Que métricas sua empresa utiliza nas decisões de investimentos? A economista Jackie Vanderbrug, codiretora do conselho de investimentos de impacto do Bank of America, propõe investir com base em métricas relativas a diversidade de gênero.

Não se trata de advogar o melhor desempenho de empresas dirigidas por mulheres. Coautora de um livro sobre o assunto, Gender lens investing: uncovering opportunities for growth, returns and impact, a especialista  afirma que o aumento do poder econômico feminino é, isoladamente, o fator que tem maior potencial de mudar o mundo. Ela também crê que, se essa lente for ignorada, as empresas – investidores em particular – podem perder o ritmo das mudanças. 

Nesta entrevista, Vanderbrug detalha as dez métricas que devem ser observadas para obter os resultados que ela prevê, que vão de aumentar o número de empreendedoras ao crescimento do poder de compra das mulheres. As mudanças necessárias são relacionadas com problemas bem palpáveis, como o envelhecimento populacional do Japão.

O que significa investir com “lente de gênero”? 

Pense na lente da câmera fotográfica, que você pode abrir e fechar para controlar a profundidade de campo; dependendo de como você manipula a abertura, um gênero pode se mover para o primeiro plano ou ficar desfocado. A lente de gênero ajuda enquadrar o contexto, as dúvidas e as possíveis respostas de maneira mais precisa.

Eu e outras pessoas envolvidas nesse tipo de investimento escolhemos a expressão porque remete tanto a biologia (gênero) como a cultura (lente) e convida a uma análise inclusiva de homens e mulheres. Queríamos ampliar a ideia de “investir em mulheres”: em vez de se resumir a investir em empresas dirigidas por elas ou de propriedade delas, pode significar investir em quaisquer negócios pensando em como são impactados pela diversidade de gênero e pelos respectivos atributos biológicos e culturais.

A lente de gênero consegue nos dar uma visão mais aguçada das diferenças geográficas e culturais. Aprimorar a análise de gênero quanto ao LTV [sigla em inglês de valor do ciclo de vida do cliente] – incluindo valores de empréstimos, fidelidade e recomendações – pode oferecer a um banco insights inesperados sobre novos segmentos potencialmente lucrativos.  Usando a lente de gênero, uma empresa de bens de consumo da Índia talvez descubra que o papel de uma sogra nas decisões de compra da família varia segundo a localização geográfica e a classe social.

Uma pesquisa divulgada recentemente revelou que o aumento de renda das famílias norte-americanas de classe média desde 1970 se deve ao crescimento dos ganhos das mulheres. É isso mesmo?

Sim, tem a ver com o aumento da participação das mulheres na força de trabalho. O relatório descobriu que as rendas familiares médias eram US$ 11 mil maiores em 2013 do que em 1970 e que, sem a contribuição  feminina, elas teriam sido US$ 9 mil menores. Outra maneira de olhar para isso – com a lente de gênero também – é que a economia dos Estados Unidos é US$ 2 trilhões maior de 1970 para cá, com uma expansão de 13,5%, devido ao aumento das horas de trabalho das mulheres.

Vale a pena observar que isso também se deve ao fato de mais homens assumirem o papel de cuidadores – tanto de crianças como de doentes ou idosos. Por mais que ainda haja desigualdade significativa no trabalho sem remuneração, as horas de cuidados dos homens aumentaram três vezes entre o final dos anos 1960 e 2013.

Calcula-se que, nos próximos 40 anos, os EUA verão a maior transferência de riqueza intergeracional da história, conforme as mulheres receberem as heranças de seus pais baby-boomers. Quais as implicações disso?

Por muito tempo, tenho ouvido falar do “poder da bolsa” – o fato de as mulheres serem responsáveis por 75% a 80% das decisões de compra no consumo. Mesmo assim, muito pouco design thinking tem sido feito com a lente de gênero. O que vai acontecer é que as mulheres continuarão a fazer boa parte das compras, mas, com o dinheiro em suas mãos, muitas coisas vão mudar – desde a opção por adquirir um imóvel mais cedo até tomar decisões de investimento de outra maneira.

Em seu livro, você fala sobre a importância de elevar o “QI de gênero” de produtos e serviços. Quais seriam as características de um ótimo QI de gênero?

Uma organização que faz design centrado no ser humano desde o começo costuma ser sensível em relação a como seus produtos e serviços funcionam para todos os gêneros. Ela está pensando nas diferenças de necessidades, de realidades e de talentos de homens e mulheres e em como as ofertas da empresa as acentuam ou reduzem.

Veja, por exemplo, a questão do transporte. Mulheres usam o transporte público de modo bem distinto daquele dos homens; elas fazem paradas com muito mais frequência. Por exemplo, quando saem do trabalho, elas pegam um ônibus, descem para comprar alguma coisa para o jantar, sobem em outro ônibus, descem para pegar as crianças na creche e tomam mais um ônibus a caminho de casa. Mulheres não costumam fazer  trajetos diretos entre o trabalho e a moradia.

Questões médicas constituem outro campo de diferenças pouco observado; conforme o gênero, muda significativamente o modo de tratar doenças e o desejo de melhoria física. Até a indústria de software deveria  fazer análises com base em como mulheres e homens utilizam aplicativos de modos distintos.

Nos serviços financeiros, então, há muitas nuances. Por exemplo, as mulheres de determinados mercados emergentes se sentem confortáveis ao caminhar para uma agência bancária, fazer uma reclamação etc.?  Muitas não. Esses tipos de fatores humanos são essenciais para projetar serviços.

A ideia de projetar produtos e serviços pensando em inclusão é essencial para empresas que queiram ser bem-sucedidas no futuro. Nós definitivamente passamos da fase do “pinte de cor-de-rosa e encolha” –, em que, para servir as mulheres, as empresas faziam o mesmo produto dirigido aos homens apenas reduzindo seu tamanho e pintando de cor-de-rosa. 

As oportunidades da womenomics, a economia das mulheres, são imensas. Um relatório do McKinsey Global Institute [The power of parity: how advancing women’s equality can add $12 trillion to global growth] fez uma projeção: se os índices de participação das mulheres na economia fossem os mesmos dos homens, o PIB mundial aumentaria US$ 28 trilhões (26%) já em 2025.

Os números deixam claríssimos os benefícios potenciais, para todos, da maior participação das mulheres na economia. Só que não basta dizer “Se as mulheres trabalhassem mais, a economia cresceria”, porque há muitas razões pelas quais as mulheres não trabalham mais, e algumas são bastante importantes, como todos sabemos. Isso não tem a ver com dizer que o trabalho não remunerado feito pelas mulheres não tem valor para a sociedade. 

O que gostei no relatório do McKinsey Institute é que eles chegaram a dez indicadores com base em resultados de equidade de gênero global e disseram: “Aqui estão os fatores que podem permitir a expansão econômica sustentável e a igualdade de gênero na sociedade”. Todas essas iniciativas devem ser tomadas coletivamente para liberar o tipo de poder econômico sustentável de que precisamos. 

Conte-nos, então, sobre a aposta dos japoneses na womenomics...

Como a maioria já sabe, o Japão enfrenta um grande desafio em relação a sua população economicamente ativa: há indicadores de que em 2030 ela será 21% menor do que o necessário. Como evitar isso? O que o primeiro-ministro Shinzo Abe fez foi divulgar que, se o país acessar seu recurso mais subutilizado – suas mulheres –, o PIB pode ser 15% superior ao atual. Como o relatório do McKinsey Institute, o governo japonês está reconhecendo que as mulheres são um recurso econômico subalavancado e que temos de envolvê-las mais no trabalho se quisermos continuar a prosperar.

O que o governo japonês tem feito?

Trata-se de uma ampla gama de iniciativas, como o estabelecimento de metas e de métricas referentes à participação das mulheres na força de trabalho e a suas conquistas profissionais, maior disponibilidade de creches e de espaços para cuidar das crianças fora dos horários escolares, os benefícios da licença-maternidade e da licença-paternidade e uma cultura organizacional amigável à família em geral – o que significa deixar claro que ninguém deve ficar trabalhando 70 horas por semana.

Há áreas que já estão mostrando resultados, como o aumento do número de espaços para o cuidado das crianças e uma ligeira queda na porcentagem de mulheres deixando a força de trabalho depois do nascimento de um filho. Mas esse é um jogo de longa duração, pois as mudanças não vão acontecer da noite para o dia. Exige uma transformação da sociedade além da transformação da cultura corporativa, e demora um tempo para construir um pipeline sólido de talentos femininos.

Permita-me acrescentar que, no relatório do gap de gênero produzido em 2016 pelo Fórum Econômico Mundial com 144 países, o Japão foi mal: caiu da posição 101 para a 111. Algumas pessoas viram o recuo e disseram: “A womenomics no Japão está naufragando”. Eu digo: “Não, essas coisas levam tempo”. 

O CEO da administradora de investimentos BlackRock, Larry Fink, disse que estratégias de investimento socialmente responsáveis sãoa única maneira de mudar o comportamento corporativo não sustentável. Você concorda?

Concordo que o investimento responsável é uma das melhores formas de mudar o comportamento corporativo, porque empresas se importam muito com aquilo que importa para os investidores. Como cada vez mais investidores exigem transparência em práticas corporativas dos pontos de vista ambiental, social, da força de trabalho e da governança, muitas  corporações já estão se movimentando nessa direção.

Porém essa não é o único modo de mudar as coisas. Consumo  responsável também faz diferença. A maneira como consumidores escolhem comprar certas marcas e serviços é observada pelas empresas.

E regulamentações governamentais também importam. Por influência do governo, muitas bolsas de valores do mundo já exigem que as empresas comprovem a diversidade em diferentes níveis organizacionais se quiserem listar suas ações. Por conta disso, já vimos, na Austrália, um aumento da diversidade os conselhos de administração – não houve cotas, e sim uma transparência obrigatória.

E se a womenomics não vingar? Quais podem ser as consequências, para a economia, quando mulheres empreendedoras não recebem investimento?

Todos saem perdendo. Nossa economia global está diante de alguns desafios sem precedentes – a mudança climática, o terrorismo, os desafios políticos etc. Há, como nunca antes, uma demanda por inovação nas soluções e, se tem uma coisa que sabemos sobre inovação, é que ela floresce na diversidade. Não ter mulheres em posições de influência e decisão quando você pensa em como abordar os desafios econômicos é um desserviço para todos nós.

Para impulsionar a womenomics, o governo do Japão está incentivando as empresas a facilitar a vida familiar

As 10 métricas da womenomics

  1. Participação na força de trabalho. Quanto maior o número de mulheres atuando na economia formal com empregos remunerados,  maiores as oportunidades de negócios e a tendência ao crescimento econômico.
  2. Avanço dos níveis educacionais. Em muitas partes do mundo, as meninas já têm melhor desempenho acadêmico do que os meninos e mais mulheres se graduam. Mas isso deve se intensificar.
  3. Poder de compra. O poder de compra global das mulheres foi estimado em US$ 15 trilhões em 2015.
  4. Gap de remuneração. Mulheres que trabalham em período integral nos EUA ganham 20% menos que os homens (dado de 2014). 
  5. Trabalho não remunerado. Ainda cabe mais às mulheres que aos homens  e, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), é indispensável ao bem-estar dos indivíduos.
  6. Mulheres empreendedoras. Mesmo com os desafios óbvios de obter capital, 200 milhões de mulheres abriram ou administravam negócios em 2014.
  7. Diversidade de gênero corporativa. Há evidências de que a maior representação de mulheres na liderança de uma empresa e um forte pipeline feminino ajudam a obter resultados superiores.
  8. Licença familiar remunerada. Com o envelhecimento rápido das populações mundo afora, é imperativo manter mães e pais economicamente ativos engajados na criação dos filhos.
  9. Mulheres na política. Quanto mais mulheres participam do processo de tomada de decisão política, mais diverso e rico é o debate sobre as soluções. 
  10. Mulheres e tecnologia. Esse setor apresenta potencial para virar o jogo tanto a favor das mulheres como da economia global.