A teoria conhecida como moneyball revolucionou o beisebol no começo deste milênio e foi registrada em filme. Nele, o treinador vivido por Brad Pitt usava análises de dados dos jogadores para identificar seus reais talentos e antecipar o respectivo desempenho. Isso possibilitou que sua equipe comprasse atletas que estavam subvalorizados no mercado e vendesse os sobrevalorizados, levando times menores, como o seu, a competir de igual para igual com os grandes.

O futebol brasileiro ainda não descobriu a teoria, mas nossas empresas, sim. Elas vêm percebendo que a análise de informações sobre seus colaboradores pode fazer com elas o mesmo que a teoria do moneyball fez com o beisebol. Começamos a entrar na era do people analytics –mais uma expressão em inglês para memorizar.

“Quando utilizamos dados para entender quais comportamentos no local de trabalho tornam as pessoas mais eficientes, felizes, criativas, líderes, seguidoras, pioneiras, especialistas, estamos fazendo people analytics”, explica Ben Waber, pesquisador do MIT Media Lab e autor do livro People Analytics: How Social Sensing Technology Will Transform Business and What It Tells Us about the Future of Work.

Deli Matsuo, da Appus, uma das empresas pioneiras de people analytics no Brasil
Deli Matsuo, da Appus, uma das empresas pioneiras de people analytics no Brasil

“O people analytics é a expansão da fronteira da ciência e tecnologia para a área de gestão de pessoas”, acrescenta Deli Matsuo, CEO da Appus, uma das empresas pioneiras do Brasil na aplicação de análise tecnológica a recursos humanos. Ele prevê que, mais cedo ou mais tarde, todas as empresas acabarão investindo em people analytics, já que as pessoas são o recurso mais importante e caro que elas possuem.

A explosão dos dados acessíveis sobre comportamento no trabalho é o catalisador da revolução que o people analytics promete. Eles podem vir de uma ampla variedade de fontes –a princípio, tanto digitais como físicas.

Na atual fase, predominam os dados de fontes digitais, como registros de e-mails, históricos de navegação na internet, mensagens instantâneas, a linguagem adotada nas redes sociais online etc.

Os dados digitais também podem ser induzidos: uma companhia do Vale do Silício chamada Knack pede a seus funcionários que joguem videogames (como Dungeon Scrawl e Wasabi Waiter) para acessar traços como persistência, criatividade e habilidade para aprender rapidamente com os erros.

Quanto aos dados do mundo físico, eles serão obtidos futuramente graças ao desenvolvimento de tecnologias sensíveis ao uso –presentes nos telefones celulares, nos crachás corporativos ou nos sensores de ambiente.

O fato é que, quando são feitas relações dentro de uma massa gigantesca de dados –independentemente da origem–, torna-se possível descobrir quem se comunica com quem, de que maneira o uso das tecnologias de informação influi na produtividade, se existem estilos de trabalho que não são bem apoiados pela atual tecnologia etc. As oportunidades de avanços vindas dessas descobertas são imensas.

“E, quando conseguirmos combinar dados dos mundos real e virtual, então, entenderemos o comportamento das pessoas de uma organização em uma escala inimaginável”, afirma Waber.

Organizações como Xerox, AT&T, Goldman Sachs e Bank of America, além do pioneiro Google, já estão utilizando o people analytics, especialmente na melhoria dos processos de trabalho e no recrutamento de pessoas.

Onde tudo começou

Foi o Google que desenvolveu pioneiramente o people analytics. Matsuo, que foi diretor de recursos humanos para a América Latina da empresa, entre 2006 e 2010, afirma que no início o foco principal do uso do people analytics era aumentar a eficiência da equipe de recrutamento, sem ter de contratar mais gente para essa área. “O Google começou a desenvolver tecnologia de análise automatizada para poder fazer uma previsão de quais seriam os candidatos mais viáveis no processo seletivo utilizado.”

Depois de desenvolver uma primeira tecnologia para análise de recrutamento, foi criada uma que media quanto o colaborador estava engajado na empresa. “O Google usou o people analytics para se proteger. Verificou os fatores que aumentavam a chance de um funcionário ficar no Google, já que sempre há organizações tentando contratar seus colaboradores, e investiu nisso”, lembra Matsuo.

Na avaliação de John Sullivan, professor da San Francisco State University e especialista em gestão de recursos humanos, a experiência do Google mostra que o people analytics possibilita definir as características das melhores lideranças e o melhor papel dos gestores.

Por exemplo, a massa de dados já provou que, para ser um líder bem-sucedido no Google, o indivíduo deve, mais do que demonstrar conhecimento técnico superior, oferecer treinamentos e coachings periódicos e individuais a seus colaboradores, o que significa expressar um real interesse por eles e dar frequentes feedbacks personalizados.

O desenvolvimento de um algoritmo para retenção dos profissionais é outro uso do people analytics no Google que Sullivan destaca. Por meio dele, a empresa tem conseguido prever com sucesso e de maneira proativa quais colaboradores estão mais propensos a deixar a organização –e evitar que isso aconteça.

 “O algoritmo tem permitido ao Google agir antes que seja tarde demais e também criar soluções e propostas de retenção personalizadas”, diz Sullivan.

Segundo o professor, os bons resultados obtidos pela equipe de people analytics do Google vêm principalmente da força científica dos dados e das ações que propõem. “Em geral, os executivos são racionais e isso é o tipo de coisa que os influencia.” 

O que é exatamente

A ciência por trás de todos os analytics é fácil de entender. Algoritmos (receitas que mostram, passo a passo, os procedimentos necessários para o cumprimento de uma tarefa) são usados em enormes bases de dados e revelam quais variáveis têm alto impacto naquilo que se está analisando.

No caso da brasileira Appus, por exemplo, os algoritmos que fazem as análises constituem-se de uma plataforma geral, com um dos módulos sempre customizado para o tipo de indústria. Para Steven Pearlstein, analista de economia e negócios do The Washington Post que se dedica ao tema, diferentes setores de atividade exigem, de fato, diferentes usos do people analytics.

Os profissionais que desenvolvem os algoritmos costumam ter uma variedade de expertises; podem ser desde estatísticos, economistas e engenheiros até neurocientistas, psicólogos e antropólogos. Na Appus, a equipe multidisciplinar é formada por doutores e mestres em economia, estatística e engenharia de software, entre outras áreas.

Como estão usando

Matsuo, da Appus, afirma que o people analytics permite analisar desde algo amplo como a eficiência de uma unidade de negócios até um detalhe como o tipo de comportamento que implica maior probabilidade de a empresa sofrer uma ação trabalhista.

“Conseguimos identificar quanto aumenta o risco trabalhista da empresa que troca a jornada de trabalho de um colaborador do turno matutino para o noturno ou daquela que substitui um gerente mais de duas vezes por ano”, diz ele.

Sãos várias as possibilidades de uso para o people analytics, mas a maioria das empresas ainda está utilizando a ferramenta para melhorar decisões tomadas, para identificar talentos e para gerar ganhos de produtividade –superando as decisões que eram baseadas em preconceitos ou vieses.

Talentos

Especialista em big data, a empresa norte-americana Evolv tem ajudado muitas organizações a usar a ferramenta para selecionar os melhores talentos para postos de vendedores e de atendimento ao consumidor, desbancando uma série de pressupostos com que o RH trabalhava.

Por exemplo, o departamento de RH não contrataria um criminoso condenado, um trabalhador que muda frequentemente de emprego ou alguém que não tem bom desempenho nos testes de inteligência. Também ficaria na dúvida em chamar recém-desempregados ou quem está há muito tempo fora do mercado de trabalho.

Com as estatísticas, contudo, a Evolv descobriu que nada disso tem correlação com o desempenho de um profissional ou com seu comprometimento.

Os dados realmente úteis são bem distintos: quanto tempo a pessoa gasta no percurso entre sua casa e o trabalho? Ela usa no computador o browser que vem instalado de fábrica ou baixa um alternativo, como o Firefox ou o Chrome? Com que frequência ela acessa as redes sociais?

Na área de vendas, especificamente, a Evolv descobriu que a criatividade é um indicador de sucesso melhor do que a capacidade de convencimento, enquanto nos call centers o relacionamento com os clientes supera a persuasão.

Produtividade

Várias empresas estão utilizando o people analytics para entender o que pode gerar ganhos na produtividade do trabalho e tomar medidas adequadas.

O Bank of America analisou as operações de seu call center para entender a relação entre o modo de os funcionários fazerem pausas para descanso e sua atuação. Mudou-o e, assim, reduziu a rotatividade e melhorou o desempenho geral.

Já a Cubist Pharmaceuticals estudou, com o analytics, o hábito de os funcionários tomarem café durante o expediente. Ela aprendeu que as máquinas de café estavam muito espalhadas pelo escritório, o que reduzia as interações entre eles. Concentrou-as em áreas de convivência centrais e viu melhorar o desempenho, particularmente dos vendedores.

No Brasil, os primeiros usos do people analytics também denotam o foco no ganho de produtividade.

Riscos

Pearlstein diz que, apesar de neutralizar preconceitos e distorções, o lado obscuro do people analytics é o de produzir empresas com forças de trabalho muito homogêneas.

“Isso pode ser um problema em atividades que exigem trabalho em equipe e colaboração em tarefas que demandam criatividade e discernimento; reunir profissionais com os mesmos traços de personalidade e os mesmos pontos fortes e fracos tende a levar ao fracasso”, afirma, lembrando que a inovação costuma surgir de uma não planejada diversidade de talentos, experiências, visões de mundo e personalidades.

Para Matsuo, o fato de o Google usar o people analytics em sua gestão de RH e ser reconhecido por sua diversidade e inovação prova que a ferramenta não cria esse problema necessariamente; basta que seja usada do modo correto.

Segundo o executivo da Appus, o risco de homogeneização vem mesmo do uso equivocado da tecnologia pelos diretores e gerentes de recursos humanos. “Os gestores de RH ainda têm dificuldade de utilizar a tecnologia”, observa.

Para Tomas Chamorro-Premuzic, professor do University College London, o maior risco existente no uso do analytics no RH é o do gerenciamento errado. Ele reconhece que a tecnologia facilita a coleta de informações valiosas sobre o comportamento e o desempenho dos colaboradores, mas teme pelo que os executivos podem fazer com ela.

“Os gestores podem muito bem interpretar incorretamente os dados ou falhar na adoção das ações mais apropriadas”, argumenta. Segundo ele, a razão por trás disso é que os computadores são racionais demais para os irracionais seres humanos. “A má gestão é a principal razão para as pessoas pedirem demissão e não é sensato esperar que a tecnologia sozinha salve as empresas nesse aspecto.”

Um terceiro risco, este externado por Waber, diz respeito à ameaça que o uso dessas informações pode representar para a privacidade dos colaboradores. “É extremamente importante utilizar tecnologias de proteção de dados sobre uma base opt-in [mecanismo em que o usuário da tecnologia digital aceita o compartilhamento de seus dados pessoais sob certas circunstâncias], com o entendimento de que os participantes serão anônimos e nenhum dado individual será disseminado.”

Para Waber, se essa abordagem correta não for utilizada, a tecnologia jamais ganhará ampla aceitação.

Promessas

No futuro, o conhecimento gerado pelo uso do people analytics servirá para criar novas formas de organizar as pessoas e melhorar radicalmente o modo de trabalhar, prevê Waber, com base em suas pesquisas no MIT.

Partindo de sua experiência prática com empresas brasileiras, Matsuo também vê grande espaço para o people analytics avançar em nosso mercado, onde o departamento de RH tem sido, em muitos casos, incapaz de entregar uma gestão de pessoas eficiente.

“Existe, no Brasil, uma clara demanda por um RH mais eficiente e profissional na gestão das pessoas”, afirma Matsuo. “Com o apoio do people analytics, muitos dos gestores de RH atualmente pressionados por isso conseguirão finalmente encontrar as melhores métricas e utilizá-las da melhor maneira possível.”

O analytics no Google 

Em depoimento exclusivo a HSM Management, Tina Malm, gerente de people analytics do Google, revela a amplitude do uso da ferramenta

No Google, o people analytics apoia as decisões tomadas em todas as etapas do ciclo de um funcionário em uma empresa: recrutamento, desenvolvimento e retenção. Eis alguns exemplos de como isso funciona:

Recrutamento. No começo dos anos 2000, o candidato a uma vaga no Google poderia ser submetido a uma dúzia de entrevistas. Mas, com análise, descobrimos que, após quatro entrevistas, era de 86% a chance de o conhecimento acumulado pelos entrevistadores levar à decisão certa –as entrevistas adicionais aumentavam em apenas 1% essa probabilidade. Hoje, o recrutamento das equipes não técnicas é feito com quatro entrevistas e das técnicas, com cinco.

Desenvolvimento. Em 2011, o quadro de funcionários do Google cresceu mais de 30% e, para aumentar em curto prazo a produtividade dos novos profissionais, os nooglers, foram feitos experimentos. Um deles consistiu em separar os nooglers em dois grupos e enviar um e-mail com dicas sobre como ser proativo na fase de integração a apenas um. O grupo que recebeu a mensagem se integrou de forma muito mais rápida e, atualmente, todo novo colaborador do Google a recebe.

*Retenção. *Após abrangentes pesquisas internas, o Google descobriu que os funcionários sob o comando de gestores com excepcionais competências de liderança eram mais felizes, mais colaborativos, permaneciam mais tempo na empresa e tinham desempenho superior quando comparados com aqueles liderados por gestores mal avaliados. Para descobrir exatamente o que esses bons líderes faziam, contudo, analisou dados existentes, como pesquisas de feedback, e entrevistou-os, identificando comportamentos que os distinguiam dos demais, como coaching, empoderamento das equipes e interesse pelo bem-estar dos colaboradores. Esses comportamentos foram compartilhados com líderes de toda a empresa, para que os adotassem, e feedbacks de baixo para cima passaram a ser feitos semestralmente a fim de monitorar isso. Agora, e-mails just-in-time são enviados para os novos gestores dando-lhes conselhos quando necessitam e oferecendo-lhes cursos e treinamentos para incorporar esses comportamentos específicos.

Versatilidade

A primeira chave no uso do people analytics é definir o problema a ser solucionado. Por exemplo, se o objetivo é evitar a homogeneização de funcionários, pode-se usar o analytics para descobrir se o atual processo de contratação está levando a isso –talvez os entrevistadores só selecionem pessoas iguais a eles.

No Google, sabemos, por meio de pesquisas externas, que entrevistas mal planejadas levam a más decisões. Quando não definimos antes o que são a boa e a má resposta, um viés inconsciente do entrevistador pode dominar o processo de decisão. O analytics tem ajudado o Google a reduzir essas distorções e a construir entrevistas estruturadas, em que todos os candidatos respondam às mesmas perguntas, permitindo estabelecer a boa e a má resposta. Além disso, o Google desenvolveu um workshop para prevenir vieses –Unconscious Bias @ Work–, do qual mais de 26 mil funcionários já participaram.

Limites do analytics

No Google ainda não atingimos os limites do uso do analytics, mas vemos desafios a enfrentar. Dados interessantes sobre os colaboradores não faltam, sobre satisfação, rotatividade etc. Mas, antes de iniciar qualquer análise, nossa equipe tem de ir além do “interessante” e perguntar-se sobre como os dados podem contribuir para fazer mudanças. Se não houver uma resposta, talvez seja preciso reformular a pergunta ou desistir da análise.

Percebemos que muitas organizações consideram o analytics um relatório funcional, mas essa abordagem subestima as contribuições da ferramenta. É essencial que o people analytics permaneça com um propósito objetivo, não ligado a nenhuma equipe em particular.

Também vale mencionar que, como análises e estatísticas podem ser usadas incorretamente com certa facilidade, é necessário garantir que os analistas não tenham nenhum interesse na decisão a ser tomada. Tomamos esse cuidado no Google.

Influenciar com dados é uma experiência agradável em uma cultura que valoriza dados e objetividade. Acreditamos que líderes abertos a aceitar os dados e as análises –principalmente quando estes contrariam suas opiniões– levarão as organizações a expandir as capacidades dos que trabalham com o people analytics.