O conceito de “neoconsumidor” vem sendo delinea­do nos últimos dez anos por conta das mudanças nos hábitos de consumo e das formas de relacionamento entre o varejo e os consumidores motivadas pela adoção de tecnologias digitais como internet e celular. Basicamente, trata-se de um consumidor digital, multicanal e global, ou seja, que tem perspectivas internacionais para seu consumo. Segundo nossa pesquisa, os neoconsumidores respondem hoje por algo entre 3% e 7% das vendas do varejo brasileiro, percentual que terá forte expansão nos próximos anos, uma vez que 88% das pessoas entrevistadas nesse estudo afirmam já comparar preços e características de produtos na internet antes de realizar uma compra. Para ter acesso a informações e novidades, o neoconsumidor vai às plataformas digitais, como internet e celular, onde há uma geração colaborativa de conteúdo, que se tornou importante moeda social, com o valor – ainda não calculado, mas efetivo – do compartilhamento de experiências de compra e utilização de produtos e serviços, difundidas livremente entre as diversas comunidades e usuários de internet no mundo. Isso tem profundo impacto sobre os negócios das empresas, que passam a ser pressionadas a oferecer melhores preços e serviços, reduzem suas margens e têm mais necessidade de se diferenciar.

Nossa pesquisa sobre o neoconsumidor, realizada em 11 países, incluindo o Brasil, investigou o comportamento do consumidor em relação aos diferentes canais de venda e também quanto a quatro categorias de produtos principais: alimentos, vestuário, beleza e cosméticos, e eletroeletrônicos.

Embora, genericamente, cerca de 50% dos consumidores entrevistados se encontrem nas maiores faixas de renda de seus respectivos países, pode-se afirmar que a pesquisa conseguiu investigar todas as classes socioeconômicas. A amostra brasileira cobriu as classes A, B e C e foi ponderada de forma a ser representativa para todo o universo nacional. Em relação à escolaridade, mundialmente, 23% são universitários e 21% têm pós-graduação; no Brasil, esses percen­tuais são, respectivamente, 26% e 19%. Quanto à idade, 39% dos respondentes estão na faixa de 19 a 34 anos, 44% entre 35 e 54 anos e 15% ultrapassaram os 55 anos –apenas 2% possuem entre 16 e 18 anos. A idade média da amostra brasileira é de 36 anos, ante 40 anos na amostra mundial.

Vale observar também que, segundo levantamentos da União Internacional de Telecomunicações, apenas 29,2% da população brasileira conta com computador (dado do final de 2008) e que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 34,5% têm acesso à internet.

Três grupos

Mundialmente, os neoconsumidores puderam ser agrupados em três clusters, de acordo com seus perfis demográficos e comportamentais:

• Neotradicionais (36% da amostra, 17% no Brasil).

• Neoecléticos (19% da amostra, 5% no Brasil).

• Neovanguarda (45% da amostra, 78% no Brasil).

Neotradicionais. Com leve predominância de mulheres e faixa etária entre 45 e 54 anos, é o grupo que exibe menor grau de escolaridade. São os consumidores mais ligados a lojas físicas ainda e utilizam a internet principalmente para comparar preços.

O consumidor neotradicional não acessa a internet pelo celular e tampouco faz compras por ele, já que não o considera um meio seguro para trocar informações. Não aposta no crescimento do comércio por celular tão cedo. Se, para a compra de alimentos, esse consumidor prefere as lojas, para vestuário, é o que mais compra pela internet –e pretende continuar comprando. Diga-se, contudo, que esse resultado é fortemente influenciado pela presença de diversos países europeus na amostra.

Neoecléticos. Sobretudo na faixa etária entre 35 e 44 anos, sem predominância de gênero, são consumidores de média escolaridade que compram pela internet há pelo menos 3,5 anos e estão abertos ao uso de diversos canais de relacionamento com marcas, produtos e serviços. Para esse grupo, a loja física já deixou de ser a primeira escolha de lugar para compras – na verdade, esse é o cluster que mais projeta o fim dos pontos de venda tradicionais no futuro. Os neoecléticos sentem falta quando as lojas não têm presença on-line e valorizam as que a possuem. Entretanto, acessam pouco a internet pelo celular, embora no futuro consigam se ver utilizando mais esse canal.

Ainda é o grupo que mais realiza compras em múltiplos canais nas diversas categorias de produtos, com exceção do canal internet no segmento de beleza (é o consumidor que menos compra esse tipo de produto pela web).

Os neoecléticos acreditam que a internet não é um meio seguro, embora comprem pela rede. A crença não é um empecilho na hora da compra.

Neovanguarda. Com discreta predominância de homens e faixa etária oscilando entre 35 e 44 anos, é um grupo formado predominantemente por consumidores com maior escolaridade, que compram pela internet há mais de quatro anos e preferem comprar on-line às demais opções de canais, embora também recorram a outros tipos de varejo. O consumidor neovanguarda é o que mais compra eletroeletrônicos pela web e, no futuro, é o que mais pretende comprar em canais diversos. Esse grupo confia na segurança das ferramentas tecnológicas disponíveis e já incluiu o celular em seu mix de canais, embora ainda não tenha o costume de realizar compras pelo celular. Seu maior uso da internet móvel ainda é para obter informações e comparar preços e características.

O fato de considerarem a compra pelo celular um processo conveniente e de aceitarem receber propagandas e promoções pelo celular torna os consumidores neovanguarda um público com grande potencial para abraçar a tecnologia mobile como centro de convergência de seu relacionamento com suas marcas preferidas.

Os consumidores neovanguarda veem a compra pelo celular como processo conveniente e tendem a aceitar receber propagandas e promoções por meio mobile

Hábitos

A revolução digital, impulsionada pela ampliação do acesso à internet (já há mais de 1,6 bilhão de pessoas conectadas no mundo) e pela presença ainda maior do celular (no mínimo, 4 bilhões de usuários no planeta), criou as bases para um novo mundo de consumo que começa agora a se descortinar. Internet e celular estão influenciando os hábitos dos neoconsumidores, processo que tende a se acentuar com a TV interativa e com o aumento dos recursos oferecidos nos celulares. Parte dos novos hábitos gira em torno de um fenômeno que batizamos de “descontomania”, em que os consumidores exigem descontos sempre maiores, em uma eterna busca de mais por menos. Mais conveniência, mais produtos, mais opções, mais serviços, por menos preço, em menos tempo e com menos estresse.

Exemplo disso é a prática de comparar preços. O estudo verificou que, em termos mundiais, 52% dos consumidores entrevistados utilizam sites especializados em comparação de preços, do tipo Buscapé. No Brasil, esse índice é ainda maior, atingindo 73%, perdendo apenas para os 74% verificados no Reino Unido, um dos mercados on-line mais desenvolvidos, e para os 76% da Austrália. Diga-se que esse índice é baixo, entre 25% e 40%, nos Estados Unidos, no Canadá e na Alemanha, porque esses países têm neoconsumidores mais maduros, que já educaram os varejistas em relação à “descontomania”. Estima-se que menos de 20% das compras sejam feitas pelo preço cheio dos produtos nos EUA, enquanto na Alemanha o que mais prospera é o conceito hard discount (lojas espartanas, com pouquíssima oferta de serviço e ambientação básica, mas preços agressivos).

O movimento rumo à “descontomania” vem se acelerando no Brasil, pelo fato de que cerca de 44 milhões de brasileiros pesquisam produtos, características e preços na web antes de ir às lojas e também pelo aumento da competitividade no grande varejo e on-line [lembrando-se da entrada das Casas Bahia e do Walmart na internet, do novo e-business que nasceu com a aquisição das Casas Bahia pelo Grupo Pão de Açúcar e da expectativa de que o Carrefour também o faça em 2010].

O rápido crescimento do número de brasileiros on-line tem influído na forma de operar das lojas convencionais. As operações precisam ser cada vez mais integradas, exigindo estratégias diferenciadas. Se antes era possível operar uma loja e possuir apenas um site para divulgação institucional, agora isso não basta para o neoconsumidor.

Em âmbito mundial, 34% dos 5,5 mil entrevistados disseram ficar desapontados quando suas lojas preferidas não vendem pela web, percentual que sobe muito em dois recortes: na população entre 19 e 34 anos e no Brasil, onde 53% dos entrevistados mostraram seu desgosto. Esse dado por si só já indica, em nossa interpretação, que o brasileiro está entre os povos mais propensos ao uso intenso das ferramentas digitais e das compras virtuais.

O fenômeno “descontomania” progride no Brasil; 44 milhões de brasileiros já têm o hábito de pesquisar produtos, características e preços na internet antes de ir às lojas

Mesmo que essa pesquisa tenha sido conduzida online, impressiona o fato de que 88% dos entrevistados já realizaram algum tipo de compra pela internet. O país com maior índice de compras online é a Alemanha, com 99%, e, no Brasil, 92% dos pesquisados já compraram pela web. Na pesquisa de campo feita em Porto Alegre, Recife e São Paulo, o indicador também foi alto, embora menor: 55% dos entrevistados disseram já ter realizado algum tipo de compra online –dado que mostra que, com a evolução dos celulares (presentes nas mãos de mais de 80% da população), o brasileiro se tornará fortemente digital, antecipando movimentos que ocorrerão mais tarde nas economias maduras.

Embora, nos países mais desenvolvidos, os serviços sejam a modalidade com maior participação no consumo pela internet, no Brasil, destacam-se os produtos: livros e papelaria (adquiridos por 76% dos consumidores), eletroeletrônicos (73%), CDs/DVDs (70%) e informática e celulares (66%). Na pesquisa realizada em campo, o ranking de produtos se mantém: 69% para livros e papelaria, 68% para eletroeletrônicos, 63% para CDs/DVDs e 60% para produtos de informática, além de 49% para download de música. E os que não compram produtos pela internet no Brasil, por que não o fazem? Por insegurança em compartilhar dados bancários na internet (55% de citações), por temor em relação ao que ocorrerá se houver necessidade de trocar o produto (também com 55%), pelo desejo de ter atendimento pessoal (50%) e por insegurança em compartilhar informações pessoais na internet (48%).

Em função de o grande potencial de crescimento de consumo pela internet estar na área de serviços, é relevante termos uma radiografia do consumo de serviços no Brasil para futuramente compararmos a evolução dessa indústria. Os destaques entre os serviços adquiridos pela web no Brasil são viagens, com 51%, empatadas com a compra de ingressos para filmes e shows (muito motivada pela oferta das principais redes de cinema do país), modalidade que não só evita filas, como muitas vezes oferece desconto no preço dos ingressos.

Outro dado significativo sobre o neoconsumidor brasileiro diz respeito ao m-commerce, o comércio mobile. Números divulgados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostram que a penetração de celulares no Brasil ultrapassou os 80% da população no segundo semestre de 2009, com 169,7 milhões de linhas telefônicas móveis. Enquanto mundialmente 90% dos consumidores nunca compraram pelo celular, 20% dos brasileiros afirmaram já ter adquirido produtos por esse meio com destaque para serviços delivery de alimentação e download de músicas. Os consumidores do País são os mais receptivos do mundo à publicidade mobile: 42% dos brasileiros disseram estar dispostos a receber promoções e anúncios pelo aparelho, ante a média mundial de 17%, com destaque para os que têm entre 25 e 44 anos e as classes sociais mais baixas.

Por fim, 41% dos brasileiros se disseram propensos a aceitar o MNVO (operadoras de serviços móveis que não operam a rede em si), pela conveniência, enquanto outros 21% gostariam de mais informações para decidir.

Como o consumidor evolui

Em uma curva de desenvolvimento do consumidor, ela teria os seguintes pontos, segundo a pesquisa de Gouvêa de Souza:

Consumidor 1.0. Todo seu processo de compra ou abastecimento ocorre em alternativas de varejo não loja, na forma de vendas diretas, feiras, vendedores viajantes ou veículos e barcos sendo usados como lojas ambulantes. Esse era o consumidor típico dos primórdios do comércio, mas persiste em áreas ou economias menos desenvolvidas, como regiões específicas em diversos países na África e América Latina, na China, na Índia ou mesmo em partes do Brasil, especialmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Esse consumidor tem absoluta dependência do comerciante.

Consumidor 2.0. É o primeiro que pode ser caracterizado como multicanal de fato. Suas opções envolvem principalmente lojas de diversos tamanhos e formatos, que convivem com outras opções não loja, como feiras, ambulantes, catálogos, vendedores domiciliares, telefone ou mesmo a televisão analógica, com pedidos pelo telefone. Era o estágio de consumo predominante até o surgimento do uso comercial da internet na década de 1990. Esse consumidor é mais consciente de seu valor e tem suas preferências e fidelidade disputadas de forma mais intensa.

Consumidor 3.0. É o neoconsumidor, multicanal e digital. Ele se caracteriza pela incorporação de um canal de vendas digital, a internet, com seu poder de acesso global e com enorme poder de influência sobre todos os produtos e serviços, ao permitir comparações, análises e aprofundamento de informações sobre características, preços e condições, serviços, garantias, formas de uso e tudo o mais que possa influenciar a decisão de compra. É seu hábito buscar informações, comparar e criticar, e há mais racionalidade em seu processo decisório, mesmo em condições de compras mais emocionais no processo de decisão.

Consumidor 4.0. Neoconsumidor de segunda geração, com a incorporação do celular como canal de relacionamento, vendas, promoção e pagamento, tanto de produtos como de serviços. Os primeiros serviços que adquire são os que envolvem entretenimento e individualização, como download de ringtones e wallpapers para o celular, mas ele amplia o espectro com o tempo. O potencial desse mercado é gigantesco: em meados de 2009, para 46 milhões de internautas, segundo a E-bit, dos quais 14 milhões com ao menos uma compra em e-commerce, havia uma base de 160 milhões de usuários de celular.

Consumidor 5.0. Neoconsumidor de terceira geração, condicionado pela incorporação da TV digital interativa. Esta vem sendo implantada em diversos locais no mundo e que no mercado brasileiro já atinge 6,3 milhões de domicílios, com perspectiva de chegar à maioria das residências nos próximos dez anos.