Henry Ford, fundador da célebre montadora de Detroit, nos Estados Unidos, deixou seus colegas líderes empresariais indignados quando propôs o aumento de salários e a redução da jornada de trabalho dos operários. Era 1914, a Primeira Guerra acabara de eclodir, e ele vislumbrava duas melhorias: em produtividade e em potencial de consumo. Mas o dono de uma empresa era como um monarca absolutista então, e a orientação de Ford parecia ceder poder aos funcionários.

Essa geração inventava o papel do presidente da empresa. Levava a ciência da administração ao chão de fábrica, com o taylorismo, usava “produtividade” como palavra de ordem e era experimentadora. Poucos anos depois, a gestão moderna seria estabelecida, e as pessoas passariam a ser contratadas para gerenciar funções e unidades de negócios.

Cinquenta anos mais tarde, em 1964, a direção contava com vários líderes –de finanças, planejamento, operações, produção e vendas–, à frente de grandes equipes. A organização moderna como a conhecemos, com processos, direitos de decisão, métricas, análises, reuniões sem fim e burocracia, florescia. O presidente não era mais um monarca, mas o executivo principal, o CEO. Sua meta maior consistia em maximizar o retorno para o acionista. Porém, enquanto os líderes de 1914 queriam desenvolver suas empresas, os executivos dos anos 1960 pensavam mais em sua carreira.

No presente, os executivos chegam ao posto mais alto tendo acumulado experiência em diferentes organizações e funções, e pós-graduados com MBA. Em um mundo mais complexo, preocupam-se com o equilíbrio financeiro entre economias desenvolvidas e em desenvolvimento, em encontrar pessoas com as habilidades certas em um pool de talentos mundial. Precisam zelar pela felicidade dos colaboradores. Vivem uma hierarquia achatada e estão sob constante vigilância. O valor de mercado da empresa pode despencar com um deslize. A ordem é agilidade.

Conheça Melissa

Como será o CEO de 2040? Como, nos Estados Unidos de hoje, 60% dos estudantes de graduação e 40% dos de MBA são mulheres, em 2040, elas representarão 30% dos CEOs das 2,5 mil maiores empresas abertas do mundo.

Isso mudará o CEO? Para responder, criamos um protótipo de executiva: Melissa. Ela nasceu nos anos 1980 e, hoje, está nos primeiros estágios da carreira. Ela atuará em um ambiente de negócios bem distinto.

Integradoras e especialistas

O ambiente competitivo de 2040 será muito diferente do que é em 2014. As empresas estarão, em sua maioria, concentradas em dois grandes grupos: integradoras e especialistas.

As integradoras serão operadoras de larga escala, com propostas de valor baseadas em soluções diferenciadas aos clientes. Tais soluções dependerão de um conjunto único de capacidades complementares, como já faz a Cisco, que oferece plataformas que se destinam a uma série de necessidades dos clientes por meio de relacionamento estendido. As especialistas, por sua vez, fornecerão produtos e serviços para as integradoras. 

Se muitas especialistas terão vida curta, de 7 a 15 anos, as integradoras poderão dominar seu mercado por décadas. Independentemente da categoria, a empresa precisará ter excelência em tecnologia –isso permitirá que deixe um mercado minguante e entre em um novo com competência. Com uma tecnologia como a da impressão 3D, por exemplo, companhias iniciantes poderão passar a concorrer em novos negócios quase da noite para o dia.

Tais tendências levarão ao tipo de CEO altamente focado e empreendedor, cuja carreira dependerá de sua adequação a um ou outro tipo de organização: integradora ou especialista.

Agora, voltemos a Melissa. Se ela for a líder de uma integradora, terá de seguir o modelo de Jeff Bezos ou Michael Dell e investir muito tempo na compreensão de como a empresa, seus fornecedores e clientes trabalham em um sistema holístico para que soluções completas sejam entregues aos clientes. No entanto, se for CEO de uma empresa especialista, deverá ser ainda mais criadora de mudança, pois poderá ter de substituir a estratégia da companhia rapidamente (diante do envelhecimento de sua especialidade ou da compra por outra) ou mudar de negócio.

O mandato de Melissa na organização especialista talvez seja mais curto do que o de Melissa CEO de uma integradora. Ela será uma “CEO serial”, como já se ouve falar no Vale do Silício.

Novo modelo

A visão de mundo e de trabalho de Melissa é diferente da do CEO de 2014. Ela terá tido muitas experiências empreendedoras, de liderança e de colaboração desde o colégio. Como é curiosa e inovadora, talvez tenha inventado algo, como um aplicativo, ou desenvolvido paixão por nanotecnologia ou mobilidade urbana. Fala fluentemente mais de um idioma estrangeiro e conhece um pouco de uma ou duas linguagens de programação.

Muito provavelmente, cursou um MBA que adaptou sua pedagogia para desenvolver o estilo de liderança mais empático, como o feminino. Além das experiências internacionais de trabalho corporativo, ela pode ter passado um período em uma organização de serviços baseada em uma missão, como a Teach for America, ou criado um negócio em um mercado emergente. Assim, terá desenvolvido uma consciência muito maior sobre o mundo e o poder da diversidade do que o líder de 2014. O foco continuado em aprender e buscar experiências em ambientes não familiares será crítico por toda a sua carreira.

Quando mulheres como Melissa chegarem ao comando das empresas, seus colaboradores seguirão seu modelo. O ambiente de trabalho tenderá a ser menos autoritário e mais colaborativo.

Abordagem sistêmica

A capacidade de Melissa de trabalhar em equipe, de empatizar, e sua inteligência emocional virão a calhar, dada a importância de construir capacidades interfuncionais. O papel do CEO será o de integrar essas capacidades, certificando-se de que todos contribuam para seu desenvolvimento e sustentação e mantendo tudo funcionando em um sistema altamente sofisticado. Assim, Melissa precisará ter amplo conhecimento de sistemas, tanto humanos como tecnológicos. Será mestra em compreender a maneira como a informação flui, em um contexto em que as relações entre as pessoas da organização e parceiros e stakeholders serão mais dinâmicas do que nunca.

Confortável com o fato de a tecnologia da informação (TI) estar profundamente integrada a cada experiência, a CEO terá interesse genuíno em rupturas potenciais e entenderá como a tecnologia permite redução de escala e diminui barreiras de entrada nos diversos setores. Será especialista em modelos digitais altamente flexíveis. O design baseado no ser humano também será um de seus interesses, e ela estará atenta às novas ondas em tecnologia de consumo e a como moldam a maneira com que ela se relaciona com os consumidores. Melissa ainda saberá como extrair insights de modo mais rápido e coletivo do que é possível hoje.

Tecnologia manda
Confortável com o fato de a TI estar integrada a cada experiência, a CEO Melissa de 2040 terá interesse genuíno em rupturas e compreenderá como a tecnologia viabiliza a redução de escala e diminui a barreira de entrada nos diversos setores

Estrutura plana

A organização liderada por Melissa será mais achatada do que as que conhecemos hoje, uma vez que os processos de governança, compliance e qualidade serão mais automatizados e incorporados ao trabalho do dia a dia. Sistemas de apoio à decisão melhores e maior foco sobre competências organizacionais tornarão mais fácil à CEO o acesso à informação do que é para seus pares hoje. Além disso, as pessoas saberão como decidir e o que fazer, mesmo em situações não esperadas.

Para ajudar a gerenciar a empresa, Melissa confiará em um grupo pequeno, mas diversificado, de pessoas que compartilharão certa química e compreensão, como uma banda musical bem sintonizada, e que serão suas conselheiras. A equipe da CEO tenderá a mudar de empresa também, quando ela o fizer.

Alguma forma de hierarquia haverá, e o principal executivo de recursos (CRO, na sigla em inglês) será responsável pelos recursos humanos e os demais não financeiros. Embora a guerra por talentos tenda a desacelerar, medir e equilibrar custos relativos ao meio ambiente será uma prática regular. Como chefe do CRO, Melissa deverá ter mais do que um leve interesse nesses assuntos.

Entretanto, o diretor de estratégia (CSO, na sigla em inglês) terá desaparecido desse cenário, já que o CEO será responsável por assegurar o alinhamento constante entre a estratégia e as capacidades que permitam à empresa vencer no mercado. Nas unidades de negócios, o mesmo grupo estará a cargo da estratégia e da execução, e ambas as frentes serão direcionadas pelas poucas competências diferenciadoras da organização, conforme definidas por seus líderes.

Também poderá ocorrer a ascensão de responsáveis por capacidades corporativas, pessoas que supervisionarão poucas coisas cruciais que a empresa faz bem de maneira única, que estão na fundação de sua estratégia bem-sucedida.

O grande conector

Os colaboradores serão mais qualificados que hoje, pois terão mais acesso à educação e serão recrutados de um pool de talentos mais rico. Melissa terá de ser tão apta a buscar expertise fora quanto a orientar diretamente as pessoas.

Ela ainda precisará ser mais empreendedora, mais conhecedora de finanças e mais sagaz em relação ao risco do que seus predecessores. Terá de lidar com acionistas institucionais e individuais mais ativamente do que os CEOs de hoje fazem, pois os investidores serão menos pacientes e mais desejosos de que sua voz seja ouvida.

A responsabilidade em relação a todos os stakeholders será uma parte extremamente importante do perfil corporativo. Melissa compreenderá que será muito oneroso agir mal em relação a eles, que não serão condescendentes com quem finge ter consciência social.

A líder precisará relacionar-se com todos esses públicos sem contar com o benefício de um presidente de conselho ou do conselho, pelo menos não como hoje os conhecemos. Modelos futuros de governança serão mais diversos: apesar de o escritório corporativo permanecer existindo de alguma forma, a necessidade de agilidade e transparência fará a figura do chairman ser prescindível.

Por todas essas razões, as habilidades de comunicação de Melissa serão fundamentais. É difícil imaginar qualquer um que chegue à sala da presidência sem saber ouvir, falar, escrever e engajar. Melissa estará mais próxima de um chanceler, com apelo para corações e mentes da empresa e de fora.

Formação

Aos líderes que desejem preparar os líderes do futuro para que os sucedam, recomendamos visão ampla de desenvolvimento de talentos. Olhem adiante e apoiem programas de aprendizado que ofereçam as melhores experiências aos líderes de amanhã; estimulem as mulheres.

Aos jovens, aconselhamos que busquem mentoria de veteranos e superiores e preparem-se para o desconhecido.

Onde as mulheres já lideram

Em 2013, as mulheres representaram 3,6% dos CEOs entrantes nas 2,5 mil maiores empresas de capital aberto do mundo. De 2004 a 2013, houve 68% mais mulheres assumindo do que deixando o posto de CEO. No entanto, nesse período, as mulheres presidentes foram mais contratadas de outras organizações (35%) do que os homens (22%), já que empresas individuais não foram capazes de desenvolver e promover executivas em número suficiente.

A maior participação das mulheres pelo critério combinado de entrada e saída do cargo de CEO está nas empresas situadas nos Estados Unidos e no Canadá e no setor de tecnologia da informação.

 

Mais uma pergunta 

Como será que o líder de 2040 desenvolverá outros líderes?

Este artigo nos dá contornos interessantes sobre o futuro das empresas, mas parece apostar na existência de um modelo pronto de líder, como se os próximos líderes sempre replicassem o atual.

Essa replicação não é possível, entre outras coisas, porque implica ignorar as características comportamentais de dado líder, suas idiossincrasias, sua hierarquia de valores. Estudos recentes comprovam que um modelo de líder não gera obrigatoriamente repetidores. Jung tinha Freud como líder, mas afastou-se dele –e assim pôde ampliar a noção de inconsciente. Judas Iscariotes tinha Jesus Cristo como líder e o traiu. Mark Chapman tinha John Lennon como líder e o matou com um tiro à queima-roupa.

Dando um exemplo menos dramático e mais brasileiro, é comum encontrarmos em nossas empresas familiares pais vistos como líderes pelos filhos, mas, quando chega o momento da sucessão, os herdeiros se distanciam do estilo paterno.

Ser líder e desenvolver liderança são coisas distintas. Ser líder é constituir um exemplo, por uma ótica ou mais –profissional, técnica, intelectual, comportamental, ética, organizacional–, que inspire os seguidores a alcançar um grau satisfatório de execução e de realizações sob sua gestão.

Porém o líder deve, mais que ser líder, desenvolver liderança. Isso significa compartilhar visões que preparem gestores para as futuras demandas da sociedade e da empresa. Significa atuar concretamente em uma esfera que se mostra abstrata para a maioria das pessoas, incluindo os colaboradores atuais.

Como o líder de 2040 se sairá nesse quesito?

Por Marcello Calvosa, pesquisador, professor da HSM e da UFRRJ, especialista em liderança, coach e fundador das empresas Lilla Cosméticos, Tutoria Web Capacitação e Primatus Educação Executiva.