A inteligência artificial se tornou um dos maiores impulsionadores tecnológicos para os negócios nos últimos anos. As expectativas voam alto, mas o que as empresas estão realizando em terra firme? O BCG e a  MIT Sloan Management Review conduziram uma pesquisa global com mais de 3 mil executivos e entrevistas em profundidade com mais de 30 especialistas em tecnologia a fim de apresentar uma base realista de informações para que as empresas façam benchmarking sobre seus esforços  e ambições em relação à IA e se orientem para as novidades que virão.

De modo geral, o fosso entre ambição e execução é profundo na maioria das organizações. Só uma em cada cinco delas já incorporou a IA a alguma oferta ou processo. Apenas uma em cada 20 incorporou a IA extensivamente a ofertas ou processos.

A pesquisa também revela grandes lacunas entre as empresas líderes em IA – que já a compreenderam e adotaram em alguma medida – e as retardatárias. A diferença que mais salta aos olhos diz respeito ao nível de compreensão da importância de dados, treinamento e algoritmos.

A tendência é que os gaps aumentem ainda mais nos próximos cinco anos. Contudo, quase todas as empresas continuam a ter a chance de moldar a criação de valor da IA em seus setores de atividade.

Grandes expectativas

Executivos de empresas de todos os países, setores de atividade e tamanhos estão atentos à IA. Embora a maioria não tenha percebido efeitos substanciais da IA em suas ofertas e processos, eles estão certos de que o impacto aparecerá nos próximos cinco anos – em especial, em tecnologia da informação (TI), em operações e manufatura, na gestão da cadeia de fornecimento e em atividades voltadas para o cliente.

As BPOs, que conduzem processos de negócios de outras empresas como terceirizadas, creem que muitos dos empregos que se mudaram para países com baixos custos trabalhistas sejam automatizados. No entanto, elas também têm a expectativa de que a IA leve a novas atividades e fontes de empregos.

De todos, os gestores do setor de manufatura são os que preveem o maior impacto. Faz sentido, como mostra a fabricante de aeronaves Airbus. No programa A350, a empresa está usando IA para acelerar e melhorar a produção. Ela combinou dados da produção passados, contribuições  contínuas do programa A350, matching difuso e um algoritmo de autoaprendizado para identificar padrões em problemas de produção que causam interrupções. O sistema consegue encontrar, quase em tempo real, soluções para 70% dos problemas de algumas áreas, soluções essas espelhadas em outras adotadas anteriormente.

Ambição e execução

A diferença entre ambição e execução é igualmente grande em boa parte das organizações. Três quartos dos executivos acreditam que a IA vai permitir que sua companhia se aventure em novos negócios, e quase 85%, que a IA a levará a obter ou manter uma vantagem competitiva. Porém só 30% deles dizem que sua empresa já possui uma estratégia de IA, o que eles consideram urgente. As organizações que têm mais de 100 mil funcionários são as mais propensas a ter uma estratégia de IA, mas apenas metade delas tem uma de fato.

Há também grandes lacunas entre companhias líderes e retardatárias. Entre as líderes, três quartos enxergam claras oportunidades de negócios para IA  e cerca de 80% dizem que os líderes seniores estão a bordo. Os maiores obstáculos, para essas empresas, são contratar e desenvolver talentos e estabelecer prioridades para os investimentos em IA. Elas também estão começando a se preocupar com questões de segurança relacionadas com IA.

As organizações retardatárias, por sua vez, ainda não identificaram oportunidades de negócios com a tecnologia. Mais de 50% relatam que seus líderes seniores não estão envolvidos com IA, e a maio ria também enfrenta as agruras de encontrar talentos na área.

As diferenças na adoção da inteligência artificial podem ser marcantes até no mesmo setor. Por exemplo, a Ping An Insurance, uma das maiores companhias de resseguros da China, emprega 110 cientistas de dados e lançou cerca de 30 iniciativas de IA patrocinadas pelo CEO – a visão é a de que a IA será o principal impulsionador de crescimento em breve, como conta o diretor de inovação da empresa, Jonathan Larsen. Em outros lugares da indústria de seguros, no entanto, as iniciativas de IA se limitam a  “experiências com chatbots”. 

Dados, treinamento e algoritmos

Uma das diferenças mais brutais entre companhias líderes e retardatárias em IA está na compreensão da importância dos dados, treinamento e  algoritmos. Os algoritmos de IA não são naturalmente “inteligentes”. A IA começa com algoritmos “nus”, que se tornam inteligentes somente depois de serem treinados em grandes quantidades de dados e, na maioria dos aplicativos de negócios, grandes quantidades de dados específicos da empresa.

O treinamento bem-sucedido requer uma compreensão completa desse processo e do papel dos dados nele, que é muito mais significativo do que em aplicativos de dados grandes e de análise avançada. O êxito também depende de sistemas bem desenvolvidos que promovam o treinamento relevante dos algoritmos e continuem a integrar dados coletados ao longo do tempo. A coleta e a preparação de dados são muitas vezes as atividades mais demoradas no desenvolvimento de aplicativos de IA.

Mesmo quando a organização possui os dados de que precisa, a fragmentação em vários sistemas pode dificultar o processo de treinamento de algoritmos de IA. Como afirma Agus Sudjianto, vice-presidente-executivo de risco corporativo do banco Wells Fargo, “grande parte do trabalho é lidar com dados não estruturados, como a mineração de texto, e analisar enormes quantidades de transações procurando  padrões. Em experiência do cliente, bem como na tomada de decisões em termos de prospecção de clientes, aprovação de crédito e detecção de crime financeiro, há oportunidades significativas para aplicar IA, mas, em uma organização muito grande, os dados geralmente são fragmentados. A  questão central de uma grande corporação é como lidar estrategicamente com dados”.

Menos da metade dos entrevistados da pesquisa diz que sua empresa entende as necessidades de dados para os algoritmos ou os processos necessários para treinar algoritmos.

Fazer ou comprar?

A necessidade de treinar algoritmos de IA com dados apropriados tem grandes implicações no processo decisório do investimento nas tecnologias de IA – quanto a comprá-las prontas fora ou desenvolvê-las internamente.

Só que gerar valor com IA é mais complexo do que simplesmente desenvolver ou comprar IA para um processo de negócios. Treinar algoritmos de IA envolve uma boa variedade de habilidades, incluindo a compreensão de como criar algoritmos, como coletar dados relevantes e integrá-los para fins de treinamento e como supervisionar o treinamento.

O executivo-chefe de informação (CIO) de uma grande farma descreve os produtos e serviços que os fornecedores de IA entregam como “crianças novinhas”. “A quantidade de esforço para fazer um serviço baseado em IA chegar à idade de17 ou 21 anos ainda não parece valer a pena”, diz. Ele se refere à “tonelada de informações” para treinar o algoritmo e às habilidades internas que precisam ser desenvolvidas. De fato, usar a IA para obter vantagem competitiva requer esforço. 

Desafios da gestão

As organizações enfrentam muitos desafios gerenciais com a adoção da inteligência artificial. Alguns são comuns a todas as transformações tecnológicas, como a visão e a liderança adequadas, a abertura à mudança e a capacidade de mudar, o pensamento de longo prazo, o alinhamento entre estratégia de negócios e tecnologia, a colaboração efetiva. Mas há pelo menos três desafios específicos:

Ter uma compreensão intuitiva da IA. É o mais básico – e mais importante. J. D. Elliott, diretor de gestão de dados corporativos da TIAA, organização  de serviços financeiros integrante da lista Fortune 100 que administra quase US$ 1 trilhão em ativos, explicita isso: “Não acho que cada gerente  da linha de frente precise entender a diferença entre aprendizado profundo e superficial dentro de uma rede neural. No entanto, considero importante a compreensão básica de que, com o uso da análise de dados, teremos técnicas que produzirão resultados e decisões melhores e mais precisos do que o instinto”.

Desenhar a organização para a IA. A adoção das tecnologias de maneira geral provavelmente valorizará as habilidades sociais e a flexibilidade  existente na empresa.

Há pelo menos três modelos organizacionais possíveis para IA – o centralizado, o distribuído e o híbrido –, mas o híbrido, que enfatiza a colaboração multifuncional, é o que faz mais sentido. “Temos de trazer pessoas de diferentes disciplinas. E então, é claro, precisamos do aprendizado de máquina (machine learning) e das pessoas que dominam IA”, diz Sudjianto, do Wells Fargo. “Alguém que possa liderar esse tipo de equipe de maneira holística é muito importante também.” 

Vale enfatizar que a flexibilidade é uma peça central de todos os modelos organizacionais de IA. Em face disso, para as grandes empresas, a mudança de cultura necessária pode ser assustadora, de acordo com vários dos executivos entrevistados.

Somar os pontos fortes de seres humanos e computadores. Descobrir isso não é fácil. Por exemplo, os gestores precisam perceber que empregar IA vai além de melhorar o status quo; trata-se de mudar.

IA e empregos

A pesquisa revela um otimismo cauteloso quanto aos empregos humanos  depois da inteligência artificial. A maioria dos entrevistados não espera uma redução de empregos em sua organização em cinco anos, e quase 70% garantem não temer que a IA automatize seus cargos.

Você chegou bem a tempo

Por Kevin Kelley

O mundo dominado pela inteligência artificial será diferente; não terá nada a ver com o que vemos hoje. Mas será uma utopia ou uma distopia? 

Bem, utopias nunca dão certo; todo cenário utópico contém falhas que o corrompem. E nunca vi uma utopia na qual gostaria de viver; eu morreria de tédio.

Já as distopias, seus opostos sombrios, são bem mais fáceis de imaginar. Quem não consegue pensar em um final apocalíptico do tipo “o último ser humano na Terra”, um mundo governado por robôs, um planeta se desintegrando lentamente em favelas ou um armagedom nuclear?

Há infinitas possibilidades para o colapso da civilização moderna, mas o grande defeito da maioria das narrativas distópicas é que elas não se sustentam. Na verdade, é difícil destruir a civilização: quanto mais arrasador o desastre, mais rápido as chamas do caos se extinguem.

É difícil perceber a protopia, porque ela cria quase tantos problemas quanto benefícios. Essa expansão circular de problemas e soluções oculta uma acumulação constante de pequenos benefícios líquidos ao longo do tempo. Desde o Iluminismo e a invenção da ciência, conseguimos criar um pouco mais do que destruímos, ano após ano. No modo protópico, as coisas são um pouco melhores hoje do que foram ontem. É um progresso brando. 

Atualmente, somos tão cientes das desvantagens das inovações e estamos tão decepcionados com as promessas das utopias do passado que temos dificuldade de enxergar um futuro protópico no qual o amanhã será um pouco melhor do que o hoje. Essa cegueira sobre o futuro talvez explique a aflição que domina o mundo contemporâneo.

Qual é a alternativa a esse quadro? Receber o futuro (e seu contínuo tornar-se) de braços abertos, tendo consciência do lento rastejar protópico a fim de não ignorar as melhorias incrementais que proporciona. É porque ignoramos o progresso brando que somos surpreendidos por coisas que já vêm acontecendo há 20 anos ou mais. Dito isso, há duas boas notícias: 

  1. Todos nós, sem exceção, seremos eternos novatos no futuro, humildemente tentando acompanhar os avanços. Para começar, a maioria das importantes tecnologias que dominarão nossa vida daqui a 30 anos ainda não foi inventada, de modo que você será, de fato, um  novato nelas. Em segundo lugar, como a nova tecnologia vai necessitar de upgrades intermináveis, você continuará a ter status de novato mesmo depois de  conhecê-la. Em terceiro lugar, como o ciclo da obsolescência se acelera (o tempo médio de vida de um app de celular já é de apenas 30 dias!), você  não terá tempo de dominar qualquer coisa antes de ela ser substituída, de maneira que  permanecerá no modo novato para sempre.
  2. Nunca houve um dia melhor em toda a história do mundo para inventar alguma coisa como hoje. Os sujeitos grisalhos de 2050 dirão: “Já pensou como teria sido incrível inovar em 2017 ou 2018? Era uma verdadeira terra de ninguém, dava para escolher qualquer negócio, salpicá-lo com inteligência artificial e jogar na nuvem. Poucos dispositivos tinham mais de um ou dois sensores, em vez das centenas de sensores atuais. As expectativas e barreiras eram baixas. Era fácil ser o primeiro”. Vivemos a melhor época de toda a história da humanidade para começar algo. Você chegou bem a tempo.

Baseado nos highlights do livro Inevitável: 12 forças tecnológicas que mudarão o mundo, de Kevin Kelly (ed. HSM). 

O estudo é de Philipp Gerbert, Martin Reeves, Sebastian Steinhäuser e Patrick Ruwolt, consultores do Boston Consulting Group (BCG), sediados nos Estados Unidos e na Europa.