Inovar é uma arma para executar a estratégia atendendo os stakeholders, sim, mas desde que seja feita com regularidade, o que é mostrado por empresas como Porto Seguro e CPFL Energia
O Brasil tem mais de 212 milhões de cabeças de gado e, em cinco anos, será o maior produtor de carne bovina do mundo, superando os Estados Unidos, de acordo com estimativas da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA) – um mercado que movimenta mais de R$ 165 bilhões por ano. E, a despeito de a produção agropecuária brasileira ter quadruplicado nos últimos 40 anos, melhorando a produtividade, a pecuária tem baixa rentabilidade: é o patinho feio do agronegócio. Soja, cana, celulose, milho, todos dão melhores resultados.
Qual é a explicação para a estratégia de buscar maior rentabilidade não vingar nas empresas do setor? Falta inovação – e uma inovação que esteja longe da “ciência espacial” e mais perto do bom senso e do esforço. Falta fazer o possível para oferecer aos clientes produtos e serviços cada vez mais funcionais, sustentáveis e acessíveis. Antes de todo o resto, falta reconhecer que todo produto, serviço ou iniciativa de uma empresa tem um ciclo de vida próprio, que começa e acaba e, assim, precisa ser substituído por outra inovação. Falta aceitar que inovar tem de ser uma prática cotidiana, frequente.
Para Carolina da Costa, diretora do Centro de Liderança e Inovação do Insper, o maior entrave à inovação no Brasil, que solapa a implementação das estratégias, é o modelo mental prevalente nas empresas. O potencial de transformação necessário à inovação depende sobretudo da capacidade de rever velhas premissas à luz de novas provocações e de aprender com esse movimento, normalmente feito por pessoas que têm acesso a novas informações e interagem em uma equipe.
Tecnologias ajudam, mas, como pergunta Costa, “de que adiantam os canais de comunicação e engajamento viabilizados por novas tecnologias se o modelo mental de grupo não é orientado a confrontar o que está estabelecido?”. Segundo a professora, a solução para reorientar o modelo mental seria os CEOs apoiarem novos desenhos organizacionais que permitam a emergência de novas hipóteses e definições de problemas. “Não basta desconcentrar o poder de decisão; é importante desconcentrar o poder de definição dos novos problemas que a organização deve atacar”, afirma ela. Isso só acontece fora da tradicional estrutura de comando e controle, ainda que esta tenha sido suavizada.
Na avaliação de Costa, muitas empresas têm se mobilizado para atender às expectativas dos diferentes stakeholders por meio da inovação, e com relativo senso de urgência. “Porém, em geral, elas ainda se valem de desenhos organizacionais participativos apenas em processos e canais; continuam a centralizar o poder de definição dos problemas e premiam o curto prazo com seus incentivos”, diz. Há, no entanto, companhias brasileiras percebendo a necessidade de mudar o modelo mental de seu pessoal e agindo nessa direção.
CPFL energia e Porto Seguro
Em 2012, a CPFL Energia deu poder de definição de problemas a sua equipe de inovação ao tirá-la do guarda-chuva de engenharia e criar a diretoria de estratégia e inovação, mais protegida das pressões do dia a dia. Nas diretrizes da nova área entraram a promoção da cultura (ou mentalidade) inovadora e a geração de inovações de médio e longo prazos. Em paralelo, houve horizontalização da gestão.
“Todos os nossos movimentos, sejam de produto ou de processo, têm uma lógica de trazer resultados efetivos para os clientes; esses stakeholders são levados em conta desde o momento zero”, enfatiza Rafael Lazzaretti, diretor de estratégia e inovação da CPFL. Outro stakeholder que influencia muito a execução da estratégia inovadora da CPFL é a agência reguladora do setor, o que leva a empresa a, por exemplo, produzir estudos de caso ainda mais detalhados.
O entendimento de que a disposição de inovar não pode se restringir a causar impactos de curto prazo já é disseminado pela CPFL, segundo Lazzaretti. O projeto Mobilidade Elétrica é um exemplo dessa visão de longo prazo: um laboratório real de carros elétricos foi montado na região metropolitana de Campinas (SP) para coletar dados sobre as diversas aplicações e implicações dessa tecnologia e aprofundar seus impactos para o setor. Iniciada em 2013, a pesquisa receberá cerca de R$ 21,2 milhões em investimentos até 2018. Cidade do Futuro e Telhados Solares são outros projetos de longo prazo tocados na CPFL.
Sempre os colaboradores têm liberdade de apostar em negócios fora do core business, e o intraempreendedorismo é uma de suas máximas. No entanto, sob a ótica do bom senso, é claro que devem olhar também para dentro da empresa, apostando na inovação de processos, que aumenta a eficiência operacional. Há projetos como o de deixar mais leve a cruzeta de concreto dos postes de eletricidade, por exemplo.
A Porto Seguro é outro modelo de empresa que executa sua estratégia por meio de inovações frequentes, o que torna seu portfólio bastante diversificado: além dos diversos tipos de seguros, ela investe em consórcios, soluções financeiras, aplicativos, reciclagem de componentes de automóveis e outros tantos produtos. Para Fábio Luchetti, CEO da Porto Seguro, a pressão dos novos tempos acaba sendo benéfica tanto para a companhia como para o cliente. “Essa engrenagem inovadora tem se mostrado consistente, e nos mantemos firmes na ideia de não ficar restritos a nosso negócio principal; nós escolhemos onde e como queremos competir em outros setores”, conta ele.
No final de 2015, esse ímpeto inovador ganhou a forma de uma aceleradora de empreendimentos, a Oxigênio, que quer acelerar 40 startups em três anos investindo o equivalente a US$ 50 mil diretamente em cada empresa selecionada e providenciando mais US$ 100 mil em investimentos indiretos, como benefícios e recursos para os empreendedores.
Na visão de Luchetti, a Oxigênio não é só uma forma de inovar com novos negócios; ela evita que a Porto Seguro fique burocrática e protocolar em excesso – outra contribuição relevante da inovação para a execução estratégica. “A Oxigênio nos aproxima de ideias novas, o que acaba servindo como uma provocação para a organização. Estamos nos aproximando da evolução que as startups trazem e não há limites para o que virá”, afirma o executivo.
O agronegócio precisa passar da gestão por feeling à gestão que inclua inovação
Antes de partir para iniciativas como essa, a Porto Seguro fez a lição de casa que a sensatez manda: melhorou a gestão interna, deu liberdade para os profissionais executarem as estratégias e aumentou o foco de todos em criar serviços que sejam realmente úteis para as pessoas em seu dia a dia, ligando clientes, inovação e estratégia de crescimento.
“Realmente utilizamos a satisfação dos clientes como um importante termômetro de nossa atuação”, comenta Luchetti.
Um setor que não inova
A cultura de soja gera de R$ 1.500 a R$ 2.000 por hectare ao ano; a pecuária tradicional, em torno de R$ 700. E a pecuária neutra? Esta tem resultado de R$ 3.000 a R$ 4.000 por hectare ao ano.
A pecuária neutra é uma inovação cinco vezes mais rentável que sua versão “padrão” e, de quebra, ainda ajuda a resolver um dos principais problemas ambientais do mundo: a emissão de gás metano pelo rebanho, que contribui para o efeito estufa.
Os pecuaristas brasileiros têm a possibilidade de adotá-la e, mesmo assim, o negócio atraiu até agora menos de 5% deles – um exemplo perfeito de como a inovação ainda é subestimada na pecuária.
A Fazenda Triqueda, sediada na região de Coronel Pacheco (MG), foi uma das poucas que implementaram a pecuária neutra em metano entérico no Brasil, oito anos atrás. Para seu sócio, Leonardo Resende, foram os talentos da empresa de pecuária que levaram a essa decisão, fazendo a diferença entre inovar e rejeitar a inovação. Segundo ele, o setor precisa evoluir da “gestão por feeling” para uma gestão completa, que acrescente marketing, finanças, planejamento e inovação à operação diária, a qual já é avançada.
Só agora o agribusiness brasileiro – a pecuária em particular– começa a sair de discussões puramente técnicas de cultivo e manejo para ter uma visão mais ampla do negócio, avalia Miguel Cavalcanti, CEO da Beefpoint, empresa de informações e cursos ligados à atividade. “Prova disso é que, nos eventos do setor, mais de 95% do conteúdo ainda é técnico; quase ninguém fala ainda de gestão, de inovação. Há muita carência nesse sentido”, diz.
Miguel Cavalcanti, da Beefpoint, que diz que os negócios da pecuária são muito tradicionais e resistem à inovação;
Ao abordar a inovação e a gestão, a Triqueda produz entre R$ 3.000 e R$ 4.000 por hectare ao ano, cinco vezes mais que a média, pois combina dois produtos no mesmo hectare – carne e madeira –, integrados. E, além de neutralizar o impacto ambiental, gera outros ganhos, como o bem-estar do animal por meio do maior conforto térmico, a diminuição da temperatura no sistema em geral, o aumento da produtividade, a conservação do solo e a redução da pressão nas matas nativas.
As 250 árvores plantadas por hectare são capazes de neutralizar cerca de 1.220 toneladas de CO2 equivalente por ano, enquanto o rebanho emite por volta de 830 toneladas. A taxa de retorno também impressiona: a do sistema silvipastoril é de 25% ao ano, ante 2,55% da média das fazendas pesquisadas pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq, escola de agronomia da Universidade de São Paulo.
“Somos um dos poucos lugares do mundo em que o agronegócio de modo geral pode se beneficiar das novas regras da economia de baixo carbono. Nosso potencial natural faz com que tenhamos mais a ganhar com a sustentabilidade do que os países temperados”, pontua Resende, referindo-se às Convenções do Clima da Organização das Nações Unidas.
Com a carne de qualidade em preço competitivo e amiga do meio ambiente, a única coisa que pode separar a estratégia inovadora da execução bem-sucedida é a comunicação, já que os impactos ambientais nem sempre são bem transmitidos ao consumidor. Será preciso também inovar em marketing, portanto. Como explica Cavalcanti, o marketing do agronegócio ainda é muito focado em vender as qualidades do produto, algo que já não tem tanto apelo com o consumidor. “Vejo uma grande oportunidade de mostrar na prática o benefício que o cliente vai ter ao consumir um produto sustentável. É preciso conseguir isso da maneira adequada”, afirma.
Para o CEO da Beefpoint, muitas das inovações que poderiam ser aplicadas à pecuária não o são por causa da comunicação falha e também da existência de lideranças ultrapassadas em muitas empresas do setor.
A esperança de Cavalcanti é que, como a maioria das empresas do agronegócio é familiar, quando as novas gerações, mais abertas às inovações, as assumirem, o quadro melhore. “Para que iniciativas como a pecuária neutra alcancem maior parcela do mercado, temos uma necessidade enorme de que a nova geração se capacite, desenvolvendo mais habilidades e competências”, observa ele.
Em suas projeções, o respeito do agronegócio ao meio ambiente será uma exigência de todo o mercado em cinco ou dez anos, não só uma causa de militantes. Resende, da Triqueda, concorda: “Daqui a pouco, o produto que não tiver trabalho ambiental será excluído do universo que o consumidor deseja comprar, ou ao menos marginalizado”.
Impacto social ao inovar
Para Costa, do Insper, a estratégia executada com inovação regular – em especial, uma que cause impacto social – é o caminho para o sucesso. “As empresas precisam começar a se enxergar assim, e não só como um conjunto de recursos, metas e indicadores”, finaliza ela.