Qual a grande verdade na qual muito pouca gente concorda com você?” Essa é a primeira pergunta que Peter Thiel faz a seu leitor em De Zero a Um: O que Aprender sobre Empreendedorismo com o Vale do Silício. Essa busca de uma verdade secreta e inusitada, e do problema de mercado que ninguém está pensando em solucionar, é o tema central não só do livro do cofundador do PayPal, como de sua trajetória empresarial e de sua vida.

De Zero a Um foi lançado em setembro de 2014, mas Thiel volta à baila agora por ser um dos poucos membros da elite tecnológica do Vale do Silício a apoiar – vigorosamente, diga-se – o candidato republicano Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

Se tivessem entendido sua essência – e a lição que ele quer passar –, isso não seria surpresa. “Contrarian” é o termo sem tradução em nosso idioma que define a personalidade e a visão de mundo de Thiel. Em inglês, é usado para designar pessoas que tomam posições diferentes da maioria ou do senso comum, sem se preocupar com o que pensam os outros.

No mercado financeiro, por exemplo, contrarians são aqueles investidores que compram as ações de empresas que ninguém quer, apostando que elas vão subir; na mídia, jornalistas e escritores que tentam provar que “tudo o que você sabe sobre tal assunto está errado” e derrubar personalidades supostamente irrepreensíveis; no mundo dos negócios, empreendedores que criam startups para desenvolver produtos baseados em pura intuição, e não em pesquisas de mercado.

Quando não é um contrarian stricto sensu, Thiel é um contraditorian. Defende ideias exóticas como tirar crianças das escolas e criar ilhas artificiais soberanas onde empresas não precisariam pagar impostos. Financiou uma batalha judicial contra o Gawker que o “tirou do armário”, levando o conglomerado de blogs à falência. Não tem pruridos em citar Ted Kaczynski, o Unabomber, como exemplo teórico para suas ideias.

Monopólio é bom

A primeira grande verdade desse bilionário (fortuna avaliada em US$ 2,7 bilhões, número 79 na lista dos mais ricos em tecnologia da Forbes) é um libelo contra o capitalismo clássico: para ele, concorrência faz mal às empresas; bom mesmo é monopólio. Esse é seu principal conselho a jovens empreendedores. A versão para startups da frase citada no início deste texto é: “Qual a empresa valiosa que ninguém fundou ainda?”. Valiosa não só no sentido de criar algo de valor, mas também no de manter esse valor para si. 

Na lógica thieliana, a concorrência inibe a inovação, pois a competição pelo mesmo mercado nivela os preços e impede que as empresas tenham lucros grandes o suficiente para investir em tecnologias inovadoras. Para ele, apenas os monopólios criativos levam ao progresso, pois a promessa de anos ou até décadas de lucros concretizada com a dominação total de um mercado é um poderoso incentivo à inovação e a fazer planos de longo prazo.

“Um monopólio criativo gera novos produtos que beneficiam a todos e lucros sustentáveis para seu criador. Competição significa que não há lucro para ninguém, nenhuma diferenciação significativa; só luta pela sobrevivência”, escreve Thiel em seu livro. Ele acredita que a livre concorrência é um mito ideológico que atrapalha o progresso. Para exemplificar, compara as companhias aéreas, que faturam fortunas, mas estão sempre às voltas com um prejuízo crônico, e o Google, com seu monopólio virtual de buscas na internet.

Como Trump, Thiel crê que os Estados Unidos estagnaram

Atenção, porém: monopólio, no evangelho de Thiel, significa possuir uma tecnologia proprietária. Somente isso é capaz de tornar um negócio impossível, ou ao menos muito difícil, de ser copiado. Sua “Teoria Geral do Monopólio Criativo” diz: uma tecnologia proprietária precisa ser pelo menos dez vezes melhor que sua substituta mais próxima para levar a uma verdadeira vantagem monopolista; aquém disso, a tecnologia será vista só como uma melhoria incremental e terá dificuldades de se diferenciar.

A segunda grande verdade contrarianista? Esqueça essa história de disrupção. Para Thiel, o conceito – definidor de startups que começam com um produto barato e mal-acabado, que vai sendo melhorado continuamente até dominar a concorrência tradicional – é superestimado. Foi o que aconteceu com o computador pessoal, que destronou os mainframes mesmo sendo uma versão menos poderosa que estes. “Disrupção se metamorfoseou recentemente em um chavão autocongratulatório para qualquer coisa com cara de novo ou na moda.”

Posicionar-se como uma tecnologia disruptiva é um mau negócio, segundo Thiel, pois a empresa porá seu foco nos empecilhos em seu caminho, nas indústrias que quer derrotar, e não em seu produto. “Quem são os disruptores? São os moleques mandados para a sala do diretor na escola”, diz ele. Como exemplo, compara a trajetória do Napster, o software que desafiou a indústria da música permitindo o compartilhamento de MP3, e o próprio PayPal. “Nós começamos como uma ameaça às operadoras de cartões, mas, conforme crescemos, acabamos gerando negócios para elas.” 

Terceiro axioma do contra de Thiel: computadores não substituem o trabalho humano, apenas o complementam. “Um laptop barato é capaz de vencer os mais inteligentes matemáticos do mundo, mas um supercomputador com 16 mil CPUs não consegue ser melhor que uma criança de 4 anos para identificar gatinhos em vídeos. Humanos e computadores não são mais ou menos poderosos uns que os outros; eles são categoricamente distintos.”

Essa visão nasceu quando Thiel ainda estava montando o PayPal. Um dos maiores desafios que a plataforma de pagamentos enfrentava era a fraude em cartões de crédito, problema que quase matou a empresa no berço. Nos primeiros anos de existência, seus programadores criaram algoritmos para identificar e barrar fraudadores, mas estes mudavam seu modo de operação para burlar os robôs.

A solução foi desenvolver um sistema híbrido, em que o sistema sinalizava comportamentos suspeitos e analistas humanos confirmavam a fraude. Foi o sistema que permitiu ao PayPal obter seu primeiro lucro operacional, em 2002.

Essa mesma estratégia foi utilizada por Thiel em 2004, quando fundou a Palantir, empresa de big data com toque humano que hoje fatura mais de US$ 1 bilhão ao ano e tem como clientes agências de espionagem e o Departamento de Defesa norte-americano. O rumor de que sua plataforma foi usada para encontrar Osama Bin Laden despertou o interesse do setor privado por seus produtos, batizados ironicamente de Gotham e Metrópolis, as cidades do Batman e do Super-Homem. Hoje, são utilizados para prever a possibilidade de insurgência rebelde em países em conflito, detectar fraudes com informações privilegiadas na bolsa e decidir qual o melhor lugar para pôr chocolates nos supermercados.

A “máfia do Paypal”

Esse foi o apelido pelo qual ficaram conhecidos os fundadores do site de pagamentos online. Mesmo depois de a plataforma ser vendida ao eBay, seus sócios continuaram a apoiar projetos uns dos outros. Entre as empresas dessa turma estão LinkedIn, YouTube, Yelp, Yammer e Tesla, cada uma delas valendo mais de US$ 1 bilhão. Thiel também foi o primeiro investidor externo do Facebook e ainda tem assento em seu board.

Nos últimos anos, ele ganhou notoriedade por sua guerra contra o Gawker, iniciada em 2007, quando o site de mídia publicou o artigo “Peter Thiel é Totalmente Gay, Gente”. Apoiou várias ações contra a empresa, inclusive a do ex-lutador de luta livre Hulk Hogan, que obrigou o Gawker a pagar US$ 140 milhões e o levou a decretar falência meses após a sentença. Em uma entrevista ao The New York Times, Thiel contou que gastou cerca de US$ 10 milhões apoiando processos contra o site e que esse foi “um dos maiores atos filantrópicos” que cometeu. 

Para o jornal inglês The Guardian, Thiel é “o único apoiador vivo de Donald Trump no Vale do Silício”. A blague dá o tom da mais recente controvérsia envolvendo o empresário. Empresas de tecnologia são conhecidas por seu viés liberal, diversidade e tolerância, mas Thiel nunca compartilhou esse estado de espírito. Como Trump, ele pensa que os EUA estagnaram. Durante a campanha, correu o boato de que Trump, se eleito, indicaria Thiel para a Suprema Corte, o que foi desmentido pelos dois (mas nenhum deles é conhecido por mostrar as cartas antes do jogo).

Que candidato não adoraria ser apoiado pelo dono da empresa que faz a melhor análise de dados em escala do mundo? 

O heptálogo de Peter Thiel

Há sete perguntas às quais toda empresa deve responder. Se negligenciá-las, fracassará. Se responder satisfatoriamente a todas, seu sucesso estará garantido.

1- A questão da engenharia

Você consegue criar tecnologia revolucionária, em vez de melhorias incrementais?

2- A questão do timing

Agora é o momento certo para iniciar seu negócio?

3- A questão do monopólio

Você está iniciando um negócio com uma grande parcela de um pequeno mercado?

4- A questão humana 

Você tem a equipe certa?

5- A questão da distribuição

Você tem uma forma de não apenas criar, mas de entregar seu produto?

6- A questão da durabilidade

Será que sua posição no mercado se manterá por 10 ou 20 anos?

7- A questão do segredo

Você identificou uma oportunidade única que os outros não veem?

Você aplica quando...

... torna-se um contrarian, indo contra o senso comum das empresas e dos mercados, ou, então, segue o heptálogo de negócios de Peter Thiel.