Quais são as questões “quentes” de amanhã? Peter Drucker começa o livro Desafios Gerenciais para o Século XXI chamando a atenção do leitor para os pontos cruciais –e “de vida ou morte”, em suas palavras– que, certamente, serão os desafios centrais no século XXI. 

DRUCKER, Peter. Desafios Gerenciais para o Século XXI. Tradução de Nivaldo Montingelli Jr. 4. ed. São Paulo: Thomson, 2007.
DRUCKER, Peter. Desafios Gerenciais para o Século XXI. Tradução de Nivaldo Montingelli Jr. 4. ed. São Paulo: Thomson, 2007.

Estratégia competitiva, liderança, criatividade, trabalho em equipe e tecnologia são desafios gerenciais que já podem ser identificados, discutidos, analisados. Entretanto, até agora, poucas empresas e executivos o fazem. “Aqueles que trabalham nesses desafios hoje e se preparam para os novos desafios serão os líderes e dominarão o amanhã”, profetiza Drucker. Os que esperarem até que esses pontos tenham se tornado, de fato, questões quentes provavelmente ficarão para trás. Talvez nunca se recuperem. 

Desafios Gerenciais para o Século XXI é um livro voltado para a ação. Foi publicado, pela primeira vez, em 1999, e sua elaboração deixou o então professor da Claremont Graduate School perturbado. Afinal, mudanças sempre perturbam, e foi baseado em contexto de intensas mudanças que o visionário formulou as questões-desafios que são objeto dessa obra. Ele explica sua angústia: “Vivemos um período de profunda transição. Em muitos casos, as novas realidades e suas demandas requerem uma reversão de políticas que funcionaram bem no último século e, ainda mais, mudança na mentalidade das organizações e das pessoas”. 

A obra está dividida em seis capítulos. O primeiro procura levantar perguntas em vez de dar respostas. Por que as hipóteses são importantes? Qual a única maneira certa de gerenciar pessoas? No segundo capítulo, Drucker foca a estratégia e as novas realidades, fazendo uma análise sobre a queda da taxa de natalidade e o crescimento de setores da economia. Ele também define desempenho, competitividade global e o crescente descompasso entre as realidades econômica e política. O gerenciamento de mudanças é o tema tratado no terceiro capítulo: políticas de mudanças, janelas de oportunidade, testes piloto, continuidade das mudanças e criação do futuro.

No quarto capítulo, Peter Drucker convida o leitor a pensar sobre a nova revolução da informação, a fim de descobrir que dados serão úteis para os executivos da era do conhecimento e como organizá-los de maneira a contribuir para ações eficazes dentro das empresas. No capítulo cinco, o autor traça um paralelo entre a produtividade do trabalhador manual e o futuro da produtividade do trabalhador do conhecimento. Por fim, no sexto capítulo, ele trata das novas demandas sobre o indivíduo e analisa a revolução do autogerenciamento para o futuro da sociedade e das organizações nela inseridas.

Gerenciamento adequado à tarefa

Drucker afirma que o centro da sociedade, da economia e da comunidade modernas não é a tecnologia, tampouco a produtividade, mas a instituição gerenciada como órgão da sociedade, que é um organismo. A gestão é ferramenta, função e instrumento que tornam as instituições capazes de produzir resultados. Essa realidade leva-nos a um novo paradigma gerencial, em que a gerência tem como preocupação e responsabilidade tudo o que afeta o desempenho da instituição e seus resultados, tanto interna como externamente.

O estudo do gerenciamento teve início com a súbita emergência de grandes organizações. O autor recorda: “Há mais de um século, o estudo de organização baseou-se na hipótese de que existe, ou existirá, uma organização certa”. A chamada “única organização certa” tem mudado de feição ao longo do tempo, porém ainda se busca a organização ideal. Entretanto, tornou-se claro que não existe uma empresa certa, mas várias, cada uma com forças e limitações distintas e atividades específicas. Ficou evidente que a organização não é um conceito absoluto, e sim um meio para tornar as pessoas produtivas no trabalho conjunto. Assim, uma estrutura organizacional é adequada a determinadas tarefas, em certas condições e ocasiões. 

Para o autor, existem alguns princípios de organização. Um deles é a necessidade de transparência. “As pessoas têm de conhecer e compreender a estrutura organizacional na qual se espera que trabalhem.” Esse princípio parece óbvio, mas, com muita frequência, é violado nas instituições.

Outro princípio saudável é o da proporcionalidade entre a autoridade e a responsabilidade: alguém deve ter autoridade para tomar a decisão final em determinada área e precisa claramente estar no comando durante uma crise. “Em uma organização, uma pessoa deve ter somente um senhor”, resume Drucker, que também afirma que uma estrutura saudável apresenta o menor número possível de camadas, ou seja, segue o princípio da hierarquia em estrutura o mais achatada possível. Ele lembra que, segundo a teoria da informação, “cada retransmissor dobra o ruído e corta a mensagem pela metade”.

O autor comenta que tais princípios não nos dizem o que fazer, e sim o que não fazer. É preciso estudar as forças e limitações da organização. Para certas tarefas, quais estruturas são mais adequadas? Quando, no desempenho de uma tarefa, deve-se passar de um tipo de organização para outro? Sem dúvida, é necessário estudar e usar estruturas mistas, em vez de apenas as puras. 

“A organização é um instrumento para tornar as pessoas produtivas no trabalho conjunto”

Drucker reconhece que os pioneiros do gerenciamento de cem anos atrás estavam certos: a estrutura organizacional é necessária. Afirma, contudo: “Como há grande número de estruturas diferentes para organizações biológicas, também há várias organizações para o organismo social, que é a instituição moderna”. Em vez de buscar a organização certa, os gestores têm de aprender a pesquisar, desenvolver e testar. “É preciso adequar a organização à tarefa.”

Gestão de pessoas como atividade de marketing

Drucker enfatiza que não há área em que as hipóteses tradicionais básicas sejam mantidas com tanta firmeza como na do gerenciamento e da relação entre pessoas. No entanto, também diz que, em nenhuma outra área, tais hipóteses são tão divorciadas da realidade e, portanto, tão contraproducentes. Elas se baseiam na ideia falaciosa de que haja uma única maneira correta de gerir as pessoas, mas grupos diferentes de trabalhadores devem ser gerenciados de maneiras diferentes e em ocasiões diferentes.

“Cada vez mais os ‘empregados’ precisam ser gerenciados como ‘parceiros’. E está na definição de parceria que todos os parceiros são iguais e que não se pode dar ordens a eles. É preciso persuadi-los.” Portanto, o gerenciamento de pessoas é, cada vez mais, um trabalho de marketing. Em marketing, não se parte da pergunta “O que nós queremos?”, mas questiona-se “O que quer a outra parte? Quais são seus valores? Quais são suas metas? O que ela considera resultados?”. Isso não envolve qualquer teoria específica de gerenciamento de pessoas.

“As pessoas têm de conhecer e compreender a estrutura organizacional na qual se espera que trabalhem”

Em Desafios Gerenciais para o Século XXI, Drucker revê os seguintes conceitos amplamente aplicados: 

• “Empregadas” e “subordinadas”. O autor explica que uma das hipóteses insustentáveis é a de que as pessoas que trabalham para uma organização sejam “empregadas” em período integral e dependentes da empresa para seu sustento e carreira. A outra é a de que quem trabalha para uma companhia é “subordinado”.

As pessoas que trabalham para uma organização ainda podem ser, na maioria, empregadas dela, mas uma crescente minoria –embora trabalhe para a empresa– não é mais composta de funcionários. Esses indivíduos trabalham para uma empresa terceirizada, são contratados em regime temporário ou são trabalhadores em período parcial. Cada vez mais, são profissionais autônomos que trabalham por um período contratual específico. Isso vale para as pessoas mais bem informadas e, portanto, para as mais valiosas para a empresa.

São, em escala crescente, os “trabalhadores do conhecimento”, não subordinados, mas “associados”. Terminado o estágio de aprendizado, eles precisam saber mais sobre seu trabalho do que o próprio chefe; caso contrário, serão desnecessários. Acrescente-se a isso o fato de os superiores hierárquicos de hoje não terem ocupado os cargos de seus subordinados, como acontecia até poucas décadas atrás.

Drucker acredita que o ponto de partida é gerenciar para o desempenho, em vez de gerenciar o trabalho das pessoas. Trata-se de uma redefinição de resultados. A meta é tornar as forças e o conhecimento de cada pessoa produtivos. “Talvez a produtividade do trabalhador do conhecimento se torne o centro do gerenciamento de pessoas, assim como o trabalho na produtividade do trabalhador braçal tornou-se o centro do gerenciamento de pessoas há cem anos”, explica. Isso exige uma hipótese muito diferente: pessoas não são gerenciadas, mas lideradas.

• Tecnologias e usuários finais. Outra hipótese insustentável é a que afirma que tecnologia e usuários estão na origem da ascensão da empresa e da economia modernas. O melhor exemplo disso é o da indústria farmacêutica, que veio a depender cada vez mais de tecnologias diferentes daquelas do laboratório de pesquisa farmacêutica. Ao contrário das tecnologias do século XIX, as do século XX não correm em paralelo, mas se cruzam constantemente. “Essas tecnologias externas forçam a indústria a aprender, adquirir, adaptar-se e mudar sua mentalidade ou mesmo seu conhecimento tecnológico.” 

O ponto de partida para a gerência não pode mais ser seus produtos ou serviços, tampouco o mercado e os usos finais conhecidos para esses produtos e serviços. Ele precisa ser aquilo que os clientes consideram valor. “E o que é valor para o cliente é sempre muito diferente do que é valor ou qualidade para o fornecedor. Isso se aplica tanto a uma empresa como a uma universidade ou a um hospital”, explica o autor. Em outras palavras, Drucker frisa que a gerência terá de ser baseada na hipótese de que nem a tecnologia, nem o uso final são pilares para a política gerencial, mas sim limitações a ela. As bases devem ser os valores do cliente e suas decisões sobre a distribuição de renda disponível. É por elas que as políticas gerenciais e a estratégia terão de começar. 

• Escopo gerencial definido legal e politicamente. A gerência, na teoria e na prática, lida com a entidade legal, o empreendimento individual. Comando e controle são legalmente definidos, porém não podem ser exercidos fora dos limites legais de suas instituições. “Há quase cem anos, tornou-se claro, pela primeira vez, que a definição legal não era adequada para gerenciar um grande empreendimento.” O autor cita o exemplo da participação da empresa manufatureira típica nos custos e receitas do processo econômico. Aquilo que o cliente paga raramente chega a 10% do total. No entanto, se o escopo da gerência for definido legalmente, será sobre essa parcela que o fabricante possuirá qualquer informação, e seria ela que ele poderia tentar gerenciar.

Drucker afirma que é preciso uma redefinição de escopo da gerência. “A gerência tem de abranger todo o processo.” Para ele, a nova hipótese sobre a qual a gerência, seja como disciplina, seja como prática, deve se basear é a de que o seu escopo não é o legal. Precisa ser operacional, abranger todo o processo e ser focado em resultados e desempenho ao longo de toda a cadeia econômica. O mesmo vale para a hipótese que defende que a economia doméstica, definida por fronteiras nacionais, fixa os limites para o empreendimento e o gerenciamento tanto para empresas como para não empresas. Mesmo indústrias tradicionais, como a automobilística ou a de seguros, não são mais organizadas dessa maneira.

Assim, gerência e fronteiras nacionais deixaram de ser congruentes. O escopo da gerência não pode mais ser politicamente definido. A nova hipótese precisa anunciar que as fronteiras nacionais são importantes, mas principalmente como restrições. A prática da gerência, e não apenas para empresas, terá de ser definida operacionalmente e não politicamente.

• Novo paradigma: empreendedorismo, gestão e desempenho. Todas as hipóteses tradicionais levam à conclusão equivocada de que o interior de uma organização seja o domínio da gerência. “Essa hipótese explica a totalmente incompreensível distinção entre gerenciamento e espírito empreendedor.” Na prática, essa distinção não faz sentido. Um empreendimento, uma empresa ou qualquer outra instituição que não inove nem se empenhe em espírito empreendedor não sobreviverá por muito tempo. Portanto, gerenciamento e espírito empreendedor são duas dimensões diferentes da mesma tarefa. “Um empreendedor que não aprender a gerenciar não durará muito, assim como uma gerência que não aprender a inovar.”

A gerência existe para o bem dos resultados de uma empresa. Ela é que vai tornar a instituição capaz de produzir resultados fora dela mesma. E isso requer um novo paradigma: a preocupação da gerência e sua responsabilidade são tudo o que afeta o desempenho da empresa e seus resultados, dentro ou fora, sob o controle da instituição ou totalmente além dele.

“Não é possível criar o amanhã, a menos que se jogue fora o ontem” 

Fundamentos da estratégia

Drucker afirma que a estratégia é o teste da teoria do negócio, e sua finalidade é capacitar a organização a atingir os resultados desejados em um ambiente imprevisível, uma vez que lhe permite ser intencionalmente oportunista. A incapacidade de produzir os resultados esperados, assim como sucessos inesperados, é a primeira indicação de que a teoria do negócio precisa ser redefinida ou repensada. 

Para o autor, só é possível identificar uma oportunidade se houver uma estratégia; caso contrário, não há como saber o que aproxima a empresa dos resultados desejados e o que é desvio e desperdício de recursos. Mas em que certezas pode se fundamentar a estratégia em um período de rápidas mudanças e total incerteza? Drucker responde que são cinco os fenômenos que podem ser considerados certezas. Contudo, não são essencialmente econômicos, e sim sociais e políticos.

  1. Queda da taxa de natalidade no mundo desenvolvido. Essa queda, além de fortes impactos políticos e sociais, terá grandes implicações econômicas e sobre as empresas, e algumas já podem ser exploradas e testadas. Qualquer comprometimento de recursos com base em expectativas futuras precisa começar pela demografia e pela queda da taxa de natalidade. “De todos os acontecimentos, esse é o mais espetacular, inesperado e sem precedentes”, afirma o autor. Em todos os países desenvolvidos, os mais velhos tornaram-se o grupo mais próspero. Seu número continuará a crescer, mas sua renda permanecerá nos mesmos patamares ou cairá? E o que significa para a economia e para as empresas a queda no número de jovens e, principalmente, de pessoas com menos de 18 anos? É apenas uma ameaça ou poderá ser uma oportunidade? A resposta a essas perguntas moldará o mercado de consumo nos países desenvolvidos e, com ele, toda a economia.
  2. Mudanças na distribuição de renda. As oscilações nas parcelas de renda, embora muito importantes, normalmente recebem pouca atenção. Drucker questiona por que as empresas e os setores mantêm o controle das cifras de suas vendas, mas praticamente desconhecem a parcela de renda disponível de seus clientes, sejam eles organizações ou consumidores finais. “As parcelas de renda disponível constituem a fundação de toda informação econômica e também a base mais confiável para a estratégia”, afirma ele. Como regra, o comportamento da distribuição da renda disponível para uso em uma categoria de produtos ou serviços tende a persistir por longos períodos e costuma ser impenetrável para o ciclo dos negócios. Por essa razão, existem poucas mudanças mais importantes para uma empresa do que uma alteração nessa tendência.
  3. Definição de desempenho. A ideia norte-americana de que as empresas deveriam ser dirigidas de acordo com os interesses dos acionistas no curto prazo não é mais sustentável, afirma Drucker. De outro lado, a futura segurança econômica de um número cada vez maior de pessoas depende de seus investimentos econômicos, de sua renda como proprietárias. Portanto, a ênfase no desempenho que beneficie os acionistas não vai desaparecer. Ao mesmo tempo, as empresas terão de satisfazer os interesses dos funcionários que trabalham com conhecimento ou, pelo menos, colocar esses interesses em posição tal que possam atrair e reter os funcionários que necessitam e torná-los produtivos. É preciso aprender a estabelecer novos parâmetros de desempenho. “Teremos de aprender como equilibrar resultados no curto prazo com a prosperidade no longo prazo e a sobrevivência da empresa.” Portanto, o desempenho deverá ser definido em termos não financeiros, para que tenha significado para os trabalhadores do conhecimento e gere compromisso por parte deles. E esse é um retorno não financeiro, um valor. A estratégia terá, cada vez mais, de ser baseada em novas definições de desempenho.
  4. Competitividade global. Todas as empresas devem fazer da competitividade global uma meta estratégica, afirma Drucker. “Nenhuma delas pode esperar sobreviver ou ter sucesso, a menos que esteja à altura dos padrões fixados pelos líderes em seu campo, em qualquer parte do mundo.” Para ele, não é mais possível basear o desenvolvimento corporativo ou de um país em mão de obra barata. “Por menores salários que pague, uma empresa –a não ser que seja pequena– tem pouca probabilidade de sobreviver ou prosperar, a menos que sua força de trabalho atinja rapidamente a produtividade dos líderes da indústria. Isso vale principalmente em manufatura”, destaca. A baixa produtividade dos funcionários põe em risco a sobrevivência de uma empresa, e os baixos custos da mão de obra não mais proporcionam uma vantagem que compense a baixa produtividade. Assim, a estratégia tem de aceitar um novo fundamento. Qualquer instituição –e não apenas as empresas– precisa medir-se em relação aos padrões estabelecidos pelos líderes de cada setor em qualquer parte do mundo.
  5. Incongruência entre globalização econômica e realidade política. A economia do mundo está cada vez mais globalizada e as fronteiras nacionais são impedimentos para os centros de custos das empresas. De outro lado, as fronteiras políticas não desaparecerão, e é pouco provável que unidades econômicas regionais, como o Mercosul ou a União Europeia, enfraqueçam fronteiras ou as superem. Portanto, existe uma verdadeira economia global de dinheiro e informação, mas há cada vez mais realidades nacionais e locais que são econômicas e, acima de tudo, políticas. A primeira regra para uma empresa no gerenciamento da incongruência entre realidade econômica e política é não fazer qualquer coisa que não satisfaça a realidade econômica. Além disso, se aquilo que parece uma oportunidade (como uma troca de favores por meio de suborno, por exemplo) não aproxima a instituição de sua meta estratégica, passa a ser um desvio. Drucker chama a atenção ainda para a questão da volatilidade e instabilidade das moedas. “Toda gerência terá de aprender a gerenciar sua exposição cambial, mesmo que não exporte ou importe”, declara.

As realidades trazidas pelo autor sobre os fundamentos da estratégia não dizem a uma empresa o que fazer e muito menos como. Elas levantam as perguntas às quais a estratégia tem de achar as respostas em cada organização. E há perguntas que até hoje a estratégia raramente ou nunca levou em conta. No entanto, ele afirma que, “a menos que uma instituição comece pela consideração dessas novas realidades, ela não terá uma estratégia nem estará preparada para os desafios que os próximos anos ou décadas vão levantar”. A não ser que esses desafios sejam enfrentados de maneira eficaz, nenhum empreendimento poderá esperar ter sucesso e, muito menos, prosperar em um período de turbulência, de mudanças estruturais e de transformações econômicas, sociais, políticas e tecnológicas. 

“As empresas e os indivíduos terão de aprender a organizar as informações como seu recurso-chave”

Liderando mudanças

Mesmo que todos aceitem que “mudanças são inevitáveis”, isso ainda implica que elas sejam como “morte e impostos”: imprevisíveis e adiadas o máximo possível. Drucker afirma que, em períodos de tumulto, as mudanças são a norma. “É claro que são dolorosas, arriscadas e requerem grande dose de esforço. Porém, a menos que se entenda que a tarefa da organização é liderar as mudanças, ela não sobreviverá.” Segundo ele, em períodos de rápidas mudanças estruturais, os únicos que sobrevivem são os líderes de mudanças.

Portanto, tornar-se líder de mudanças é um desafio central de gerenciamento para o século XXI. Esse líder vê as mudanças como oportunidades, sabe como encontrar as boas mudanças e como torná-las eficazes, fora e dentro da empresa. Isso requer:

• Políticas para criar o futuro.

• Métodos sistemáticos para buscar e prever mudanças.

• A maneira certa para introduzir mudanças, dentro e fora da empresa.

• Políticas para equilibrar mudanças e promover a continuidade.

Políticas de mudança

Drucker ensina que, para ser um líder de mudanças, é preciso disposição e capacidade para mudar aquilo que está sendo feito, bem como para fazer coisas novas e diferentes. Contudo, é necessária, também, a adoção de algumas políticas:

  1. Abandono do ontem. A primeira necessidade é liberar recursos, deixando de comprometê-los com a manutenção do que não mais contribui para o desempenho e não produz resultados. “Não é possível criar o amanhã a menos que antes se jogue fora o ontem.” Para o autor, deve-se sistematicamente abandonar o “o quê” e o “como”, embora essas nunca sejam medidas populares.
  2. Aperfeiçoamento organizado. Qualquer coisa que uma empresa faça, interna e externamente, precisa ser aperfeiçoada de maneira sistemática e contínua, a uma taxa anual prefixada: na maior parte das áreas, como têm mostrado os japoneses, uma taxa anual de aperfeiçoamento de 3% é realista e atingível. O autor ensina que aperfeiçoamentos contínuos em qualquer área acabam transformando a operação e levam a inovações nos produtos e serviços e a novos processos e negócios.
  3. Exploração do sucesso. Para serem líderes de mudanças, as instituições precisam focalizar oportunidades, matar de fome os problemas e alimentar as oportunidades. “As instituições que têm sucesso em ser líderes de mudanças certificam-se de alocar pessoal às oportunidades”, revela Drucker. Isso significa explorar os próprios sucessos e construir sobre eles.
  4. Inovação sistemática. Embora não seja a mais importante, essa é a área à qual mais atenção está sendo dada hoje. E a principal razão é que uma política de inovação sistemática produz a mentalidade para que a empresa seja líder de mudanças. “Ela faz com que a organização inteira veja mudanças como oportunidades.”
  5. Políticas contábeis e orçamentárias adequadas. Na maior parte das empresas, existe somente um orçamento, ajustado ao ciclo dos negócios. Em épocas boas, os gastos aumentam de forma generalizada, e vice-versa em épocas más. “Isso praticamente garante a perda do futuro”, adverte Drucker. O primeiro orçamento é o operacional, que mostra os gastos para manter o negócio (80% a 90% dos gastos totais). O líder de mudanças tem um segundo orçamento separado para o futuro, o qual permanece estável em épocas boas e más (10% a 12% dos gastos totais). “O orçamento para o futuro também deve incluir gastos para explorar o sucesso.”
  6. Continuidade. Mudança e continuidade não são opostas. As pessoas têm de saber onde estão e o que podem esperar da empresa. Para mudar rapidamente, é preciso manter relacionamentos próximos e contínuos também com fornecedores e distribuidores. “O equilíbrio entre mudança e continuidade requer um trabalho ininterrupto de informação, não pode haver surpresas.” Esse equilíbrio deve se basear em compensação, reconhecimento e recompensas.
  7. Criação do futuro. As mudanças de curso precisam se adequar às realidades. Contudo, dentro das restrições, o futuro é maleável, “ainda pode ser criado”. Drucker considera que criar o futuro é altamente arriscado, mas não tentar criá-lo é muito mais.

“A finalidade da informação não é conhecimento, é ser capaz de tomar as providências corretas”

Informação como recurso-chave

“É a informação que possibilita aos trabalhadores do conhecimento fazer seu trabalho.” Com essa afirmativa, Peter Drucker deixa claro que a informação é um recurso-chave para criar um elo cada vez maior entre os colegas de trabalho, a empresa e sua rede de relacionamentos.

Ele acredita que, para as tarefas da alta gerência, a tecnologia da informação (TI) foi até agora uma produtora de dados, e não de informações ou de novas e diferentes perguntas e estratégias. “Os altos executivos não têm usado a nova tecnologia porque ela não tem fornecido as informações que eles necessitam para suas tarefas.” Ninguém pode prover as informações de que precisam os trabalhadores do conhecimento, sobretudo os executivos, a não ser eles próprios. 

Drucker chama a atenção para a existência de um mercado para informações, que, no entanto, se encontra desorganizado. Ele analisa que, até agora, poucos executivos fizeram algum esforço para decidir o que necessitam e, menos ainda, como organizar esses dados. “Eles tendem a deixar que os produtores de dados tomem essas decisões por eles.” Mas quem produz os dados não pode saber que dados os usuários necessitam para, então, transformá-los em informações.

A verdadeira revolução da informação, afirma o autor, será conduzida não por pessoas de TI, mas por contadores e editores. “As empresas e os indivíduos terão de aprender a organizar as informações como seu recurso-chave.” Drucker relata que não há dois executivos que organizem as mesmas informações da mesma maneira. “Elas precisam ser organizadas do modo pelo qual cada um trabalha.” 

Um sistema de informação adequado deve levar os executivos a fazer as perguntas certas, não apenas a dar as informações que eles esperam. Isso pressupõe, em primeiro lugar, que eles saibam quais informações necessitam. Também requer que as obtenham de modo regular e que integrem sistematicamente as informações em suas tomadas de decisão.

Drucker pontua que começa a ser organizada a inteligência da empresa, isto é, as informações sobre concorrentes reais e potenciais em todo o mundo. Ele cita o exemplo de algumas multinacionais, como Unilever, Coca-Cola, Nestlé, algumas trading companies japonesas e umas poucas grandes empresas de construção, que têm se esforçado para montar sistemas para coletar e organizar informações externas. Em geral, porém, a maioria das empresas ainda precisa começar o trabalho. Isso está se tornando, rapidamente, o maior desafio de informação para todas as organizações.

Muitos executivos têm constatado que a única maneira de organizar as informações com eficácia é, simplesmente, fazer com que a pessoa seja informada a respeito de algo incomum. Uma das práticas utilizadas com esse fim é a “carta do gerente”, na qual as pessoas que trabalham com um gerente lhe escrevem uma carta mensal contando qualquer coisa incomum e inesperada dentro de suas esferas de trabalho e ação.

“A maior parte das coisas incomuns pode ser deixada de lado com segurança”, afirma o autor. No entanto, sempre existe um evento excepcional, aquele que está fora da gama normal de distribuição probabilística. E há uma concatenação de eventos insignificantes na área de cada relatório, mas significantes se somados. Drucker alerta que, muitas vezes, as cartas do gerente revelam um padrão ao qual se deve prestar atenção, porque transmitem informações. 

“A finalidade da informação não é prover conhecimento, é capacitar para que sejam tomadas as providências corretas.” Para que isso aconteça, os executivos precisam aprender duas coisas: eliminar dados que não estão ligados às informações de que precisam e organizá-los, analisá-los, interpretá-los para, então, focar as informações resultantes após essas ações.

Drucker ressalta que, no longo prazo, as informações externas podem ser as mais importantes que os executivos necessitam para seu trabalho. Elas constituem a base não apenas para ações corretas, mas também para os desafios da produtividade e do autogerenciamento.

“O autogerenciamento é uma revolução em assuntos humanos: requer que cada trabalhador do conhecimento pense e se comporte como um executivo principal”

A produtividade do trabalhador do conhecimento

O que a emergência do trabalhador do conhecimento e sua produtividade significam para a administração de uma empresa e para o futuro do sistema econômico?

Drucker avalia que, nos anos 1980 e 1990, os fundos de pensão e investidores institucionais tornaram-se os principais acionistas de empresas de capital aberto nos países desenvolvidos. Isso provocou, nos Estados Unidos, um grande debate sobre a administração das organizações. Com a emergência dos fundos de pensão e fundos mútuos como proprietários de empresas de capital aberto, o poder passou para eles. Segundo o autor, mudanças semelhantes na definição da finalidade das empresas e também de sua administração podem ser esperadas em outros países desenvolvidos. 

Ele afirma que, ainda assim, dentro de pouco tempo, vamos enfrentar novamente o problema da administração das corporações. “Teremos de redefinir a finalidade da organização empregadora e de sua gerência como sendo dupla, satisfazendo os proprietários legais e os trabalhadores do conhecimento.” A capacidade de sobreviver das empresas dependerá de sua vantagem comparativa em tornar produtivo o trabalhador do conhecimento. E a capacidade de atrair e reter os melhores trabalhadores do conhecimento é a primeira e mais importante precondição.

Isso, no entanto, pode ser medido ou é puramente intangível? Drucker diz que esse será um problema central para a gestão, os investidores e os mercados de capital. Afinal, o que significa capitalismo quando o conhecimento, e não o dinheiro, governa? E o que significam livres mercados quando os trabalhadores do conhecimento são os verdadeiros ativos? “Eles não podem ser comprados nem vendidos, não vêm com uma fusão ou aquisição”, pondera o autor. Para ele, é certa a questão de que a emergência do trabalhador do conhecimento e de sua produtividade vai, dentro de pouco tempo, provocar mudanças fundamentais na própria estrutura e na natureza do sistema econômico. 

A revolução do autogerenciamento

Drucker adverte que cada vez mais e mais pessoas precisarão aprender a se desenvolver e a permanecer jovens e mentalmente vivas durante uma vida profissional de 50 anos. Elas terão de aprender também como e quando mudar o que fazem e estar preparadas para mais de um emprego, mais de uma atribuição, mais de uma carreira.

“Os trabalhadores do conhecimento enfrentam demandas drasticamente novas”, afirma o autor. Eles precisam perguntar: “Quais são minhas forças?”, “Como trabalho?”, “Como aprendo?”, “A que lugar pertenço?”, “Qual é minha contribuição?”. Devem, ainda, assumir responsabilidade no relacionamento e planejar a segunda metade de sua vida.

O autor enumera angústias comuns da nova era e faz um chamado à ação:

  • “Quais são minhas forças?” Para a maioria das pessoas, conhecer suas forças era irrelevante há poucas décadas; nascia-se para determinada tarefa e certa linha de trabalho. Agora elas têm opções e precisam conhecer suas forças para saber a que lugar pertencem. A energia, os recursos e o tempo devem ser dirigidos para transformar alguém competente em um astro de desempenho.
  • “Como trabalho?” A minoria dos trabalhadores sabe como consegue que as coisas sejam feitas. A maioria nem tem ideia de que as pessoas trabalham de maneiras distintas. Elas trabalham de um jeito que não é o seu, isto é, um jeito que alguém lhes ensinou ou impôs, e isso praticamente garante o baixo desempenho. A maneira como alguém trabalha é individual, é sua personalidade.
  • “Como aprendo?” Em toda parte, as escolas são organizadas com base na crença de que há uma maneira certa de aprender e que ela é a mesma para todos. Isso, porém não é verdade. A maioria das pessoas sabe como aprende, mas não como agir de acordo com o conhecimento. E esse agir é a chave para o desempenho, bem como o inverso é condenar-se ao mau desempenho. 
  • “A que lugar pertenço?” Carreiras de sucesso não são planejadas. São carreiras de pessoas que estão preparadas para a oportunidade, porque conhecem suas forças, a maneira pela qual trabalham e seus valores. Saber a que lugar pertence faz com que uma pessoa comum –esforçada, competente, mas medíocre– tenha desempenho notável.
  • “Qual é minha contribuição?” Essa pergunta leva do conhecimento à ação. Os resultados devem ser significativos, fazer diferença, ser visíveis e, se possível, mensuráveis. Isso conduz às conclusões de ação: o que fazer, onde começar, como começar e que metas e prazos fixar. Responder a essa pergunta confere ao indivíduo, ao mesmo tempo, liberdade e responsabilidade.
  • “Como devo me relacionar?” As empresas não são mais construídas com base na força, mas sim em confiança. Portanto, assumir a responsabilidade no relacionamento é um dever, uma necessidade absoluta. Sempre que alguém for membro de uma organização, deve essa responsabilidade a cada um com quem trabalha, de cujo trabalho depende ou que dependa de seu trabalho. 
  • “O que faço depois?” Pela primeira vez na história humana, os indivíduos podem esperar sobreviver às organizações. Isso cria um desafio totalmente novo: o que fazer com a segunda metade da vida? Drucker afirma que é possível iniciar uma carreira nova, mantendo-se dentro do seu campo de atuação (por exemplo, deixando alguma função administrativa na indústria e assumindo função correlata no terceiro setor), ou ainda desenvolver uma carreira diferente em paralelo (por exemplo, dividindo-se entre o emprego de anos e uma atividade que requeira menor dedicação, talvez em uma organização não governamental). O autor também fala sobre os empreendedores sociais, que, após terem sido bem-sucedidos na primeira carreira, da qual gostam muito, já não extraem dela desafios. Buscam, então, o desafio de criar uma organização, normalmente sem fins lucrativos. O autor alerta que existe um requisito para gerenciar a segunda metade da vida: começar a criá-la muito antes de entrar nela.

O futuro da sociedade

Segundo Drucker, o autogerenciamento é uma revolução, pois requer que cada trabalhador do conhecimento pense e se comporte como um executivo principal. Também implica uma mudança de quase 180 graus nos pensamentos e ações de todos os trabalhadores do conhecimento, até mesmo os mais jovens. O autor avalia que o autogerenciamento fundamenta-se em duas realidades opostas: sobrevivência às organizações e mobilidade do trabalhador do conhecimento.

Para ele, a mais importante contribuição que a administração precisa fazer no século XXI é elevar a produtividade do trabalhador do conhecimento. “Os ativos mais valiosos de uma instituição do século XXI, seja empresa ou não, serão seus trabalhadores do conhecimento e sua produtividade.”

Drucker conclui afirmando que essa revolução ocorrerá em todos os países desenvolvidos e salienta: “Essas mudanças vão muito além do gerenciamento, vão além do indivíduo e sua carreira. Elas serão as verdadeiras construtoras do futuro da sociedade".

Janelas de oportunidade

Peter Drucker define inovação como um trabalho duro, que deve ser organizado como parte regular de cada unidade dentro da empresa e de cada nível gerencial. Isso requer uma política sistemática para buscar, cada seis ou doze meses, mudanças que possam ser oportunidades nas áreas que ele chama de “janelas de oportunidade”. São elas:

  • Os sucessos e fracassos inesperados da organização e de seus concorrentes.
  • Incongruências nos processos de produção e de distribuição ou no comportamento dos clientes.
  • Necessidades de processos.
  • Mudanças nas estruturas do setor e do mercado.
  • Mudanças demográficas.
  • Mudanças em significado e percepção.
  • Novo conhecimento.

Como descobrir de quais informações o executivo precisa

Em Desafios Gerenciais para o Século XXI, Drucker ensina que, para produzir as informações que necessitam, os executivos têm de começar pelas seguintes perguntas:

  • Que informações devo às pessoas com quem trabalho e das quais dependo? De que forma? E em que prazo?
  • De que informações eu preciso? De quem? De que forma? E em que prazo? 

O autor explica que essas duas classes de perguntas estão interligadas, mas são diferentes. “Que informações devo” vem em primeiro lugar, porque estabelece comunicações. Se estas não forem estabelecidas, não haverá informações retornando para os executivos. Segundo Drucker, o que torna as comunicações eficazes no local de trabalho é o fato de estarem focadas em algo externo à pessoa. “Elas devem focalizar uma tarefa e um desafio comuns, ou seja, o trabalho.” 

Ele afirma que os executivos que fizerem essas perguntas logo descobrirão que poucas das informações que necessitam provêm do sistema de informações da empresa. Algumas vêm da contabilidade, embora, em muitos casos, os dados contábeis precisem ser rearranjados para que sejam aplicados. “Muitas das informações que os executivos necessitam virão de fora da empresa e terão de ser organizadas separada e distintamente do sistema de informação interno.” O autor salienta que, se os indivíduos fizerem essas perguntas com seriedade, logo passarão a entender o que necessitam e, então, poderão organizar as informações.

Como a GE organizou suas informações

Desde que Jack Welch assumiu como CEO, em 1981, a General Electric (GE) criou mais riqueza do que qualquer outra companhia do mundo. Um dos principais fatores que levaram a esse sucesso foi o fato de a empresa ter organizado as mesmas informações de desempenho de cada uma das unidades de negócios de modos diferentes para finalidades distintas. Ela manteve os tradicionais relatórios financeiros e de marketing e organizou os mesmos dados para a estratégia de longo prazo, para mostrar não só sucessos e fracassos inesperados, mas também onde os eventos reais diferiam de maneira substancial daquilo que era esperado. A GE também organizou os dados de modo a focar o desempenho inovador do negócio, o qual se tornava importante fator na determinação da compreensão e dos bônus do gerente-geral e do pessoal gerencial de uma unidade de negócios. Os dados foram organizados para mostrar como a unidade de negócios e sua gerência tratavam e desenvolviam o pessoal –informação que passou a ser fator-chave na decisão sobre a promoção de um executivo e do gerente-geral de uma unidade de negócios. 

Fatores de produtividade

Drucker apresenta seis importantes fatores que determinam a produtividade do trabalhador do conhecimento:

  1. A resposta adequada à pergunta: “Qual é a tarefa?”.
  2. O autogerenciamento e a autonomia (a responsabilidade pela produtividade deve ser dos próprios trabalhadores do conhecimento).
  3. A inovação continuada como parte do trabalho, da tarefa e da responsabilidade.
  4. O aprendizado e o ensino contínuos.
  5. A qualidade da produção, que, no mínimo, é tão importante quanto a quantidade produzida.
  6. O tratamento do trabalhador como um ativo que deseja trabalhar para a empresa.