O homem do cinema Peter Guber afirma, nesta entrevista, que a habilidade de contar histórias é mais importante do que nunca para gestores e empresas
Como produtor de cinema, Peter Guber é responsável por levar às telas muitas das histórias mais queridas pelo público: Rain Man, A Cor Púrpura, O Exterminador do Futuro, Feitiço do Tempo... Aos 69 anos, é uma figura proeminente no mundo do entretenimento, com uma trajetória que inclui muitos dos filmes e programas de TV mais populares dos últimos anos.
Como ele coloca, porém, nos primeiros 37 anos de sua carreira, não entendia por que o que fazia, em apresentações, discursos e conversas, funcionava. “Precisei de todo esse tempo para descobrir o que eu era”, diz. “E então me dei conta: ‘Meu Deus, sou um contador de histórias!’. Não reconhecia isso em mim.”
O resultado dessa revelação é Tell to Win: Connect, Persuade, and Triumph with the Hidden Power of Story (ed. Crown Business) [em tradução literal: “Narrar para vencer: conecte-se, convença e triunfe com o poder oculto das histórias”], um livro que reúne uma incrível gama de relatos que demonstram que o segredo de vencer nos negócios e na vida é saber contar uma história.
Pelo telefone, a argumentação de Guber se torna ainda mais forte, em alto volume e com torrentes de palavras que levam a um crescendo de entusiasmo. E confirma várias de suas lições, entre elas a de que um bom contador de histórias é um ótimo ouvinte.
Vamos falar de histórias e eu começo: quando eu era garoto, adorava o disco Love Gun, do Kiss, que saiu pelo seu selo, o Casablanca Records. Um amigo e eu até nos fantasiamos no Halloween em homenagem a ele. Mas não pude deixar de notar que há poucas histórias da gravadora em seu livro. Por quê?
Eu não escrevi minhas memórias. Foquei as possibilidades da narrativa para os gestores. E pode ser qualquer história: a própria experiência, algo que se observou, notícias, guerra, livros, TV, metáforas, analogias. Uma história carrega os valores míticos e a ética de um sistema.
O sr. argumenta que “o coração é sempre o primeiro alvo ao contar uma história”, muito mais do que a cabeça ou o bolso. Isso é verdade em uma época em que todo mundo só pensa no bolso?
Totalmente. Não quis dizer que considerações econômicas não são importantes; sempre são. Mas, se você visa o bolso das pessoas, nunca vai acender sua paixão, não vai encontrar uma forma de se conectar com elas emocionalmente e, assim, não construirá um relacionamento.
Como o sr. mesmo menciona, “os contadores de histórias de negócios não têm o benefício de uma sala de cinema escura ou de uma trilha sonora para interromper o padrão de pensamento da plateia”. Então, como eles atraem a atenção das pessoas?
Com uma técnica-chave, que funciona ao vivo, por telefone ou online: não tente ser interessante; seja interessado. Claro que tenho mais chance de saber pelo que você se interessa se eu estiver em seu escritório, olhando seus porta-retratos, vendo onde você mora e qual é a natureza de seus negócios. Mas, se formos falar ao telefone, como estamos falando, posso ter pesquisado sobre você antes ou conversado com pessoas que o conhecem.
O sr. escreveu que a maioria dos gestores “falha em ouvir ativamente e sondar com inteligência, porque não ficam calados o suficiente”. É isso?
Sim, um bom contador de histórias é um ótimo ouvinte, e essa escuta deve ser ativa, enfática. Ele precisa ter uma sensibilidade aguda para obter pistas sobre a plateia, para saber como as pessoas estão respondendo, interagindo. Ele quer que elas sejam participantes e não só ouvintes. Se acha que contar uma história com uma finalidade é um evento de uma pessoa só, tudo se complica.
E é mais vantagem comunicar-se oralmente do que por escrito?
Sem dúvida, porque é assim que estamos conectados. Não fomos conectados como seres digitais ou criaturas escritas, e sim como narradores orais. Temos voz, ritmo e presença, além das palavras, que são apenas 25% da comunicação.
Com a ênfase atual em métricas e metas financeiras de curto prazo, a narrativa não é menos eficaz do que foi?
Ao contrário, hoje o recurso “história” é ainda mais eficaz. As pessoas erram ao querer fazer apresentações menos emocionais: “Passe-me os dados, deixe-me falar com meu diretor-financeiro e lhe dou retorno”. Eu, como CEO, nunca assinaria um contrato com uma pessoa se não pudesse sentir sua calma e sinceridade. Nas decisões, deve haver a base de fatos e a base de emoção.
Em seu livro, o sr. descreve como construir uma história que capte a atenção, dê uma experiência emocional e estimule uma resposta. A tarefa é difícil...
Ao contar uma história, você precisa ter um objetivo. Se não tiver, não será bem-sucedido. “Vote em meu candidato político”; “Junte-se a minha igreja”; “Dê-me um aumento”; “Promova-me”. Contar —e ouvir— histórias com uma intenção está em todos nós. É assim que funciona. Contávamos histórias em volta de fogueiras há 30 mil anos, para que os mais novos soubessem quais as regras, crenças e valores da tribo. Isso criava os laços.
Você acha que o LinkedIn criou coesão social? Coesão social é o que aconteceu 30 mil anos atrás, quando tivemos de ir do final da cadeia alimentar para o topo. Lá criamos histórias a fim de nos mantermos unidos, incorporando e transmitindo assim as lições que precisavam ser lembradas.
Quando alguém diz que o Facebook e o LinkedIn criaram as tribos e a rede de comunicação social, eu lhe digo que vá para a Nova Guiné, para a Etiópia. Eu fui. Povos que foram excluídos da linguagem escrita e da tecnologia contam histórias! Para fazer com que as pessoas se sintam conectadas e ajam em conjunto para derrotar oponentes mais fortes. Contar histórias lhes dá propósito, padrões de julgamento de valor e ferramentas de comportamento.
O sr. fala que histórias com intenção “sabiamente contêm as lições que o contador quer inserir no coração e na mente do ouvinte”. Mas muitos ouvintes não reviram os olhos quando ouvem uma história com moral?
Se a moral é a história toda e a chamada para a ação não é incorporada à história, então é claro que será algo pretensioso ou, pior, ineficaz —os ouvintes simplesmente não ouvirão.
O segredo está na própria história e na forma de narrá-la. Você inclui a lição numa boa história para que também a lição seja emocionante e memorável. Não fui eu que inventei isso; só jogo a luz sobre o assunto. E não precisa ser um poeta como um Robert Frost para fazê-lo.
Ah, mas talento de poeta ajuda...
Não, essa linguagem está em todos nós, é o que somos. Por isso amamos fogueiras, televisão, entretenimento e esportes —são histórias. Os fatos e informações estão incluídos na experiência.
Trata-se de uma ideia tão simples que o fato de não ser ensinada em escolas de negócios, direito, cinema e medicina é insano! As pessoas abandonaram uma de nossas ferramentas comunicativas mais importantes, porque decidiram que é coisa de criança. Só que, quando os negócios estão ruins, é isso que importa.
Pergunte a qualquer um sobre quando teve medo, dor, alegria ou desejo, ou quando falhou ou foi bem-sucedido. O que ele faz? Conta uma história. Pergunte a alguém por que acredita em um produto. Ele não vai listar os benefícios do produto; descreverá uma experiência que teve com ele. E a propaganda? É história! Toda vez que alguém conta uma história, você inclusive, tem um objetivo.
Mas, em empresas, não é manipulação?
Basta não esconder o objetivo. Se o fizer, as pessoas vão perceber e perder a confiança. Você precisa deixar claras suas intenções antes de entrar na sala. Depois se pergunte: “Com quem estou falando?”. Você tem de enxergar os outros como plateia. Dê-lhes uma experiência. Então inclua a análise e os dados. E não esconda o objetivo!
Seu livro é cheio de histórias que o sr. ouviu de pessoas bem-sucedidas, mas deve ter escutado muitas histórias de erros. O sr. vê muitos contadores de histórias subestimando seu público ou contando histórias ineficazes?
Muitos, o tempo todo! Eu fiz isso várias vezes, pois pensava: “Ah, eu tenho todos os números e fatos; eles falam por si”. Você já viu algum número falar por si? Eles precisam ser explicados, narrados: têm de contar o benefício e o fardo daquilo para as pessoas, o que significa para a vida delas, para o negócio, para a carreira. É isso que move seu coração e sua emoção e, depois, seus pés e seu bolso.
Qual é o erro mais comum nessa área?
O erro mais comum é não reconhecer que se está em uma sala, metafórica ou realmente, com alguém que quer ser um participante, não um espectador. O que é importante não é se alguém vai tentar se comunicar comigo por meio de uma história, mas como, quando, em que contexto e com qual história.
Quando você usa uma história de maneira pouco articulada ou incorreta, erra o alvo. Nem todas as histórias são boas; você sempre tem de escolher a história certa, na hora certa e contá-la do jeito certo.
O processo é imperfeito, mas há pistas do que não fazer: se você sabe que alguém tem medo de autoridade e entra com um uniforme do Exército, estraga tudo. A pessoa só vai se lembrar disso. Preparação é muito importante.
E depois largue o roteiro, ninguém quer ouvir um roteiro. As pessoas querem falas espontâneas, com todas as palavras saindo fluentemente. Querem alguém autêntico, vivo, no mesmo barco.
Não existem pessoas que simplesmente não sabem contar bem uma história? Nem todos tiveram uma experiência de vida como a sua, naturalmente rica em histórias. Você teve encontros com pessoas como Michael Jackson, Muhammad Ali, Fidel Castro, Nelson Mandela, Frank Sinatra...
Qualquer um pode se dar mal cinco, sete, doze vezes e, então, dar-se bem nisso. Todos vão ao banheiro, fazem sexo, têm pessoas a quem amar e odiar. Todo mundo já caiu e se levantou. Todos que estão respirando tiveram as mesmas experiências —apenas vêm de lugares diferentes. E todo mundo no planeta observou essas experiências, então sabe todas essas histórias. Toda pessoa tem o dicionário completo de experiências em seu coração e mente, mesmo que não se torne um John Grisham [autor de best-sellers como A Firma, Dossiê Pelicano e O Cliente].
“Hoje, o recurso ‘história’ é ainda mais eficaz. nas decisões, deve haver a base de fatos e a de emoção”
Saiba mais sobre Peter Guber
Peter Guber tem um dos currículos mais expressivos do mundo do entretenimento. Como chefe de gravadora, produziu grandes nomes da música, como Kiss, Donna Summer e The Village People, e também muitas trilhas sonoras de sucesso, entre elas a do filme Flashdance, que vendeu mais de 14 milhões de cópias. Como chefe de estúdio, bateu recordes de bilheteria com filmes que tiveram dezenas de indicações ao Oscar, entre eles Batman, As Bruxas de Eastwick e Desaparecido.
Primeiro, Guber fundou a Casablanca Records, que foi adquirida pela Polygram em 1979, e, então, montou a divisão de filmes de cinema e TV da Polygram, da qual foi CEO e chairman. Depois, em 1983, lançou o próprio estúdio, Guber-Peters Company, que, no final dos anos 1980, vendeu para a Sony. Esta transformou-se na Sony Pictures Entertainment e empossou Guber como seu CEO e chairman, para que ele, entre outras coisas, introduzisse os conceitos de cinema IMAX e de complexo multiplex.
Isso se seguiu até 1995, quando Guber deixou a Sony e criou a Mandalay Entertainment, produtora e distribuidora de conteúdo para entretenimento, que também acumula grandes êxitos, como Sete Anos no Tibet, de Jean-Jacques Annaud, e A LendLendaCavaCavaleiro CabeCabeça, de Tim Burton, entre muitos outros filmes e programas de TV.
“O erro mais comum é não reconhecer que alguém quer ser participante, não espectador de uma história”