Para ajudar as empresas a criar conhecimento de forma mais consciente, o autor de Managing Flow mergulha nas tradições filosóficas do Ocidente e do Oriente, como explica a consultora Sally Helgesen
“No ato da criação, as pessoas discutem. Têm diálogos acalorados. Irritam-se! Sem uma verdadeira troca, não se pode gerar conhecimento. Porque é uma atividade humana.” Quem diz isso é o especialista em negócios Ikujiro Nonaka, sediado em Tóquio. Ele é coautor, com os pesquisadores Ryoko Toyama e Toru Hirata, do livro Managing Flow: a Process Theory of the Knowledge-Based Firm (ed. Palgrave MacMillan). A obra mostra como as empresas japonesas com resultados consistentemente superiores desenvolvem produtos e serviços inovadores domando o poder da criação do conhecimento.
Nonaka revela as dinâmicas subjacentes ao desenvolvimento de conhecimento em várias organizações. Um exemplo é a prática da indústria farmacêutica Eisai de enviar seus pesquisadores para trabalhar no atendimento a pessoas idosas nos hospitais, para observar de perto a forma como os pacientes usam os remédios.
Em Managing Flow, o especialista resume e extrapola um trabalho que pode mudar a visão predominante sobre gestão do conhecimento na maioria das empresas, de um braço da tecnologia da informação para algo que capacita as pessoas ao aprendizado profundo. Aos 73 anos de idade, Nonaka desenvolve seu trabalho há mais de 40. No Japão, onde é professor emérito da Hitotsubashi University, em Tóquio, é reconhecido como o pesquisador mais importante do país na área de gestão. Entre outros cargos, é professor visitante da University of California em Berkeley e recebeu o título “Acadêmico Drucker em Residência” (em homenagem a Peter Drucker) da Claremont Graduate University, em Los Angeles.
Para David Teece, diretor do Institute of Management, Innovation, and Organization, da Haas School of Business, de Berkeley, a figura com quem Nonaka mais poderia ser comparado é o próprio Drucker. “Ambos integraram o conhecimento de muitas disciplinas e de início realizaram uma série de entrevistas com gestores reais falando sobre problemas reais, o que fez com que suas teorias tivessem base no mundo real.”
Nonaka começou a chamar a atenção da área de gestão dos Estados Unidos pela primeira vez em 1986, com um artigo publicado na Harvard Business Review intitulado The new new product development game, em coautoria com Hirotaka Takeuchi, hoje diretor da Graduate School of International Corporate Strategy, da Hitotsubashi University, e professor visitante da Harvard Business School. Depois desse artigo, no qual Nonaka explorou pela primeira vez o tema da criação de conhecimento organizacional, veio outro, em 1991, também com Takeuchi, chamado The knowledge-creating company. Seu livro de 1995, The Knowledge-Creating Company: How Japanese Companies Create the Dynamics of Innovation (ed. Oxford University Press), apresentou uma teoria abrangente sobre a capacidade de desenvolvimento intelectual coletivo.
“Jiro é simplesmente o ‘pai’ da gestão do conhecimento”, afirma Takeuchi. “Suas pesquisas nos últimos 20 anos abriram um campo novo e estabeleceram as premissas de como as melhores organizações entendem o capital humano hoje.” Embora Nonaka mencione principalmente empresas japonesas em seus estudos, diz Takeuchi, “o modelo proposto por ele é universal. É por isso que ele é o único asiático na lista do jornal norte-americano The Wall Street Journal [publicada em maio de 2008] dos 20 pensadores mais influentes do mundo dos negócios”.
O outro lado do conhecimento
O ponto de vista de Nonaka, entretanto, também vai no sentido contrário da prática corporativa convencional. A maior parte das empresas aloca a gestão do conhecimento em seu departamento de tecnologia da informação (TI), que se concentra em reunir as melhores práticas que possam ser registradas, armazenadas, indexadas e acessadas da forma mais eficiente possível. Nonaka vê todos esses dados de gestão como um aspecto menor, quase incidental, da capacidade de desenvolvimento que leva ao sucesso da organização.
“Empresas e líderes que tratam a gestão do conhecimento como um braço de TI não compreendem como as pessoas aprendem e criam”, explica ele. Diferentemente do que ocorre com a terra, o capital, a energia, o trabalho e a tecnologia, o conhecimento é autorrenovável por natureza. “É produzido e consumido simultaneamente. Seu valor aumenta com o uso, ao contrário do que acontece com os bens industriais e as commodities. Acima de tudo, trata-se de um recurso criado por pessoas, no relacionamento de umas com as outras.”
Na verdade, o conceito de empresa criadora de conhecimento de Nonaka lembra o tipo de comunidade em que prevalece a generosidade, onde as pessoas se sentem reconhecidas como indivíduos únicos e onde a comunicação informal e sincera é normal. Quando os designers de sistemas de gestão do conhecimento não conseguem compreender isso –quando tratam (conscientemente ou não) as pessoas como partes permutáveis, que recebem e processam informações–, seus sistemas de alta tecnologia e custo elevado acabam sendo ignorados. É por isso que tantas empresas no mundo já investiram o equivalente a centenas de milhares de dólares em sistemas de gestão do conhecimento sem conseguir resultados inovadores.
Uma vez que qualquer busca rápida no Google das expressões “gestão do conhecimento” e “gestão do capital humano” remete quase exclusivamente a referências de TI, as correções de Nonaka são muito úteis. À medida que mais organizações reconhecem que o capital humano é seu principal recurso, o conceito de empresa criadora de conhecimento se torna particularmente relevante. Esse tipo de organização cultiva o conhecimento tácito e o controla deliberadamente, muitas vezes tornando-o explícito. O conhecimento tácito é um componente-chave da inovação. Inclui o conhecimento não falado que as pessoas levam consigo: observações, hábitos, inspirações, palpites e outras formas de consciência que geralmente não são escritas ou codificadas, mas vivem na mente e no corpo dos indivíduos e conferem às organizações muito de sua vantagem sobre os concorrentes.
Nonaka observa que esses processos florescem em empresas cujos líderes incorporam o conhecimento tácito e explícito no próprio comportamento. Esses “artesãos virtuosos”, como ele os chama, também existem na cultura ocidental, remontando à exploração de Aristóteles da ideia de phronesis. Geralmente traduzida como “sabedoria prática”, phronesis é uma espécie de ética pragmática típica de quem consegue captar a essência de uma situação e responder a ela com avaliações criativas no momento adequado.
Levando o BA às empresas
Nonaka Sensei (como os estudantes e os colegas o chamam, usando o honorífico japonês para professor) é um homem pequeno, tranquilo e reticente, mas cheio de calor humano e de senso de humor jovial, revelado no sotaque carregado. É apaixonado pelo debate e está sempre ansioso para se envolver na troca espontânea de ideias que defende em seus livros e artigos.
Esse entusiasmo ficou claro em agosto de 2008, em Oahu, Havaí, quando Ikujiro Nonaka dissertou sobre o desenrolar de seu trabalho e disse a seus entrevistadores que estavam desenvolvendo um “ba”, termo japonês que define um campo ou espaço no qual as pessoas compartilham o que sabem, livre e abertamente, com o objetivo de criar algo.
O ba lembra o conceito de “fluxo” estabelecido pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi: trata-se do estado mental que envolve o indivíduo que está plenamente imerso no que está fazendo. Mas, diferentemente desse fluir, o ba nunca é solitário: só existe entre duas ou mais pessoas. Como Nonaka diz, “no ba não há você e eu, apenas nós, partilhando uma relação aqui e agora”. O ba pode ocorrer em um trabalho em grupo, em uma equipe de projeto, em uma reunião, em e-mails ou na linha de frente, no contato com os consumidores.
“Em última análise, é uma questão de propósito. Por que existimos? Na maioria das organizações, as pessoas não são estimuladas a fazer perguntas”, destaca Nonaka. Em resultado, diz, elas se resignam a viver com dificuldades que, na verdade, poderiam resolver se tivessem “uma forma de enquadrar seu conhecimento em uma solução mais ampla”.
Muitos líderes que participaram do movimento pela qualidade observaram a dificuldade que as empresas ocidentais enfrentaram em adotar o conceito de ba na prática do cotidiano. Nonaka acredita que o problema tem raízes na tradição científica que predomina no Ocidente desde o Iluminismo. Os ocidentais geralmente valorizam mais o conhecimento explícito ou teórico, que Aristóteles denominou episteme, do que o conhecimento incorporado ou tácito, techné.
A episteme pode ser transmitida em uma sessão de treinamento ou absorvida intelectualmente. A techné, por sua vez, existe subjetivamente, ou mesmo de maneira subliminar, na consciência. Segundo Nonaka, esse tipo de conhecimento não pode ser 100% codificado, universalizado ou medido cientificamente, porque é inseparável do ser humano que o possui. Deve ser transmitido por meio de uma relação informal de mestre e aprendiz ou pela orientação um a um: “Como você faz isso?”, “Deixe-me mostrar a você”.
Em muitas empresas, as pessoas partem do pressuposto de que o conhecimento explícito é mais confiável e preciso –um modo de pensar que remonta, pelo menos, à era da administração científica. Quando um executivo diz “Vamos direto aos números”, está reafirmando sua preferência pela episteme.
Organizações que favorecem o conhecimento explícito em vez do tácito limitam sua capacidade, contudo, e de muitas formas. Elas definem competência como a capacidade de obter números elevados nas métricas escolhidas, e não a de ser bem-sucedido no mundo real das empresas. Assim, podem promover líderes que não compreendem plenamente as sutilezas do negócio. Essas empresas também promovem uma visão de que as capacidades das pessoas são estáticas e, assim, deixam de investir no desenvolvimento de talentos. Por fim, esbarram nos sistemas de gestão do conhecimento baseados em TI, que restringem, em vez de estimular, a comunicação entre os funcionários.
Para Nonaka, a ideia de phronesis, ou “sabedoria prática”, representa um antídoto potencial. Se a techné é o “saber como fazer” e a episteme “saber por que fazer”, a phronesis é “saber o que se deve fazer”. Para isso, é necessário compreender a existência da organização no mundo: seu propósito, sua razão de ser. Mais do que isso, para que uma empresa seja resiliente e também capaz de criar conhecimento, a phronesis tem de ser amplamente distribuída. O líder que segue essa orientação mobiliza a avaliação no momento adequado, feita pelos outros, ao desenvolver uma cultura forte, sustentada e apoiada por conexões informais.
Subjetividade incluída
Em Managing Flow, Nonaka e seus colegas traçam o caminho para a criação de conhecimento em detalhe. As empresas apresentadas no livro seguem um curso em espiral, com quatro estágios:
• Socialização: envolve mobilizar as pessoas para uma comunicação cara a cara e colocá-las em experiências compartilhadas que ajudem a desenvolver empatia com os consumidores. Quando estava desenvolvendo o modelo Fit, a Honda enviou equipes a várias cidades europeias famosas para experimentar a vida urbana local. Carregar o carro com as compras de supermercado, incluindo garrafas de vinho, em um estacionamento sob pesada neve deu aos integrantes do grupo maior percepção sobre o consumidor do que qualquer pesquisa objetiva poderia oferecer.
• Externalização: implica a tradução da experiência tácita em palavras e imagens que possam ser partilhadas com um grupo mais amplo. Metáforas podem ser muito eficazes para transmitir a sensação da experiência no local de trabalho. Uma equipe de desenvolvimento de produtos da Matsushita Electric, responsável por construir uma secadora de roupas de alta velocidade que operasse por força centrífuga, empregou processo de fritura na tradicional panela wok chinesa como metáfora do movimento rápido que faria um cilindro rotatório eficiente.
• Combinação: é a tradução do conhecimento tácito em formas explícitas que possam ser disseminadas por toda a organização. Thomas Ueno, sócio de uma empresa de contabilidade, usa essa parte da espiral para encorajar as pessoas a “pensar em grandes coisas fora de nosso controle, como mercados, política e ambiente regulatório. Quanto mais conseguirmos conectar [nosso conhecimento tácito] com os desafios do dia a dia, maior a vantagem competitiva que teremos”.
• Internalização: trata-se da reincorporação do conhecimento explícito na prática diária. Isso significa retornar ao campo do tácito, mas com a consciência das questões mais amplas e mais complexas. Na Eisai, os funcionários que observaram pacientes idosos no hospital voltaram à empresa e falaram com as equipes de projeto, explorando como as novas percepções adquiridas poderiam redefinir suas práticas de pesquisa e desenvolvimento. Com o tempo, as observações foram incorporadas ao inconsciente da organização.
Esses estágios se reforçam mutuamente. Nonaka cita Katsuaki Watanabe, presidente da Toyota, ao dizer que “é a síntese dinâmica contínua da experiência real e da especialização abstrata [conhecimento tácito e conhecimento explícito, respectivamente] que permite a uma organização sustentar a inovação”.
Esse caminho em espiral é um dos muitos imperativos propostos por Nonaka às organizações que buscam se aperfeiçoar na criação de conhecimento. Outro é cultivar o ba ao alocar tempo e espaço para que as pessoas se conheçam mais profundamente por meio de conversas. Ele também sugere que as empresas mapeiem assiduamente as fontes importantes de conhecimento que lhes permitem criar valor no mercado. Isso inclui diferentes tipos de ativos de conhecimento:
• experiencial, como as habilidades e os relacionamentos das pessoas;
• processual, como os procedimentos que fazem parte das operações diárias;
• conceitual, como o design de produtos e a marca; e
• sistêmico, como patentes, licenças, propriedade intelectual e bancos de dados.
Identificar esses ativos faz com que a organização possa coordenar de forma mais eficaz seus recursos, a serviço do objetivo de levar algo novo ao mundo.
Segundo Nonaka, à medida que as empresas se tornarem mais qualificadas na criação de conhecimento, elas conduzirão consumidores, fornecedores, concorrentes, parceiros educacionais e comunidades a esse processo. Ao mesmo tempo, os líderes corporativos devem decidir que grau de autonomia será dado aos funcionários, equilibrando as necessidades de flexibilidade e de controle.
É claro que nem todas as organizações no Japão são paradigma de criação de conhecimento. No entanto, os exemplos que Nonaka utiliza em seus livros demonstram que os japoneses estão no caminho certo. O Japão se tornou uma espécie de consciência de gestão do resto do mundo e, por meio de suas melhores empresas, um modelo de conquistas superiores.
A grande contribuição de Nonaka foi oferecer uma forma de canalizar a criatividade para a inovação e gerar um método para levá-la adiante. O gestor que possuir a sabedoria prática da phronesis e for capaz de integrar o poder analítico da episteme com a poesia e a técnica da techné alcançará resultados extraordinários, ao mesmo tempo que ajudará a tornar a organização mais completa.