O executivo-chefe de ética da L’Oréal mundial, Emmanuel Lulin, foi eleito o executivo top de ética do mundo. Nesta entrevista exclusiva, ele mostra como sua empresa se estrutura para responder às cobranças e ameaças na área
Saiba mais sobre Emmanuel Lulin
Quem é: executivo-chefe de ética da L’Oréal mundial.
Trajetória: graduado em direito pelas universidades Paris I (Panthéon-Sorbonne) e Paris II (Assas), fez parte da banca do escritório internacional Debevoise & Plimpton, em Paris e Nova York, como advogado de grandes corporações.
Na L’Oréal: chegou em 1999 como membro do conselho geral do grupo para recursos humanos. Assumiu a área de ética em 2007.
Depois de muitos anos de discussão e cobranças, a União Europeia finalmente baniu, em 2013, os testes de produtos cosméticos em animais. A decisão não pegou a líder setorial, a francesa L’Oréal, de surpresa. A gigante mundial, assim como outras grandes companhias do setor, já havia banido os testes de seus produtos em bichos e há anos pesquisa e implementa processos alternativos como peles artificiais e outras ferramentas.
Uma a menos, mas muitas questões éticas ainda tiram o sono dos executivos da indústria de cosméticos, como propagandas enganosas, trabalho infantil ou em condições análogas à escravidão, corrupção, além de desafios emergentes trazidos pelos avanços científicos incorporados pelas empresas. Todos são assuntos sérios, com potencial para destruir reputações e marcas.
Não à toa, a ética vem ganhando destaque na estrutura da multinacional francesa. Desde 2007, ela tem um departamento inteiramente dedicado ao tema, liderado pelo advogado francês Emmanuel Lulin, que acaba de receber o título de executivo “top” na área de ética e compliance pelo renomado Ethisphere Institute, um centro internacional e independente de pesquisa e promoção da ética nos negócios. Lulin montou uma força-tarefa que conta com “correspondentes” em todos os países em que a empresa atua e um sistema que permite aos funcionários “falar sem medo” sobre problemas éticos, fazendo-os chegar diretamente a sua área. Entre as premissas com que trabalham estão o exemplo que deve vir de cima e a tolerância zero com a corrupção (e com o assédio sexual também).
Qual o real estado da ética no mundo corporativo global hoje?
Existe espaço para melhoria substancial, mas a indústria está cada vez melhor. Há um aumento da consciência global de que é importante obedecer às leis e às regulamentações, mas não é o suficiente. Um programa ético guiado apenas por compliance é perda de tempo.
Por quê?
Ele deve ser guiado por valores. Em um programa puramente de compliance, você pede que as pessoas obedeçam, o que pode passar a mensagem de que você não confia nelas. Em um programa com visão ética, você pede às pessoas que apliquem os valores, que entendam por que fazem as coisas. Assim, em vez de desconfiança, você gera confiança.
Qual a importância da ética na sustentabilidade?
O tempo em que as empresas pensam apenas no curto prazo ainda não desapareceu totalmente, mas está a caminho disso. Hoje, queremos que as empresas sejam sustentáveis, pensem no longo prazo, assumam mais responsabilidades e tenham uma abordagem mais global. Nesse contexto, é importante entender por que fazemos as coisas e seguimos determinados valores.
Como é o programa de ética da L’Oréal?
No caso da L’Oréal, uma organização conduzida por pessoas e não por processos, nós nos concentramos no comportamento de todos na corporação. Na construção de um programa de ética, um pré-requisito é que “o topo é que dá o tom”. Quando o principal executivo da companhia está convencido de que é a coisa certa a fazer, funciona. E temos muita sorte, porque o chairman e CEO, Jean-Paul Agon, está absolutamente convencido de que essa é a coisa certa a fazer.
Como foi a implementação do programa?
Publicamos nosso primeiro código de ética em 2000, com uma segunda edição em 2007. Chamamos gestores de todo o mundo –América Latina, América do Norte, Ásia, Europa– para reuniões com um grupo de executivos e pedimos que trabalhassem na concepção do código, nos valores e em exemplos práticos.
Como a área de ética está no grupo?
O diretor de ética se reporta diretamente ao presidente do conselho e ao CEO, com acesso a todas as informações e documentos da empresa. É uma estrutura de seis pessoas, mas, em quase todos os países em que atuamos, temos um correspondente de ética, como a Rosmari Capra-Sales no Brasil.
Como operam os correspondentes de ética?
Eles fazem seus trabalhos regulares e têm essa segunda função, que não é em tempo integral, embora bastante trabalhosa. Não queremos profissionais de ética em função exclusiva; são melhores para isso as pessoas que tenham responsabilidades operacionais funcionais e que se importem com ética.
É fácil um funcionário fazer denúncias?
Sim, ele pode usar os canais de ética locais que levam até o correspondente de ética. Mas, se um colaborador sente, por alguma razão, que não deve usar esses canais, tem a liberdade de se dirigir à central, na França.
Como levar sua ética aos fornecedores, distribuidores e consumidores? Basta assinar contratos?
Primeiro, precisamos entender quais são os valores éticos de nossos fornecedores ou da terceira parte com que trabalhamos. Depois, pedimos que eles assinem um termo de compromisso e respeito às principais convenções e recomendações da OIT [Organização Internacional do Trabalho] contra trabalho infantojuvenil e escravo, discriminação. Só então assinamos o contrato.
Como sabem que estão cumprindo?
Fazemos auditorias. Até agora, auditamos quase 5 mil fornecedores em todo o mundo. Essas auditorias são realizadas por profissionais especializados, externos à L’Oréal, pagos por nós. Na maioria das vezes, quando encontramos problemas, trabalhamos com os fornecedores para melhorar a situação. Se vemos que não houve melhorias, podemos cancelar o contrato.
Qual a representatividade dos auditados no universo de fornecedores do grupo?
Falemos em termos de Brasil. Aqui foram auditados 100% dos fornecedores de materiais promocionais, 58% dos fornecedores de matérias-primas e 67% dos fornecedores de embalagens. As auditorias são baseadas na norma SA 8000 [padrão internacional que segue convenções da OIT]. Examinamos 100% de nossas fábricas e centrais de distribuição em 2006 e 2007. Em 2014 e 2015 vamos fazer uma nova rodada de auditoria em todas elas, incluindo as do Brasil.
Durante a auditoria, que problemas foram encontrados? Pode mencionar algum caso?
Encontramos, por exemplo, crianças trabalhando em uma fábrica em um país asiático. Então, discutimos com a administração para que a situação melhorasse. Achamos que havia melhorado, mas realizamos uma segunda auditoria e não havia. Encerramos a relação com o fornecedor.
E no Brasil? Foi encontrado algum problema?
Não que eu saiba. Mas no Brasil estamos trabalhando para ter certeza de que seremos informados se houver algum problema. Encorajamos os colaboradores a falar sem medo.
Sobre o polêmico tema dos testes em animais, como vocês lidam com essa questão?
Já a resolvemos. Em 1989, a L’Oréal parou com testes em animais em seus produtos acabados e, hoje, não realizamos mais nenhum teste em animais, nem por meio de parceiros e terceirizados.
Mas em alguns países eles ainda são feitos por exigência dos próprios governos, não?
Ah, sim, a China ainda pede testes em animais por razões de segurança e lá precisamos fazê-los. Mas temos discutido com o governo chinês.
Como a L’Oréal lida com corrupção? O que o sr. pensa da lei anticorrupção do Brasil?
Vemos a nova lei de modo muito positivo, mas queremos saber como será aplicada. Nossa tolerância é zero para corrupção, no mundo inteiro.
No ranking da ética
Um dos maiores indicadores mundiais de ética corporativa é a lista do Ethisphere Institute, que aponta quais são as empresas mais éticas em mais de 40 setores de atividade, sem definir um ranqueamento entre elas. Na lista de 2013 (relativa a 2012), as mais éticas do setor de saúde e beleza, segundo o Ethisphere, eram a francesa L’Oréal, a japonesa Shiseido e a brasileira Natura. Na edição de 2014, mantiveram-se a L’Oréal, a Shiseido e também a Natura, pela quinta vez, mas, agora, esta aparece ligada ao setor de bens de consumo.
Auditoria frequente
É preciso auditar os fornecedores regularmente; no Brasil, 58% dos fornecedores de matérias-primas da L’Oréal já foram auditados