Philip Kotler afirma: o novo marketing preocupa-se com o sentido que as pessoas extraem das interações com as marcas; é o marketing com foco humano e, por isso, sustentável
O célebre Philip Kotler, autor das mais importantes obras de marketing da área e criador de diversos conceitos que são aplicados em todo o mundo, brindou o público da ExpoManagement 2010 com uma excelente aula sobre o marketing 3.0, isto é, aquele que lida com um cliente mais consciente e poderoso, pois pressiona as empresas a superar os estágios 1.0 e 2.0 da gestão (mas sem pular nenhum estágio). Em sintonia com Kotler, Francis Gouillart, fundador e presidente da ECC Partnership e especialista em engajamento de clientes, levou à audiência uma série de exemplos que mostram os benefícios da cocriação para nosso tempo.
Para atender o cliente 3.0, o marketing deverá atentar para os valores das pessoas.Assim, em vez de pensar em satisfazer e reter clientes, o gestor de marketing deve se concentrar em fazer do mundo um lugar melhor, de acordo com aquilo que importa para os consumidores. Em sintonia com essa ideia, a BrasilPrev, do setor de previdência privada, investiga qual o projeto de vida do brasileiro hoje. Responder a essa questão e trabalhar no sentido de facilitar a concretização desse projeto é uma maneira de ser sustentável, conforme explicou André Camargo,diretor de estratégia e comunicação corporativa da empresa, em palestra na Estação de Conhecimento Sustentabilidade, da ExpoManagement.
Contrate um jovem. O marketing precisa de pessoas que tenham crescido com a web – Philip Kotler
É nessa linha que vão as ações da Coca-Cola para preservar a água e da Avon para incentivar pesquisas sobre o câncer de mama. Dentro da filosofia do marketing baseado em valores, se o gestor se vir diante da necessidade de decidir entre o que é certo e o que é lucrativo, escolherá o certo.
Na nova era, o consumidor é pleno, possui também espírito. O marketing do espírito humano leva em conta que os consumidores buscam experiências que lhes falem à razão, ao coração e ao espírito, isto é, que lhes confiram significado à vida. Assim, proporcionar significado é a futura proposta de valor do marketing, segundo prevê Kotler.
Porém não se iluda: será preciso convencer o mercado de capitais de que o marketing 3.0 é relevante, será necessário oferecer provas palpáveis de criação de vantagem competitiva e aumento de valor para os acionistas. O desafio é encontrar um elo entre retorno, rentabilidade e prática sustentável.
Kotler lembrou que há três métricas que podem socorrer os profissionais no momento dessa análise:
• maior valor da marca,
• aumento de receitas originado pelas novas oportunidades de mercado e
• maior produtividade dos custos.
É simples, segundo o especialista: “Se você tem um caso de amor com seus clientes, eles farão a melhor propaganda, e seus custos de marketing serão menores do que os dos concorrentes”.
O impacto das redes sociais
Com a tendência de reunir as pessoas em comunidades online, deixa de ter sentido a segmentação tradicional. Tais comunidades reúnem a diversidade e redistribuíram o poder. As redes sociais como o Twitter e o Facebook potencializaram a capacidade de um consumidor dizer o que pensa. Assim, ele pode contar a milhares de pessoas que teve uma experiência negativa com sua marca. Isso significa falta de controle da empresa sobre ela.
O que a companhia deve fazer é estar presente nas mídias sociais de interesse e, constantemente, buscar, por palavras-chave, o que se fala sobre sua marca na web. Realista e muito atualizado, o quase octogenário Kotler ainda disse: “Meu mantra é o seguinte: contrate um jovem. Seu departamento de marketing precisa de pessoas que tenham crescido com a web, para lhe mostrar como se relacionar nas redes sociais”.
Os riscos e o futuro das marcas
Kotler fez outros alertas: “Muitas marcas estão supervalorizadas. Sempre que isso acontece, os donos de ações começam a vendê--las. Portanto, você não pode supor que sua marca, que hoje é forte, continuará forte amanhã”. Outra constatação importante é a de que a maior parte dos produtos de hoje está na maturidade. Para evitar o estágio do declínio do ciclo de vida, é preciso, segundo o palestrante, agir como a Apple: “Ela dá novos impulsos à marca em cada lançamento”.
A tendência é os profissionais que cuidam de marca passarem a focar a formação do caráter dela, em vez de se concentrarem em construí-la, porque os consumidores de hoje são capazes de prontamente distinguir as promessas falsas das verdadeiras. “O fenômeno das redes sociais na internet significa que as empresas ruins não existirão mais.” É preciso investir no desenvolvimento de um DNA autêntico de marca.
Nesse contexto, a recomendação é que uma marca seja posicionada pelo “jornalismo de marketing”, que é a atividade de transmitir uma única mensagem, porém adequando elementos da proposta de valor a cada grupo que a empresa serve, isto é, realizando variações sobre o mesmo tema. O McDonald’s, por exemplo, posiciona-se de modo diferente para crianças, jovens e adultos, e também por experiências, com café da manhã, almoço ou jantar. Cada mensagem oferecerá um insight diferente sobre a marca.
A valsa da cocriação
Se, no momento 2.0, o valor é criado pela cadeia de valor da empresa, a tendência 3.0 é transferir esse poder para um cliente que não é mais passivo e está ansioso por colaborar. Também fornecedores e funcionários desejam participar. Nesse sentido, a estratégia começa a deixar de refletir uma guerra para ser encarada, na imagem trazida por Francis Gouillart, como uma dança de casal. O objetivo maior não é dominar, mas estabelecer novas experiências por meio de novas interações. Um processo unidimensional torna-se, assim, bidimensional. É devido a essa dinâmica que a cocriação de produtos, serviços e processos ganha força.
Gouillart disse que é nos países emergentes que a cocriação se desenvolve mais rapidamente, onde encontra solo fertilizado pelo modo de pensar mais entusiasmado e livre de conceitos limitadores, bem como pela maior consciência das necessidades sociais e pelo potencial de inovação da base da pirâmide. Além disso, a inclinação para colaborar é mais forte nesses mercados. Nos Estados Unidos, do contrário, as pessoas estão mais acostumadas a pensar em empresas isoladas.
“A cocriação é um processo que faz com que se mude drasticamente a expe-riência, não necessariamente do consumidor final, e também se reduzam os custos”, definiu Gouillart. Ela exige o estabelecimento de uma plataforma na qual pessoas sejam reunidas.
Entre os exemplos de empresas brasileiras que envolvem clientes na cocriação está o projeto do carro-conceito Mio, da Fiat. João Ciaco, diretor de publicidade e marketing de relacionamento da montadora, explicou, durante sua apresentação na Estação de Conhecimento Geração Y, da ExpoManagement, que foi criada uma plataforma colaborativa para a captação de sugestões dos interessados em participar. Foram recebidas 17 mil ideias. Na interação dos funcionários da empresa com os internautas, as sugestões foram aperfeiçoadas, até que se chegou ao projeto final. Durante a construção do carro, os internautas continuaram acompanhando o projeto.
“Olhamos mais para fora do que para dentro e abrimos nossas portas e mentes. Nunca ocorreu uma pesquisa tão profunda para entender os anseios do consumidor”, relatou Ciaco, que acrescentou: “O resultado desse projeto mudou radicalmente a forma como nossos profissionais passaram a se relacionar e a se comunicar dentro da empresa. Ser aberto e contar com colaboração é o mais importante”.
Da Índia, o palestrante Gouillart trouxe o exemplo do projeto e-Choupal, da ITC, do ramo do agronegócio, cujo objetivo era mudar a experiência do pequeno produtor e melhorar a qualidade de vida nas vilas rurais. Mas não só, é claro. Sua intenção era estabelecer uma grande estrutura de distribuição que aumentasse sua penetração no mercado. Começaram instalando quiosques computadorizados, onde as pessoas eram informadas e treinadas. Depois, criaram um mercado de grãos, por meio do qual os produtores conseguiam realizar vendas melhores do que quando se limitavam a vender a produção aos mercados atacadistas. Em seguida, organizaram centros de distribuição para a compra de insumos de ponta e, finalmente, providenciaram acesso a todo tipo de bens e serviços necessários (seguros, assistência médica etc.).
Essa experiência fica caracterizada por cocriação, porque criou todo um ecossistema que leva ao bom desempenho financeiro da ITC e à melhoria da vida do pequeno produtor. A alternativa, via comum nos Estados Unidos e no Brasil, mas desvantajosa para a população rural, teria sido consolidar o setor em torno de uma grande agroindústria que definiria em que bases os produtores teriam de trabalhar.
O marketing redesenhado
De acordo com o estudioso Kotler, a atividade de marketing é importante, pois aumenta o nível de gasto privado e, com isso, gera empregos. No nível da empresa, é, para ele, a função mais importante, pois gerencia a demanda diante do desafio atual do excesso de oferta. Contudo, o departamento de marketing tende a se tornar menos eficaz, porque o patrimônio da marca se enfraquece em função das seguintes forças que, com o tempo, levarão ao declínio do faturamento:
- Os distribuidores pressionarão por mais promoções, reduzindo a verba de outras atividades.
- A concorrência intensa levará à redução de preços.
- O consumidor tende a não querer pagar mais pelas melhores marcas.
- A mídia tradicional, como a TV, está menos eficaz.
- A mídia social terá papel cada vez mais determinante na avaliação de marca.
A proposta de Kotler para a reinvenção do marketing é ter clara a distinção entre os dois focos, o estratégico e o tático, por meio da efetiva divisão do departamento demarketing. Enquanto um grupo cuidará do marketing downstream (descendente), isto é, de comercializar o produto de hoje, o outro vai se dedicar a criar o produto de amanhã, supondo o que o cliente vai querer (em vez de perguntar a ele), realizando o marketing upstream. Essa ideia converge com o conceito apresentado por Vijay Govindarajan: gerir o presente enquanto se cria o futuro.
Estação de Conhecimento Sustentabilidade, uma das mais concorridas
5 tendências do varejo
Durante sua palestra na ExpoManagement 2010, Sir Terry Leahy, o executivo à frente de cerca de 5 mil lojas da rede Tesco, apontou diversas tendências sobre as marcas e o varejo:
- A confiança será o impulsionador do futuro dos negócios e, cada vez mais, as empresas vão querer exprimir seus valores por meio das marcas.
- Haverá vigoroso desenvolvimento de marcas regionais, algumas das quais começam a tornar-se globais, à medida que ganham escala e incrementam qualidade.
- A oferta de produtos e marcas será ampliada nas lojas, mais ainda nas virtuais.
- As marcas próprias tendem a aumentar sua participação no varejo. (No Brasil, elas têm 6% de participação e espaço para crescer, enquanto têm 50% no Reino Unido, onde não podem crescer muito mais.)
- Os fornecedores buscam crescentemente canais diretos de relacionamento e venda, pois querem controlar a distribuição. As redes de supermercados terão de estar mais próximas dos donos das marcas e ajudá-los no desenvolvimento delas.
Se você tem um caso de amor com seus clientes, eles farão a melhor propaganda– Philip Kotler