Adriana Machado, vice-presidente de assuntos governamentais e políticas públicas da General Electric para a América Latina, que foi a capa da revista HSM Management 109, distribuída em março, não teve barreiras externas significativas para chegar aonde chegou. Sua ascensão foi, em parte, resultado das práticas globais da GE de oferecer oportunidades de desenvolvimento para todos os seus profissionais, independentemente do gênero e até do nível hierárquico.  

O líder ao qual ela responde, Reinaldo Garcia, presidente e CEO da GE para a região, combate a discriminação e apoia a carreira dos membros de sua equipe. O que mais poderia impedi-la de trilhar esse caminho, portanto, seriam barreiras internas. “Às vezes falta autoconfiança às mulheres, o que é alimentado pela internalização de mensagens negativas sobre nós, como diz Sheryl Sandberg no livro Lean In”, afirma Machado. 

Trata-se da mesma descoberta feita pela jornalista Claire Shipman no livro The Confidence Code. Segundo ela, isso sabota a ascensão profissional mais até do que a ausência de flexibilidade para atuar como mãe, e as causas são, segundo pesquisas recentes, sobretudo biológicas. E é possível minimizar, de maneira estruturada, a falta de confiança das mulheres em um mercado de trabalho considerado machista, como o brasileiro? A resposta, segundo esta reportagem, é sim.

Raquel Alvarenga, diretora de recursos humanos da Bacardi para a América Latina
Raquel Alvarenga, diretora de recursos humanos da Bacardi para a América Latina

O que o RH pode fazer

Raquel Alvarenga, diretora de recursos humanos da Bacardi, e Juliana Alvarez, gerente da empresa de recrutamento Michael Page, especializada em executivos para média e alta gerência, concordam que, assim como as profissionais, os departamentos de RH podem ter foco e esforço contínuos para melhorar esse quadro. 

Ao RH cabe, segundo Alvarenga, estimular e até facilitar um nível de preparo de suas profissionais que lhes aumente a confiança, proporcionando a aquisição de habilidades funcionais que combinem com o perfil de cada gestora. O RH também pode ajudar as colaboradoras a desenvolver a capacidade de se relacionar nos mais diferentes níveis da organização, além de valorizar ostensivamente tal capacidade –deve ser percebida, pelas próprias mulheres, como uma vantagem competitiva.

O RH ainda deve levar as mulheres a perceber outra vantagem que naturalmente têm, na opinião de Alvarez: o fato de seu pensamento passar pela emoção e não só pela razão. A valorização pública disso é crucial. 

Programas de incentivo à diversidade tendem a, formalmente, incluir iniciativas assim, mas nem sempre elas são para valer na vida real, como observa a psicanalista Sandra Stall Bueno.

“Muitas empresas anunciam programas de incentivo às mulheres e, quando uma funcionária fica grávida, ela passa a ser vista como um problema ali”, analisa Bueno, que é coordenadora do Programa Mais Criança do Grupo Boticário.

A área de RH do Boticário é um bom exemplo a seguir. Trata-se de um dos poucos grupos empresariais do Brasil que mantêm assistência ampla à gravidez, parto e cuidados às gestantes, puérperas e mães de filhos com necessidades especiais –mesmo em tempos de cortes de custos.

Adriana Machado, executiva da GE, que foi capa da revista HSM Management
Adriana Machado, executiva da GE, que foi capa da revista HSM Management

Posicionar-se nos fóruns masculinos com assertividade ajuda a construir a autoconfiança

O que as mulheres podem fazer

Investir na aquisição de habilidades, mudar de atitude e desenvolver o autoconhecimento são o tripé essencial para uma virada na autoconfiança feminina, segundo as especialistas ouvidas nesta reportagem.

Quanto às habilidades, a recomendação é que elas tenham dedicação e persistência, bem como saibam escolher as que mais combinem com seu perfil pessoal.

Quanto à atitude, cada mulher tem de começar a enfrentar os próprios demônios, nem que isso se inicie como uma encenação, um blefe. “É fundamental que a gestora nunca se coloque em posição inferior aos homens e que não se omita em nenhuma situação –por mais desconfortável que se sinta com ela”, diz Alvarenga.

Exemplos de situações potencialmente desconfortáveis? Jantares de negócios onde só estarão homens. Muitas delas não comparecem, ou, se vão, não se manifestam.

"Se a profissional tem base técnica e sabe colocar seus pontos nos fóruns 'masculinos' de maneira assertiva, será bem recebida, e é assim, na prática, que sua confiança crescerá", explica a diretora da Bacardi.

Alvarez, da Michael Page, alerta que a cultura machista ainda intimida bastante a mulher no mercado de trabalho, dificultando esse enfrentamento de demônios.

Assim como Alvarenga, ela diz que a chave está em uma nova atitude: é preciso “continuar demonstrando suas habilidades, sem vestir a carapuça machista”. 

Para Raquel Alvarenga, os casos de machismo ostensivo existem, mas tendem a ser minoria, porque cada vez mais empresas têm canais para denunciá-los 

Alvarez também sugere que, no ambiente de “brincadeiras mais informais” que os homens costumam criar no trabalho, elas devem manter-se profissionais.

Como fazer isso? “O que faz qualquer profissional ser admirado e respeitado é sua competência naquilo que realiza”, explica Alvarez. Além disso, “elas precisam aprender a lidar mais facilmente com a objetividade masculina, e eles, com o pensamento emocional feminino”, diz a especialista.

Entender que o preconceito vai além do gênero feminino ajudar a mudar a atitude. A executiva da Michael Page relata encontrar dificuldades para fugir de estereótipos também em relação aos homens.

Quando recebe demanda de clientes para o cargo de secretário, ela conta que não consegue colocar um único homem, mesmo que seja perfeito para a função. 

Outra providência importante em prol da construção da confiança é a do autoconhecimento em relação a esse sentimento. Se uma profissional percebe que tem a autoconfiança minada quando está em meio a muitos homens, deve evitar esse contexto.

No Brasil, a indústria automobilística e o departamento de vendas são conhecidos como fortes redutos masculinos. Uma mulher que se intimida com isso e se conhece deve evitá-los, a não ser que ela seja como Vanessa Castanho.

Quando uma mulher diz que está 100% preparada, está 120%; já um homem está 60%

Como trabalhar em um ambiente masculino

Vanessa castanho foi a primeira mulher a chegar à gerência de vendas de uma montadora de automóveis

A frente de batalha de Vanessa Castanho é lutar contra o excesso de autocrítica. A administradora com especialização em comércio exterior e pós-graduada em gestão de empresas pela Fundação Getulio Vargas está convencida de que vencer essa batalha é a chave para vencer a guerra da autoconfiança e ter uma carreira vitoriosa.

Castanho é hoje diretora de vendas da Renault do Brasil, uma desbravadora nesse setor em que mulher é a minoria da minoria. Em plenos anos 1990, muito mais machistas do que os dias atuais, ela foi a primeira a chegar ao cargo de gerente regional de vendas.

Como obstáculo em seu caminho, encontrou um ambiente que punha as mulheres sempre na defensiva. “O que eu aprendi é que temos obrigação de nos posicionar o tempo todo. Eu nunca impedi que falassem palavrão na minha frente, mas nunca falei, portando-me de maneira estritamente profissional”, afirma. O que é esse profissionalismo? “É ser respeitosa e rigorosa no atingimento de metas.”

Preconceito de gênero ainda existe, diz Castanho, sem ter ilusões, mas, para ela, não mais do que preconceitos contra homossexuais, negros ou pessoas obesas. “Simplesmente não podemos dar espaço para nenhum preconceito”, ensina.

Duvidar de si não paralisa os homens 

Já as mulheres recuam diante dessas dúvidas, diz especialista

Foi Claire Shipman, coautora do livro The Confidence Code, que atribuiu a persistente diferença de poder e salários entre eles e elas a uma “aguda falta de autoconfiança” das mulheres. 

Em suas duas décadas de experiência entrevistando poderosos de ambos os sexos para a rede de TV ABC, dos EUA, Shipman diz ter sempre percebido uma “força misteriosa” que as puxava para trás. Um exemplo trivial é o da banqueira de investimentos que, durante uma entrevista sobre carreira, não mencionou a grande promoção que havia acabado de receber. Outro é o da engenheira pioneira e admirada em seu setor que disse não saber se era a melhor escolha para comandar um novo projeto da empresa. Ela mesma, muito bem-sucedida, sempre atribuiu seu êxito à sorte. Revendo tudo isso, Shipman concluiu que duvidar de si é algo próprio das mulheres.

A crônica falta de confiança feminina já foi quantificada em várias ocasiões. Há um famoso estudo da HP mostrando que as mulheres só se candidatam a uma promoção quando preenchem 100% dos requisitos do novo cargo, enquanto aos homens basta ter 60% das qualificações. Outro dado vem do Institute of Leadership and Management, do Reino Unido: gestores de ambos os sexos foram indagados sobre se tinham dúvidas a respeito de sua capacidade profissional e metade das mulheres respondeu que sim, enquanto apenas um terço dos homens afirmou o mesmo.

Um teste aplicado pelos psicólogos norte-americanos David Dunning e Joyce Ehrlinger já mostrava a diferença da autoavaliação de homens e mulheres: enquanto elas acharam que acertaram 5,8 das 10 perguntas feitas, eles apostaram em 7,1 de acerto. No desempenho efetivo, houve empate: elas tiveram nota média 7,5, e eles, 7,9.

Homens –alguns, pelo menos– também duvidam de si às vezes; o problema é que, no caso delas, isso tende a paralisá-las. Em muitos casos, as mulheres desistem antes de tentar algo novo, com medo de não estarem à altura: uma convocação para um concurso científico em uma turma de estudantes mostrou que 49% delas se inscreveram, ante 71% deles.

A razão do gap de confiança pode ser explicada pela ciência. Exames de ressonância magnética indicam que, em reação a estímulos negativos, as mulheres ativam sua amígdala mais facilmente que os homens –o que faz com que um erro as impacte bem mais. Também os hormônios jogam contra: o estrogênio as desencoraja a correr riscos e enfrentar conflitos, o que se confunde com problemas de confiança; a testosterona, dos homens, faz o contrário.