Para a especialista em estratégias sustentáveis Rebecca Henderson, de Harvard, se os problemas socioambientais forem tratados como um inimigo comum, isso levará as empresas à inovação conjunta
Rebecca Henderson não doura a pílula, como muitos de seus colegas têm feito: segundo ela, nem sempre investir em sustentabilidade dá lucro. No entanto, não é possível mais pensar só em resultados. Isso porque a mudança de paradigma já se tornou uma questão de sobrevivência da espécie.
Faz mais de 20 anos que a professora e pesquisadora da Harvard Business School questiona o management convencional. “Gestão tem a ver com lidar com pessoas, só que muita gente vinda das áreas de economia e exatas não entende isso. Os modelos preferidos, como o de Singapura, podem ter ótimos resultados econômicos, mas ignoram o fato de que a confiança social está em colapso e há pouca criatividade, o que não é sustentável. Além disso, não seremos capazes de solucionar os problemas que enfrentamos hoje só com tecnologia, como um número crescente de executivos acredita”, afirmou em entrevista exclusiva concedida durante a HSM Expo 2016. A seguir, Henderson discute um novo modelo de estratégia corporativa, que proporcione criatividade, sustentabilidade e, acima de tudo, sobrevivência.
A sra. defende que as empresas persigam um propósito independente dos resultados. Como elas podem fazer isso?
Não podem; empresas precisam gerar bons resultados econômicos; não são ONGs. Ser uma empresa com propósito é ter um negócio que gere instartups influência positiva além de suas fronteiras. É fazer a diferença sempre que puder e até usar essa diferença para ampliar o negócio se isso for viável. Eu nunca disse para as empresas não serem competitivas. O que eu defendo são duas coisas:
• A primeira é que a competição deve obedecer a regras; não usar mão de obra infantil e não dar propinas são exemplos – embora gerem benefícios, não são coisas aceitáveis.
• A segunda é que as empresas encontrem formas de criar valor social.
Empresas de um país em recessão, como o Brasil, podem fazer essa diferença também?
É paradoxal, mas sim: às vezes, ter menos dinheiro pode ser útil. Se vamos criar modelos de negócio mais sustentáveis e lucrativos, precisaremos de criatividade, teremos de pensar nos problemas de maneiras diferentes. Uma forma de entender isso é comparar grandes empresas bem-sucedidas com instartups. Quando surge uma empresa nova, ela precisa usar os recursos de modo mais eficiente e mudar a direção, não é?
É fundamental entender isto: ser sustentável é ser eficiente, é usar os recursos – energia elétrica, água, matérias-primas – de maneira mais eficaz.
O contexto de uma recessão pode ser uma ótima oportunidade para repensar isso detalhadamente. Conheço várias empresas que usam os recursos de maneira mais eficaz, o que lhes gera maior lucratividade.
Porém elas não são muitas, porque todo mundo está ocupado com outras coisas, perdendo oportunidades de se diferenciar de seus concorrentes, porque temos o início de uma pressão dos consumidores no sentido de produtos e serviços que contemplem as preocupações sociais e ambientais.
Temos mesmo? No Brasil os consumidores não se mobilizam muito...
Temos, sim, e essa pressão vai se acelerar. Talvez os consumidores estejam mais dispostos a pagar mais por produtos e serviços sustentáveis, talvez não, porém a hostilidade com que eles tratam quem não se importa com sustentabilidade vai aumentar.
Uma coisa é uma empresa bem-sucedida mostrando que não se importa com o meio ambiente em um lugar bem resolvido. Outra coisa é uma empresa bem-sucedida que atua em lugares que não têm água tratada ou que possui ambientes de trabalho insalubres. Os consumidores simplesmente não vão querer ter uma relação com a empresa quando acham que ela está contribuindo para que existam esses problemas.
A recessão pode ser uma oportunidade para ser mais sustentável
Quando as organizações pesam custos e benefícios de ser sustentáveis na balança, o prato dos benefícios parece mais leve...
O problema é elas pensarem que a sustentabilidade é cara, leva tempo e é difícil. Não tem de ser assim. Há pelo menos um tipo de benefício que muitas se esquecem de pôr na balança: a alegria dos colaboradores quando trabalham para fazer a diferença socioambientalmente, e não só para deixar os acionistas mais ricos.
Causas realmente motivam funcionários?
Sim! É gritante a diferença entre pequenas empresas empreendedoras, nas quais as pessoas passam 12 horas por dia tentando fazer aquilo em que acreditam, e grandes empresas, aonde o funcionário só vai porque precisa.
Se as grandes e médias empresas pudessem ter esse grau de paixão e comprometimento de seu pessoal, seu desempenho econômico seria outro – e o planeta encontraria os recursos de que precisa para se salvar.
Imagine isso se espalhando por todo o ecossistema das grandes empresas, sua cadeia de fornecimento e seus parceiros... Muitas dessas oportunidades de negócios vêm da cadeia de fornecimento e de ouvir o que o consumidor quer, em vez de fazer o que se acha que ele quer. E isso vale para as oportunidades de ser mais sustentável também.
Há muito medo de os empregos evaporarem, seja com a tecnologia, seja com a redução da produção e do consumo em prol da preservação ambiental. Como isso pode entrar nas contas?
Estou convencida de que não precisamos optar entre meio ambiente e emprego; podemos fazer os dois. É melhor ter esperanças, tentar algo novo e ver no que isso vai dar do que nos fechar, não é?
A principal pergunta talvez seja: como mudamos esse cenário de medo para um cenário de esperança? E ela pode ser refeita da seguinte maneira: como saímos de uma situação em que só pensamos em nós mesmos para outra em que agimos como comunidade? Não é fácil, mas isso já aconteceu antes na história da humanidade, após a Segunda Guerra Mundial.
É hora de ir para o front?
Sim. Acho que todos nós precisamos enxergar os problemas ambientais como uma guerra. Você sabia que as guerras são grandes fontes de crescimento econômico e geração de empregos? O ideal seria entender o problema assim e mobilizar o mundo nesse sentido.
Nós nos esquecemos do poder da vida em comunidade e da mobilização coletiva, que é o que acontece nas guerras. A dificuldade é que as guerras são incitadas pelo ódio, e precisamos fazer uma incitada pelo amor.
Quando pensamos na necessidade de investir em novas matrizes energéticas ou no problema da limitação da água, são investimentos enormes, que assustam qualquer um. Só que são investimentos-chave para o futuro, que podem gerar empregos e, consequentemente, os tão necessários consumidores com poder de compra.
Essa é a transição que precisamos fazer, capaz de realmente gerar um boom mundial em vez do colapso que vem desse tipo de economia de deflação baseada no medo.
Essa economia de deflação baseada no medo cria o risco de um colapso
Isso requer mudar o pensamento-base do capitalismo: a competição. Ou não?
Realmente estamos acostumados a pensar nas empresas apenas como competitivas, mas isso não é verdade, porque a competição sempre existe dentro de um cenário determinado.
Pense em um jogo de futebol. Joga-se para vencer, mas em equipe e com regras. Se você quebra as regras, não é mais um jogo, e você destrói o futebol.
O mesmo acontece com as empresas. Se elas começam a competir de qualquer jeito, destroem as estruturas que lhes permitem ser boas organizações e acabam destruindo a sociedade de que fazem parte.
Em outras palavras, a competição é uma fonte enorme de inovação e crescimento, mas, se ela se descontrola, vira um câncer. O que perdemos nos últimos anos foi a noção desse equilíbrio, pensando só em resultados – falta as pessoas estudarem história, filosofia e sociologia para entender que não é possível pensar só em resultados.
Os seres humanos são capazes de promover o reequilíbrio: são muito egoístas e competitivos, mas, também, imensamente amáveis e querem fazer parte de grupos – tanto a família como a comunidade e o país.
Nos EUA, muitas empresas estão brigando umas com as outras em vez de inovarem. Mas, não à toa, já há companhias juntando forças com rivais para resolver problemas.
O desafio das empresas de todos os portes
Como as empresas podem fazer a diferença em prol da sustentabilidade sem se transformar em organizações sem fins lucrativos? Segundo a professora Rebecca Henderson, da Harvard Business School, parte da resposta é submeter as principais decisões estratégicas a uma matriz que cruza tempo e pessoas, para criar valor social:
• Em quanto tempo virão os benefícios – agora ou mais tarde?
• Quem será beneficiado – eu ou nós?
Hoje as decisões se concentram no quadrante que reúne “eu + agora”. Conforme Henderson, os gestores precisam fazer com que essas decisões migrem, cada vez mais, para quadrantes que envolvam “nós” e “mais tarde”, colocando a maior parte possível delas no quadrante que soma “nós + mais tarde”. A outra parte é obedecer a regras para competir, seguindo o lema “gerar lucro decente de maneira decente”.
Quando grandes empresas fazem isso, o impacto costuma ser muito grande. Entre os exemplos estão Unilever, em nível mundial, e o Grupo Boticário, no Brasil. A Unilever colocou a responsabilidade socioambiental no centro de sua estratégia e de suas práticas de negócios, tendo feito a transição entre o velho estilo de marketing e ações concretas que fazem a diferença para o meio ambiente e as comunidades. Da mesma forma, o Grupo Boticário incluiu a sustentabilidade em toda a sua cadeia de valor: para não testar cosméticos em animais, desenvolveu uma pele 3D; com uma nova tecnologia usada na produção de cremes e loções hidratantes, reduziu 70% do consumo de energia elétrica; tem centro de distribuição e lojas com certificação Leed.
E as empresas menores? Henderson também diz que elas impactam a sustentabilidade principalmente ao criarem tantos empregos. “Ter um emprego está entre as três mais importantes fontes de felicidade das pessoas, e esses microempreendimentos são vitais na criação de empregos.”
Saiba mais sobre Rebecca Henderson
Quem é: professora da Harvard Business School, de administração geral, de estratégia e do curso “Reimagining Capitalism” (MBA); foi professora do MIT entre 1998 e 2009, nas áreas de estratégia, tecnologia e sustentabilidade.
Ativismo: é codiretora da Business and Environment Initiative, de Harvard.
Livro: é coautora de Leading Sustainable Change, com Ranjay Gulati e Michael Tushman.