Stanley McChrystal, ex-líder do Exército norte-americano que combateu a Al Qaeda, lança livro que quebra o mais antigo dos paradigmas militares (e de gestão): a eficiência. Ele propõe um “time de times” mais adaptável
Vale a leitura porque...
... mostra que até a mais conservadora das organizações, a militar, está passando por mudanças gerenciais avassaladoras, com o empoderamento das pessoas.
... revela a importância de a informação fluir mais abundante e livremente para que uma organização se torne mais competitiva.
O general chinês Sun Tzu, que viveu nos idos de 500 a.C., influenciou muitas gerações de executivos. Ele ensinou sobre a eficiência e a eficácia na gestão de conflitos e, considerando que o mundo corporativo é cheio destes, ganhou muitos seguidores nas empresas.
Agora, Sun Tzu começa a ceder a cadeira para um colega dos dias atuais, o norte-americano Stanley McChrystal. Segundo esse general, a rapidez da comunicação de hoje, na guerra ou nos negócios, faz com que o objetivo da eficiência (alcançar o máximo de resultado com o mínimo de tempo e esforço) fique, de certo modo, secundário. A maior meta se torna a capacidade de adaptação ao inimigo.
McChrystal escreveu o livro Team of Teams: New Rules of Engagement for a Complex World, com coautores militares, como o soldado das forças especiais Chris Fussell, para compartilhar as descobertas feitas quando esteve à frente das tropas norte-americanas no Iraque e no Afeganistão. Ele percebeu que não bastava mais ter uma força-tarefa eficiente – bem preparada taticamente, equipada com a melhor tecnologia e liderada pelos maiores talentos.
O inimigo em questão, a Al Qaeda, tinha um jeito muito particular de operar, que não era vencido com eficiência. Os integrantes dessa facção se organizavam em times pequenos, sem líder definido, e, em especial, usavam a comunicação em tempo real como sua maior arma. A ultravelocidade com que a informação circulava do outro lado fez a força-tarefa dos EUA tropeçar.
Para evitar a derrocada, algo precisava ser feito, e rápido. Depois de entender como o inimigo operava, McChrystal conseguiu reorganizar sua equipe para fazer frente à empreitada: ele derrubou silos (próprios do Exército e das empresas), fez a informação fluir entre departamentos, aumentou a velocidade na tomada de decisão. Assim, formou um time feito de times, capacitado a responder às condições emergentes. E o aprendizado virou livro.
Novas regras da gestão
Team of Teams mostra às empresas que seu novo cenário competitivo é igualmente caracterizado pela ultravelocidade da comunicação e que, para enfrentarem seu inimigo, a eficiência deixou de ser suficiente. Isso se aplica a qualquer inimigo, seja ele a Al Qaeda, seja a falta de produtividade, de comunicação ou de agilidade que eventualmente abale uma empresa.
Como McChrystal enfatiza, na guerra ou nos negócios, a habilidade de reagir rapidamente e se adaptar é que passa a ser crítica.
Como aprender com o inimigo. Embora pobremente treinada e com poucos recursos,a Al Qaeda era um inimigo duro de encarar. Eles não tinham pontos fixos para agrupamento, padrões de atuação, uniforme nem identidade e recrutavam voluntários extremistas na internet, onde disseminavam doses maciças de propaganda.
Mesmo com um nível refinado de informações, os militares eram pegos de surpresa nas operações do Afeganistão e do Iraque, diz o general
Seus pontos fortes? Além de resiliência, imprevisibilidade e flexibilidade, sabiam como ninguém beneficiar-se de uma convergência de fatores da era atual: informação rica navegando sem interrupção por uma rede densamente interconectada em núcleos dispersos. Eles operavam de modo totalmente diferente da que a força- tarefa considerava efetiva ou correta. A guerra mudou.
E, se antes a disciplina e o planejamento eram vitais, agora no topo dessa lista passou a estar a agilidade. Foi preciso, segundo McChrystal, desaprender tudo o que se sabia sobre guerra e reestruturar a forma de atuação.
De um modelo hierárquico rígido, focado em planejamento e execução, a força-tarefa migrou para um modelo com compartilhamento extremo de informação (o que o livro batiza de “consciência compartilhada”). A tomada de decisão foi descentralizada, as barreiras entre os silos, derrubadas, e a hierarquia, abrandada.
“Abandonamos muitos dos preceitos que nos ajudaram a estabelecer nossa eficácia no século 20, porque no século 21 as regras são diferentes”, escreve o general com seus coautores. Na visão deles, esse é o mesmo caso de muitas organizações de hoje que se prepararam ao desenvolver competências para lidar com um mundo que não existe mais.
O big data não vai nos salvar. Existem muitos fatos acontecendo simultaneamente e é difícil ter certeza sobre qual deles se tornará uma ameaça ou oportunidade. No Iraque, a tecnologia de ponta forneceu à força-tarefa uma noção quase perfeita da situação na forma de informações integradas vindas de drones, microfones, visão noturna, monitoramentos por GPS que atualizavam os mapas em tempo real. Tratava-se do big data, e ainda era difícil prever o que viria a seguir.
McChrystal escreve: “Para entender o que ocorreu, os dados tinham grande valia. No entanto, quando a intenção era prever o próximo ataque, no calor dos acontecimentos e diante da enorme complexidade, nós nos encontrávamos literalmente perseguindo o próprio rabo – e eles estavam se afastando de nós”.
Menos controle! E é um general quem está dizendo.“As empresas impuseram tantos controles a seus subordinados dos quanto a tecnologia permitiu, mas as novas ameaças requerem empoderamento”, garante McChrystal. Em vez de comandar e controlar cada passo, o líder tem de afastar-se do papel de “super-homem” (o líder super-herói é “falácia”, diz o general) e tornar-se um elemento que viabiliza a sinergia da equipe.
Para McChrystal, a maioria dos líderes hoje ainda segue o modelo de liderança datado, de super-homem. “Demandamos níveis irreais de conhecimento dos líderes e os forçamos a agir assim”, posiciona-se ele.
Menor é melhor. Agilidade e adaptabilidade são características de equipes menores, cujos membros se conhecem de maneira mais próxima, confiam uns nos outros e têm um propósito comum, como se tivessem uma mesma consciência – a tal “consciência compartilhada”, já mencionada.
Foi esse modo de se organizar que ajudou a força-tarefa dos EUA no Afeganistão. Ela migrou de uma estrutura robusta tradicional para uma equipe formada por várias equipes –ou “team of teams”. As equipes funcionavam de maneira interdependente, conheciam as outras com as quais deveriam cooperar e tinham a tomada de decisão com trajetória descendente, permitindo que os membros agissem mais rápido e com mais precisão do que fariam se a hierarquia ainda fosse o modelo operante. Ao se organizar assim, uma empresa derruba os silos e cria uma rede de interconectividade com habilidade de transmitir informação em prol da tomada de decisão.
Mais resiliência. O livro Team of Teams define como resiliência a capacidade de absorver um distúrbio e manter sua estrutura e função. Para McChrystal e seus coautores, trata-se do melhor modo de confrontar uma ameaça. “Os modelos de administração baseados em planejamento e previsão darão lugar àqueles que priorizam uma adaptação resiliente”, reforça o texto.
A eficiência perdeu a razão de ser? Não, ela continua necessária às organizações, mas perde a prioridade para a capacidade de adaptação quando preciso. E isso exige mudança de estrutura, de processos e, principalmente, de mentalidade.
Você aplica quando...
... reorganiza sua equipe em várias equipes pequenas e com poder de decisão.
... muda seu estilo de liderança de “mestre do xadrez” para “jardineiro”.
... toma providências para criar uma consciência compartilhada entre as equipes, favorecendo de todas as maneiras o bom fluxo de informações entre elas.
... dá a mesma ênfase à capacidade de adaptação do que dá à eficiência.
Demitido por Barack Obama, interpretado por Brad Pitt
Em 2010, o general Stanley McChrystal falou um pouco demais. Ele disse a um repórter da revista Rolling Stone, nas entrelinhas, que o verdadeiro inimigo do país eram “os molengas da Casa Branca”. Não pegou bem e ele foi “convidado a se retirar do Exército” pelo presidente Barack Obama.
A crise parece ter sido uma oportunidade para o líder. Fez com que ele se dedicasse à tarefa de aplicar as regras que aprendeu nos campos de batalha ao mundo dos negócios. Fundou sua consultoria, a CrossLead, dá aulas de liderança na Yale University e participa do conselho de administração de empresas como JetBlue, Navistar e Siemens.
Chamou a atenção, por exemplo, do ator Brad Pitt, que já fechou com a Netflix a produção do filme War Machine, no qual interpretará McChrystal. No cerne da trama satírica que se pretende “baseada em fatos reais”, estão os bastidores da guerra ao terror no meio político e a fatídica entrevista à Rolling Stone.
Os ventos da mudança do general não sopram apenas na direção de Hollywood ou de Wall Street, mas também na de Washington, D.C. Ele é apontado como um dos seis militares com potencial de se candidatar a presidente dos Estados Unidos em 2016.
Saiba mais sobre Stanley McChrystal
Quem é: General reformado, ex-comandante das forças internacionais dos EUA.
Realizações: Coordenou as unidades que capturaram Saddam Hussein e Abu Musab al-Zarqawi, líder da Al Qaeda.
O que faz hoje: É consultor, professor da Yale e membro do conselho de administração de grandes empresas.
Lições de um seal
Chris Fussell, um dos coautores de Team of Teams, atuou por 15 anos em combates como membro da principal força de operações especiais da Marinha dos EUA (SEAL). Ele falou com exclusividade a HSM Management sobre a proposta de gestão que desenvolveu com McChrystal.
Vocês afirmam que, hoje, capacidade de adaptação é mais importante que eficiência. Isso vale mesmo em um país como o Brasil, com baixa produtividade crônica?
Defendemos que capacidade de adaptação é a melhor maneira de uma empresa operar hoje em qualquer contexto. As coisas não funcionam mais como antes – o modelo tradicional escalável não é mais eficaz, como vimos em nosso modelo militar. Os silos [próprios da eficiência] tornam impossível ser ágil e responder na velocidade necessária.
Tivemos excelente retorno ao mudarmos a estrutura em nossa força-tarefa e nos organizarmos em equipes menores, dando autoridade para elas agirem. Indivíduos e equipes mais próximos do problema a ser resolvido estão mais bem equipados para decidir.
Como se ganha capacidade de adaptação? Adaptar-se só é possível quando a informação circula de maneira ágil e as equipes trabalham com consciência compartilhada. Esse sentimento tem a ver com todas as pessoas se conhecerem, entenderem o ambiente, saberem o que devem fazer para apoiar umas às outras, terem confiança mútua. Em uma equipe pequena é fácil criar isso.
E em uma grande empresa? É mais difícil, porque é comum que a informação se perca pelos silos, já que se criam muitas verticais a serem controladas. Mas não é impossível.
Na força-tarefa militar, grande também, resolvemos isso criando vários times pequenos interdependentes em escala global, todos eles participando de uma rede de comunicação.
Para haver consciência compartilhada em todos os times, estes tinham uma rotina diária de se manter conectados uns com os outros. Em uma grande empresa, isso também pode ser feito, entre equipes de departamentos diferentes – por exemplo, a área de business intelligence pode falar rotineiramente com a de marketing para saber como vêm evoluindo seus projetos.
Desse modo, a informação flui e criam-se relacionamentos próximos, com propósitos claros. Assim, uma empresa grande consegue ter consciência compartilhada.
Qual o papel do líder nesse novo desenho?
O modelo tradicional de líder, que perdura por gerações, é o que chamamos no livro de “mestre do xadrez”, aquele que tenta controlar o tabuleiro a todo momento, prevendo os movimentos do adversário e criando estratégias de manobra. Isso já era. Se tentar controlar essa estrutura descentralizada, com times que se movem rápido de modo interconectado, o líder vai desacelerá-la.
O líder atual deve, isto sim, liderar como um jardineiro. Ele observa o campo, cuida das condições gerais, analisa o que será plantado e, quando tudo já estiver encaminhado, dedica-se a proteger e regar o jardim para este crescer.
Saiba mais sobre Chris Fussell
Quem é: Trabalha com McChrystal na consultoria CrossLead e é especialista sênior em segurança naval da New America, fundação que projeta os próximos desafios a serem enfrentados pelos Estados Unidos.
Trajetória: Como SEAL da Marinha norte-americana, participou de combates por 15 anos ao redor do mundo – os últimos, com McChrystal no Afeganistão.
Formação: Graduou-se em guerras não convencionais pela Naval Postgraduate School, de Monterey.