos em modelos matemáticos para criar simuladores biológicos. Essas tecnologias estão no estágio inicial, mas vão se tornar duplamente mais potentes a cada ano e pelo mesmo custo. Em 10 anos, multiplicarão por mil e, em 20 anos, por 1 milhão.
Por exemplo, um gene que certamente desativaremos é o que dá ordens às células de gordura que retenham as calorias ingeridas. Já temos em laboratório ratos que comem muito mantendo-se magros e saudáveis, porque esse gene foi bloqueado –umas cinco grandes companhias farmacêuticas estão interessadas nessa pesquisa, o que significa que não vai demorar muito para chegar aos seres humanos. Também estamos usando terapia genética para tratar hipertensão pulmonar, assim como nanomecanismos do tamanho de células sanguíneas em ratos controlando a insulina e curando o diabetes tipo 1.
Mas aí não haverá pessoas demais no planeta? Voltamos à sustentabilidade...
Pode haver 10 bilhões de pessoas ou até mais. Essas mesmas tecnologias que esticarão a vida vão expandir os recursos e, em algum momento, torná-los extremamente baratos.
Há relação direta entre o crescimento da inteligência e o da economia?
Talvez não seja um crescimento medido em moeda, como esse com que estamos acostumados, mas em outro tipo de métrica, como o fato de que o mesmo dinheiro compra mais tecnologia. Estamos diante de um crescimento econômico exponencial, explosivo. Na prática, há uma deflação anual de 50% no setor de TI.
O interessante é que os economistas dizem que uma deflação de 50% é insustentável, porque seria impossível aumentar o volume de produção em 30% ou 40% para compensá-la. Ocorre que temos mostrado que podemos dar conta disso, sim, e com sobra. Registramos, em todas as formas de TI, crescimento anual real de 18% em dinheiro, nos últimos 50 anos, maior que o festejado crescimento econômico da China –isso, apesar do fato de que você consegue duas vezes mais capacidade pelo mesmo custo a cada ano que passa. A produtividade por hora de trabalho subiu de US$ 30 para R$ 150 no período. Imagine se uma pessoa produzir, em 2025, cinco vezes mais do que produz hoje.
Como um empreendedor, novato ou estabelecido, pode se preparar para isso?
Filosoficamente, eu diria que ele deve ficar atento à própria limitação. Você sabe qual é nosso principal problema? Não é o crescimento exponencial em si, mas o fato de que nossa intuição é linear. Temos imensa dificuldade de entender e aceitar isso, o que, consequentemente, torna nossa adaptação bem mais complexa.
Isso estando no radar, eu o aconselharia a descobrir aquilo para o que possui talento ou pelo que tem paixão; é nesse campo que ele conseguirá contribuir. E o mais importante é seu timing. Ele tem de prestar atenção a tendências e acontecimentos para saber a hora de agir. A maioria das inovações não fracassa por falha do departamento de pesquisa e desenvolvimento ou modelo de negócio; elas poderiam vingar se seu timing estivesse certo.
Saiu recentemente, em um desses relatórios de tendências de consumo, que haverá a “Renascença” das lojas físicas, porque as pessoas estariam cansadas de tanta tecnologia mediadora e desejariam ter relacionamento olho no olho. O que o sr. acha disso?
A tecnologia estará em toda parte, aparente ou não; todo negócio será tecnológico em alguma medida. Quanto a essa questão do contato pessoal, eu diria que uma das áreas que terão avanços brutais será a da realidade virtual, que proporcionará essa sensação. A realidade virtual será mais real do que a realidade, em percepção, e terá grande utilidade, até do ponto de vista psicológico; ajudará a pessoa a se reinventar.
Uma boa fonte para inspirar novos negócios pode ser a Singularity University? Lá vocês estudam como resolver os problemas mundiais por meio da tecnologia e, em paralelo, como resolver os problemas que a tecnologia criará, não é isso?
Sim, nós nos dedicamos a esses dois objetivos. Uma das coisas que estamos estudando bastante na SU e que deve ter grande impacto no mundo dos negócios, por exemplo, é a impressão 3D. De fato, no início de 2006, refizemos uma bexiga urinária a partir das células de um paciente com impressão 3D, diminuindo o risco de rejeição no transplante.
Mas impressão 3D vale para todo tipo de produto? Por exemplo, eu preciso de uma panela. Compro, pela internet, um arquivo de panela, dou o comando para a impressora 3D imprimir e, pronto, tenho a panela. É essa a ideia da impressão 3D? Eu tendia a pensar em um uso mais restrito dessa tecnologia em medicina, por exemplo, imprimindo órgãos humanos de reposição, mas pode valer para tudo, certo? Se for esse conceito de fabricação um por um, e se cada lar contar com uma impressora, o panorama dos negócios vira do avesso.
A impressão 3D se estende a tudo, tem sido usada na criação de peças de aviões, maquetes e até roupas e chocolates. Pode estar chegando à casa dos consumidores em poucos anos, como as impressoras convencionais. A HP está trabalhando com a Stratasys, que se dedica à fabricação de impressoras 3D, para conseguir reduzir o preço desse equipamento o mais rápido possível. Hoje elas custam alguns milhares de dólares, mas isso baixará muito. Scanners 3D, que são parte importante do processo de replicação dessas impressoras, foram anunciados recentemente.
O processo terá muitos desdobramentos. Ele pode ser feito em lojas físicas de bairro, com a proliferação dessas impressoras, descentralizando o processo de fabricação, ou realizado online. Já há na internet uma empresa chamada Shapeways, em que artistas e outros criadores usam software de CAD-CAM grátis, ou de preço baixo, para fazer design de objetos e a Shapeways os imprime em três dimensões, exatamente como você pode fazer com estampas de camiseta que você cria em alguns sites [Cafepress e Zazzle são bem conhecidos nos EUA]. E o custo surpreendentemente já não é alto.
De novo, tudo vai acontecer mais rápido do que se pensa. No século 21, não teremos 100 anos de progresso, mas 20 mil, por conta do crescimento exponencial –a própria taxa de crescimento exponencial tende a sofrer crescimento exponencial.
"No século 21, não teremos 100 anos de progresso, mas 20 mil, por conta do crescimento exponencial”
O sr. é um empreendedor tanto quanto um visionário. Sua empresa, a Kurzweil Technologies, funciona como uma incubadora de negócios na prática. Em que o sr. está investindo no momento? Em energia solar, por exemplo?
Não, porque tenho um foco bem definido. Divido meu tempo, meio a meio, por duas áreas: desenvolvimento de software e comunicação. Entre os tipos de software que me interessam estão os de reconhecimento de padrões, como os de reconhecimento de caracteres visuais e de fala. São, na verdade, novas modalidades de transmissão de conhecimento. Com comunicação, eu me refiro a iniciativas no cinema –o documentário The transcendent man, o filme The singularity is near–, livros, palestras.
Enfim, daqui por diante, empreender poderá seguir, cada vez mais, o ditado “querer é poder”, porque conhecimento se adquire. Mas o que acontecerá com quem não quiser adquirir conhecimento? Serão os novos excluídos? Imagine que um bilionário tem um filho e este declara à mídia, com orgulho: “Nunca li um livro”. O pai ficará sem herdeiro?
O que falta a esse filho é motivação e, se falta nele, certamente sobra em jovens de outros setores da sociedade menos agraciados com oportunidades. Então, de certo modo, não importa se o filho do bilionário não tem interesse por conhecimento; outros tantos jovens o têm. E a marca desse novo cenário rumo à singularidade é, de novo, a descentralização; todos terão oportunidades de converter seu potencial em realidade, com as ferramentas tecnológicas cada vez mais acessíveis, não apenas o filho de um bilionário –isso, se houver motivação. Agora, vale dizer que os livros não são mais o único meio de adquirir conhecimento à disposição do rapaz, muito ao contrário. Hoje há cada vez mais meios a nossa disposição.
A singularidade tecnológica, como o sr. a definiu em seu livro a partir de um conceito da física, será esse momento em que ser humano e máquina se misturarão e uma máquina poderá ter inteligência superior à humana. Nossa imaginação coletiva é povoada por ideias macabras a esse respeito, desde os nanorrobôs malvados autorreplicantes que Ramona enfrenta no filme que o sr. produziu, The singularity is near [ainda não lançado em circuito comercial], até a padronização humana descrita em Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. Eu fico pensando que, se todo mundo puder se reprogramar para melhorar aquilo que não aprecia em si, todo mundo ficará igual. E diversidade é importante, não? A singularidade não criará esse terrível paradoxo?
Não concordo que todos ficarão iguais na singularidade. Ao contrário: nós já somos muito semelhantes nos dias de hoje; ao nos expandirmos além dos limites de nossa arquitetura biológica, vamos nos diferenciar mais uns dos outros.
É preciso ter em mente que todas as tecnologias emergentes têm lados negativos –até o fogo, que nos serve tanto, provoca incêndios. A frase “Tecnologia é uma faca de dois gumes” sempre foi verdadeira. Por isso, um dos focos da SU é estudar esses lados negativos e contribuir com soluções potenciais para que a tecnologia futura seja mais segura. O paradigma básico é estabelecer padrões éticos para praticantes responsáveis –por exemplo, as orientações Asilomar [conferência realizada em 1975 na praia homônima, na Califórnia, que estabeleceu regras para a biotecnologia] e um sistema de vacinas tecnológicas, defensivo, para combater abusos de praticantes irresponsáveis, como terroristas.
Eu mencionei nanorrobôs, mas fico pensando é nos robôs humanoides. O sr. escreveu, no artigo que publicamos na última HSM Management, que robótica é uma das três TIs propulsoras dessa revolução toda, ao lado de genética e nanotecnologia –a sigla a memorizar seria GNR. Robôs que se parecem com gente são mesmo necessários? Conforme alguns estudiosos, eles são mais caros e menos funcionais, além de, adendo meu, mais assustadores...
Já levantaram a hipótese de que os seres humanos rejeitam robôs que têm aspecto humano e agem como se o fossem; é o paradoxo de Uncanny Valley. Ser humanoide provavelmente não será necessário, de fato, na grande maioria das funções que os robôs desempenharão, mas acredito que isso pode ser um requisito, por exemplo, no trato com pessoas idosas ou doentes.
Se hoje o nível de inteligência que uma máquina comporta está entre o de um inseto e o de um rato, por volta de 2029 a inteligência humana caberá em uma máquina. Eu fiz uma aposta no projeto das apostas públicas sobre o futuro [pode ser conferida no site longbets.org] de que, em 2029, um computador será aprovado no Teste de Turing, ou seja, ele conseguirá se fazer passar por um ser humano. Esses testes vêm sendo aplicados regularmente e os desempenhos melhoram a cada dia –as máquinas chegam cada vez mais perto.
A universidade que cria o futuro
Em fevereiro de 2009, Ray Kurzweil fundou a Singularity University, dentro do campus da Nasa em Mountain View, no Vale do Silício, Califórnia. De certa maneira, ele colocou o futuro, que era um grande encanto nos anos 1960, novamente em pauta, com uma perspectiva otimista de que o melhor da humanidade ainda está por vir.
Para fundar a SU, Kurzweil associou-se a Peter Diamandis, também futurista e empreendedor (ligado à exploração do espaço), além de um mecenas contemporâneo, já que criou e preside a notória Prize X Foundation –o Prêmio X é concedido a invenções que façam grande diferença para a humanidade, em valores que chegam a milhões de dólares. Contou também com o patrocínio e o envolvimento da própria agência aeroespacial norte-americana e do Google.
A linha de frente da instituição é o curso de verão, conhecido pela sigla GSP, de Graduate Studies Program. Todo ano, por dez semanas de junho a agosto, cerca de 80 alunos fazem uma imersão com algumas das mentes mais brilhantes do mundo, entre elas o ex-astronauta Dan Berry, veterano de três voos espaciais. A ideia é ensinar o futuro, não o passado, e formar os novos líderes mundiais do pensamento. Na turma de 2011, houve representantes de 35 países, muitos deles com bolsa de estudos, incluindo o brasileiro Augusto Camargo Neto, empreendedor tecnológico que desenvolveu seu primeiro software aos 10 anos de idade e ganhou a vaga em um concurso promovido pela Fiap.
A Singularity University também oferece um curso específico sobre medicina do futuro, o FutureMed, e um concorrido programa executivo de uma semana de imersão –um dos gestores brasileiros que o fizeram recentemente foi Walter Longo, vice-presidente da Young & Rubicam.
O mais interessante é o currículo, refeito todos os anos com base nos últimos avanços das pesquisas –tanto que praticamente não há livros; os assuntos ensinados também estão sendo aprendidos. Entre os temas estão inteligência artificial, robótica, redes e sistemas computacionais, biotecnologia, bioinformática, medicina/neurociência e nanotecnologia. Em cada tecnologia, o foco é fortalecer os aspectos bons e criar proteções para o que seria seu lado sombrio.
O primeiro curso da SU fora do campus californiano da Nasa foi ministrado no Brasil, em São Paulo, em 2010, em parceria com a Fiap. O País interessa particularmente à SU, por ter uma população imensa e ser um microcosmo dos problemas mundiais –resolvê-los aqui significa que é possível resolvê-los em qualquer lugar, conforme uma declaração de seu diretor-executivo, Salim Ismail, ex-Yahoo!.
“Creio que nem tudo terá patente, haverá muitas tecnologias de código aberto também, em alimentação, vestuário etc.”
A avatar de computador Ramona (fusão de Ray com Monalisa) inspirou o filme Simone, com Al Pacino, e agora estrela sua própria película: The singularity is near
Eu soube mais sobre Ray Kurzweil
Por Adriana Salles Gomes
Quando Ray Kurzweil me disse, durante a entrevista, que a realidade virtual será mais real do que a realidade, eu gelei. De imediato, veio-me à cabeça o filme Matrix.
Ao longo da conversa, contudo, lembrei que me enganei antes com pressentimentos ruins sobre tecnologia –por exemplo, quando a internet chegava ao Brasil, temi que ninguém fosse querer fazer nada além de ficar no computador. Também lembrei que nós, brasileiros, não estamos habituados com futuristas e seu modo incisivo de fazer previsões.
Eu me acalmei, sobretudo, porque fui sabendo mais sobre os padrões de pensamento desse inventor. Um deles é o seguinte: “Toda tecnologia possui um lado bom e outro sombrio. O que precisamos fazer é ser práticos e alavancar o lado bom, em vez de desistir dele por antecedência”.
Além disso, quem foi hippie nos anos 1960 certamente não abomina o convívio com pessoas, certo? Kurzweil já declarou em público seu passado hippie no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Não é à toa que, apesar de ele comparecer a algumas palestras apenas como imagem holográfica –efeito especial e tanto–, escolheu estar em carne e osso no Fórum HSM “As novas fronteiras da gestão: competindo através de ciência, tecnologia e inovação”, em agosto de 2012.
Kurzweil parece crer que a tecnologia reforçará o que é humano –não o contrário. Assim, a realidade virtual aprimorada permitirá que uma pessoa experimente várias maneiras de ser a fim de escolher a que mais lhe agrada –ele o levou às últimas consequências quando, em uma conferência de 2001, apresentou um avatar feminino seu, Ramona (combinação de Ray e Monalisa). Executivos da Warner estavam presentes e foi essa a inspiração do filme Simone , estrelado por Al Pacino.
Mesmo tendo críticos do calibre de Paul Allen, cofundador da Microsoft, que recentemente questionou como o excedente de pessoas substituídas por máquinas ganhará a vida, o fato é que, nos últimos dez anos, Kurzweil mudou de posição no reino dos adjetivos: antes tachado de excêntrico ou louco, passou a ser percebido como alguém a ser ouvido. Três fatores legitimadores merecem ser conhecidos pelo leitor que o submete ao mais rigoroso dos julgamentos neste exato instante:
• Muitas das previsões que Kurzweil fez em seus livros The age of intelligent machines, The age of spiritual machines e The singularity is near, lançados respectivamente em 1990, 1999 e 2005, vêm se confirmando. Pelo controle dele, das 108 previsões do segundo (único hoje com edição no Brasil, pela ed. Aleph) , no período 1999–2009, 102 se concretizaram, 89 delas inteiramente e 13 como conceito essencial –o blog Accelerating Future acompanha isso de perto. (Vale observar que ele previu um exoesqueleto robótico com os quais os tetraplégicos voltem a andar para 2010-2020, exatamente o projeto em que o brasileiro Miguel Nicolelis trabalha agora.)
• Kurzweil recebeu o importante Innovation Award, da revista The Economist, que é o equivalente do Prêmio Nobel na área de inovação de negócios, e, quando a Forbes o classificou como um dos maiores empreendedores do mundo, foi como se dissesse “ele faz acontecer, não tem só ideias malucas”.
• Kurzweil se qualificou ainda por meio da Singularity University, quando se propôs preparar o mundo para lidar com os benefícios e riscos da era do crescimento exponencial.
Raymond Kurzweil nasceu em 1948 em uma família judaica norte-americana, filho de um músico e de uma artista plástica, e foi criado no bairro do Queens, em Nova York. Por influência de seu tio, um engenheiro dos lendários Bell Labs, aprendeu os conceitos básicos da ciência da computação e, aos 15 anos, escreveu seu primeiro programa de computador.
Em 1974, fundou a Kurzweil Computer Products, para produzir e comercializar máquinas de leitura para cegos que desenvolveu. Depois, foi abrindo outras empresas também voltadas para produtos criados por ele, vendeu algumas e, em 1995, fundou a Kurzweil Technologies, que preside até hoje. Trata-se de uma firma de desenvolvimento de software sediada em Wellesley Hills, Massachusetts, com pouco mais de 30 funcionários, que opera como uma incubadora, incluindo a Kurzweil AI (tradutores simultâneos de voz) e a FatKat (técnicas de reconhecimento de padrões para o mercado financeiro), entre outras.
Reconhecimento de padrões, inteligência artificial, algoritmos evolucionários, simulação de processos naturais estão entre as especialidades de Kurzweil nessa empresa-mãe. Fora do terreno do software, ele se associou a um médico para transformar em negócio seu lado mais extravagante: as 230 pílulas de nutrientes que toma todos os dias para reduzir sua idade biológica e prolongar a vida indefinidamente –ele é cobaia de si mesmo. Eles criaram uma empresa posicionada como fornecedora de longevidade, a Ray & Terry’s Longevity Products.
Será que Deus ou alguma forma de espiritualidade têm lugar na vida de Kurzweil? Bem, certa vez, ele disse sentir uma presença divina ao tocar em manuscritos de Leonardo da Vinci: “Minha religião é esta: a veneração pela criatividade humana e o poder das ideias”.
Esse homem costuma ser comparado a Thomas Edison, mas, a meu ver, seu melhor espelho fica a uns 40 passos exponenciais da América, na Itália: trata-se de um Leonardo da Vinci contemporâneo.
A ciência nunca foi tão pop
O cantor e compositor norte-americano Stevie Wonder, que protagonizou um dos shows mais reverenciados do Rock in Rio, no final de setembro último, foi cliente de Ray Kurzweil –utilizava sua máquina de leitura para cegos– e, depois, seu sócio no negócio de sintetizadores. Ambos venderam a empresa, mas Kurzweil ficou famoso entre os músicos –um dos melhores sintetizadores existentes leva seu nome. Agora ganha fama como protagonista do documentário The transcendent man, que focaliza sua vida e suas teorias.
Se o discurso da economia pós-industrial tão repetido por diferentes especialistas em gestão parece não ter tanto apelo entre as multidões, o alvorecer de uma civilização pós-biológica anunciada por Kurzweil repercute muito, da mesma forma que seus livros viram best-sellers; lançado no início de 2011, o filme foi sucesso de crítica e público nos Estados Unidos –chegou a ser o segundo no ranking de documentários de maior bilheteria.
Ainda não se sabe como será a receptividade de seu primeiro filme de ficção, a obra “evangelizadora” The singularity is near, produzida em 2010, mas ainda não lançada nos cinemas. O enredo é o de uma avatar de computador, Ramona, que salva o mundo de robôs microscópicos e autorreplicantes.
Quando criança, Kurzweil adorava Tom Swift, personagem de uma série de livros de aventura escrita por vários escritores anônimos entre 1910 e 2007, e, jovem, chegou a fazer curso de escrita criativa com a célebre escritora norte-americana Lillian Hellmann (cuja obra Little foxes, intitulada Pérfida no Brasil, foi um marco do cinema, estrelada por Bette Davis. Ele simboliza bem o momento pop que a ciência vive hoje. O próprio nerd é mais simpático do que o cientista louco histórico e recebeu um upgrade de charme e simpatia ao ser chamado de geek. Isso vale também para o Brasil, onde Franjinha, o personagem cientista criado por Mauricio de Sousa, é protagonista do primeiro longa-metragem da Turma da Mônica, Uma aventura no tempo. Sendo pop, vale a pena dizer que a ciência também nunca foi tão business como agora. Ciência pode ser “o” paradigma daqui por diante. (ASG)
“A maior das inovações não fracassa por falta de P&D ou modelo de negócio; elas poderiam vingar se seu timing estivesse certo”
A evolução segundo Kurzweil
Ray Kurzweil divide a história em seis épocas
1ª época: surgem as primeiras estruturas atômicas, baseadas nas leis da química e da física; há um código nuclear que organiza e mantém a matéria e a energia.
2ª época: forma-se o DNA, onde as informações genéticas passam a ser organizadas e replicadas; é o código genético o organizador e mantenedor do DNA.
3ª época: surge o cérebro, onde as informações se tornam mais complexas e o modelo mental passa a moldar o mundo; o código neural organiza e mantém o cérebro.
4ª época: é a atual, começando com o aparecimento das máquinas, onde a tecnologia acelera a transformação do homem e da natureza e há uma convergência dos códigos.
5ª *época*: chegará a singularidade, com a fusão entre homem e máquina, que permitirá que a inteligência e a criatividade humana ultrapassem os limites do cérebro; o código holográfico organizará e manterá a consciência.
6ª época: ocorrerá quando os padrões de energia e matéria forem substituídos por uma espécie de inteligência universal; estaremos buscando um código cósmico capaz de organizar e manter o universo.