Gestores que conduziram processos extraordinários de criação de valor têm em comum uma extraordinária disciplina para a seleção e o gerenciamento de jovens de alto potencial, afirma o expert Claudio Fernández-Aráoz
Nos últimos 25 anos, entrevistei mais de 20 mil candidatos para recrutamento de executivos e mantive milhares de conversas sobre gestão do talento com CEOs e diretores de recursos humanos de todo o mundo. Conheci alguns casos admiráveis de criação de valor corporativo e desenvolvimento pessoal, mas também encontrei uma infinidade de empresas que se vangloriavam de seus processos de gestão do talento, enquanto destruíam valor, desperdiçavam oportunidades de desenvolvimento e até perdiam muitos de seus melhores funcionários. Meio século de prática, estudo e debate nos principais fóruns acadêmicos e de negócios do mundo me convenceu de que a gestão eficaz de talentos não é uma série de processos com esse fim.
Muitas organizações investem bastante em programas de capacitação. Várias dão um passo além, ao implantar processos elaborados de gestão do talento. Essas duas condições são necessárias, mas insuficientes para criar grande valor corporativo e desenvolvimento forte dos executivos.
Condição fundamental para a gestão eficaz do talento
Há vários anos eu estava em Boulder, no Colorado, trocando ideias com meu ex-colega de Stanford e grande amigo Jim Collins. Tinha terminado o original em inglês de meu livro, mas não conseguia me decidir quanto ao título.
Assim que repassamos o conteúdo, Collins pegou uma folha de papel e escreveu “Great people decisions”, explicando-me que esse deveria ser o título do livro por dois motivos: podia ser interpretado como grandes decisões sobre as pessoas e, ao mesmo tempo, como decisões de grandes pessoas.
Collins enfatizava que os grandes líderes se concentram primeiro e principalmente nas decisões de contratação e designação das pessoas-chave, antes de qualquer outro tipo de decisão estratégica ou de gestão.
É impossível subestimar o impacto que a designação ou a perda dos líderes mais valiosos tem sobre o valor de uma organização. Este ano, quando se soube que Roger Agnelli deixava a liderança da Vale, o valor de mercado da companhia caiu imediatamente em quase US$ 10 bilhões.
A Morgan Stanley, por sua vez, afirmou que a incerteza quanto à gestão na cúpula da Vale, depois da saída de Agnelli, fazia com que a empresa valesse um terço menos do que seu potencial, o que representa uma perda de valor da ordem de US$ 60 bilhões.
Nos últimos anos, em parceria com Nitin Nohria, da Harvard Business School, conduzimos um estudo sobre o talento no mundo, para o qual entrevistamos CEOs e a maior parte dos diretores de recursos humanos de 50 corporações que operavam em ampla diversidade de geografias e setores.
Quase todos descreviam processos formais de gestão do talento praticamente idênticos, baseados sobretudo nas práticas popularizadas primeiro pela GE, com variações mínimas. Entretanto, a dispersão em termos de criação de valor e desenvolvimento efetivo de seus executivos não poderia ter sido maior.
O que diferenciava de fato as empresas de destaque não era o tipo de processo de gestão do talento vigente, mas sua capacidade e disciplina para escolher e designar corretamente os futuros líderes, tanto para as posições seniores como para os programas de desenvolvimento de jovens com alto potencial.
A paixão autêntica dos líderes que criam valor duradouro
Todos os líderes de destaque que conheci em profundidade, e que conduziram processos extraordinários de criação de valor, têm em comum paixão e disciplina excepcionais para designar corretamente executivos seniores, assim como para selecionar e formar jovens de alto potencial.
Já é lendário o foco apaixonado de Jack Welch pela decisão correta na escolha dos líderes na GE, enquanto liderava como CEO a maior criação de valor da história corporativa até aquele momento (US$ 300 bilhões).
Igualmente impressionante é o caso atual de Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon.com, que sobreviveu à explosão da bolha das ponto.com em um dos períodos mais turbulentos da história e em um dos mercados mais frágeis e competitivos do mundo. Ele criou quase US$ 100 bilhões em valor. Quando Bezos é consultado sobre as condições que o levaram ao sucesso, não hesita em responder que suas decisões mais críticas passam por escolher os líderes que o acompanham na equipe.
Um terceiro caso a destacar é o da brasileira Vale, uma das 20 maiores companhias por seu valor de mercado e a segunda mineradora do mundo, com operações em 38 países. Sob a liderança de Roger Agnelli, ao longo de apenas uma década, a Vale criou mais de US$ 150 bilhõesem valor.
Por ter observado de perto esse caso, não tenho dúvida de que uma das principais causas de tal criação de valor foi a implantação sem exceções de um rigoroso processo de avaliação profissional independente para cada decisão de promoção ou contratação de gestores, em qualquer posição crítica, em todas as partes do mundo.
A escolha correta dos líderes na cúpula da Vale permitiu a Agnelli criar no Brasil, em apenas uma década, o mesmo valor por década de liderança de Jack Welch (considerado o gestor do século) à frente da GE.
Como escolher os líderes seniores?
O que fazem os grandes líderes para nomear bem as pessoas em posições seniores?
Em primeiro lugar, é claro, empregam as ferramentas corretas, entre as quais estão o levantamento adequado de competências para os níveis gerenciais e a identificação exata do nível de competência exigido para cada posição.
Essas ferramentas incluem também a utilização das melhores técnicas de entrevistas estruturadas, assim como as melhores práticas para a verificação das referências.
Em segundo lugar, e muito mais importante do que o uso das ferramentas corretas, permitem a participação das pessoas adequadas no processo de avaliação dos candidatos internos ou externos –para todo e qualquer nível gerencial.
As pesquisas sobre a diferença entre entrevistadores, por exemplo, demonstram que os melhores têm uma correlação entre a avaliação e o desempenho no trabalho de 70%.
Os piores entrevistadores, porém, ainda que utilizem a mesma ferramenta (no caso, a entrevista), têm uma correlação entre sua avaliação do candidato e o desempenho real no posto de trabalho ligeiramente negativa. Suas decisões são piores do que as que seriam obtidas ao acaso, jogando-se uma moeda para decidir sobre a contratação ou promoção de um candidato.
Quais são as melhores práticas para envolver as pessoas corretas em uma decisão sobre pessoas?
Eu listaria as seguintes:
• Garantir que os responsáveis pela área de recursos humanos tenham o nível suficiente de credibilidade e autoridade para desempenhar um papel-chave na nomeação.
• Treinar os gerentes de linha para participar desse processo com competência. Centenas de vezes perguntei aos líderes com quem estive em todo o mundo quantos tinham recebido treinamento adequado para avaliar candidatos. Em uma de minhas últimas conferências, com 1,2 mil gerentes seniores, apenas três levantaram a mão.
Muitos acreditam que escolher bem as pessoas é uma arte, resultado de uma intuição, uma capacidade especial que alguns têm e outros não. Definitivamente, não é assim. Escolher bem as pessoas é uma disciplina e uma capacidade que podem e devem ser desenvolvidas para o valor de nossas organizações e o sucesso da própria carreira profissional. E existe um processo comprovado para isso, que todos podemos aprender e dominar.
• Ser cuidadoso na decisão sobre o número de participantes no processo. Com frequência se inclui grande quantidade de pessoas, prática que aumenta de maneira desproporcional a possibilidade de descartar por erro os candidatos de destaque difíceis de igualar. Um processo adequado de avaliação não deveria envolver muito mais do que três pessoas –o chefe da posição, seu superior e um profissional sênior de recursos humanos, com os três bem familiarizados com as exigências do papel, adequadamente capacitados em processos de avaliação e também com a motivação correta.
• Ter a colaboração externa adequada. A contratação de empresas especializadas em levar adiante processos de avaliação de gestão, assim como fazia Agnelli na Vale, pode aportar um valor enorme como resultado da especialização, independência e capacidade de avaliação de seus profissionais.
O principal valor aportado não é o maior universo de candidatos identificados nas buscas externas, mas, sim, a avaliação muito mais precisa feita por profissionais especializados, o benchmark externo adequado, assim como a capacidade prática de obter referências de um nível de confiabilidade elevadíssimo em função de décadas de relação com outros executivos que puderam observar de perto os candidatos considerados.
Como escolher e desenvolver os jovens de alto potencial
Além de designar a pessoa correta em cada uma das posições seniores, os líderes que criam valor e desenvolvimento escolhem e lideram especialmente bem quem tem alto potencial.
O Brasil terá um deficit de 8 milhões de profissionais nos próximos três anos, o que equivale à população da Áustria
Por mais que muitas organizações tenham programas de desenvolvimento de jovens com alto potencial, também encontramos uma correlação muito baixa entre os processos formais e o verdadeiro desenvolvimento desses indivíduos.
O processo integral para lidar com esses jovens é rico e complexo. Exige:
• identificar os objetivos estratégicos da organização;
• assegurar o apoio adequado a todos os níveis;
• conduzir comunicação eficiente e esquemas especiais de remuneração para todos os jovens de alto potencial.
Todos os elementos do processo devem ser desenhados com cuidado e acordados na organização. Lamentavelmente, poucas contam com esse nível de disciplina, e muitas vezes o ponto de partida de todo o processo (a escolha dessas pessoas) se corrompe por pressões políticas ou decisões demagógicas.
A chave para a eficácia no desenvolvimento dos altos potenciais também é a capacidade e a disciplina para escolher corretamente as pessoas em função de seu potencial e para compará-las com a provável concorrência no longo prazo.
Ao realizar nossa pesquisa para um artigo para a Harvard Business Review, descobrimos que a maior parte das empresas com programas para o desenvolvimento de talentos nem sequer conta com um modelo apropriado para avaliar o potencial com precisão.
Em uma conversa com Jack Welch, ele me disse: “Escolher pessoas é muito difícil. Escolhê-las bem é terrivelmente difícil”. O executivo do século 20 afirmava que foram necessárias três décadas para passar de um índice de erro de 50% a 20% em suas designações-chave.
Avaliar a competência de um indivíduo para um papel específico é terrivelmente difícil mesmo. Avaliar o potencial de um indivíduo no futuro, com um horizonte de pelo menos cinco anos, é mais difícil ainda. Entretanto, existem modelos validados que permitem avaliar o potencial em um horizonte de cinco anos, com um nível de precisão próximo a 85%.
Os verdadeiros vencedores em tempos extraordinários
Vivemos tempos extraordinários no universo corporativo.
Primeiro, porque o valor das companhias depende, mais do que nunca, do talento; enquanto os ativos intangíveis representavam apenas 20% do valor das grandes companhias em 1980, hoje superam 70%.
Segundo, porque as grandes corporações esperam crescer principalmente nos mercados emergentes, que contam com enorme escassez de talento diante da demanda. Apenas como exemplo, economistas do Itaú-Unibanco projetaram, a pedido da revista Exame, que o Brasil terá um deficit de 8 milhões de profissionais nos próximos três anos, o que equivale à população total da Áustria, a se manter um crescimento anual médio do PIB de 4,5%.
Terceiro e último, porque só 15% das empresas na América do Norte e Ásia creem que têm sucessores adequados, em quantidade e qualidade, para cobrir suas necessidades em função do crescimento previsto e de sua demografia.
Esses três fenômenos juntos, sem precedente na história, permitem vislumbrar uma batalha inédita pelo talento, sobretudo nos mercados emergentes.
Os vencedores não serão aqueles que se limitarem a “implantar” o “melhor processo” de gestão do talento. Nossa pesquisa com 50 grandes companhias demonstra, de maneira contundente, a falta de correlação entre os processos formais de gestão do talento e o desenvolvimento dos executivos que criam valor duradouro.
Os verdadeiros vencedores, tanto em valor corporativo como em êxito profissional, serão aqueles que dominarem a prática e tiverem disciplina para escolher bem seus líderes.
O valor corporativo e o sucesso profissional recairão desproporcionalmente sobre os CEOs e diretores de recursos humanos confiáveis que, utilizando as ferramentas apropriadas, educarem seus gestores nessa disciplina, envolverem apenas as pessoas corretas na escolha de seus líderes, utilizarem a devida colaboração externa quando necessário e escolherem e alocarem, de modo adequado, seus jovens talentos.
A transição de líderes na Vale
Roger Agnelli, o todo-poderoso líder da Vale durante dez anos citado no artigo de Fernández-Aráoz, foi afastado do comando da mineradora por pressão do governo brasileiro, que detém 11,51% do controle nas mãos do BNDESPar. Agnelli fora indicação da Bradespar, empresa de participações do Bradesco, principal acionista da Vale que, com o BNDESPar e um pool de fundos de pensão, detém o controle da empresa.
Durante sua gestão, Agnelli levou a empresa a recordes de faturamento e lucro, sendo reconhecido em todo o mundo por seu arrojo. Mas a relação com o governo começou a azedar em 2008, quando Agnelli autorizou a demissão de 2 mil funcionários. O governo Lula também pressionava a empresa para criar produtos de maior valor agregado, e não só explorar o minério bruto. Além disso, a Vale sempre foi cercada de polêmica desde sua privatização, em 1997, enfrentando a resistência de ambientalistas e sindicatos por suas políticas gerenciais agressivas.
O novo presidente vem dos quadros da própria Vale e não fazia parte do grupo próximo de Agnelli. Murilo Ferreira, de 58 anos, é formado em administração pela Fundação GetuGetuliogas de São Paulo, com pós-graduação em administração e finanças pela FGV-RJ e especialização pela IMD Business School, de Lausanne (Suíça).
Ferreira entrou na Vale em 1998 e atuou em vários cargos, até que deixou a empresa em 2008, quando era presidente da Vale Inco (hoje Vale Canadá). Ao voltar, em maio de 2011, agora como CEO, ele apresentou um discurso conciliador, tentando buscar o consenso em meio a tantos interesses conflitantes. O mercado teme a ingerência política do governo em sua gestão da Vale.
Entre as melhores práticas, é preciso garantir que os profissionais de rh tenham credibilidade e autoridade suficientes