Algumas empresas pioneiras vêm mudando a essência de seu modo de se conectar com os diversos atores de seu “ecossistema”: funcionários, clientes, sócios, fornecedores, acionistas, investidores, organismos governamentais, cidadãos. Dando-se conta de que, para criar vínculos, é necessário ter uma mensagem que apele mais ao emocional do que ao racional, vêm recorrendo sistematicamente ao storytelling para fazer marketing, liderar, divulgar resultados, capacitar funcionários e parceiros, estimular o aprendizado, informar uma contratação ou uma promoção –e também uma demissão–, apresentar-se a potenciais investidores, firmar acordo com um novo sócio.

Para essas companhias, a narrativa corporativa já se tornou uma ferramenta comum –e multiuso. Apesar disso, duas aplicações têm sido privilegiadas na prática:

Comunicar a identidade corporativa.

 Hoje é imperativo que as organizações invistam mais tempo, imaginação e recursos em criar uma narração corporativa. Esse é, precisamente, um dos achados centrais do estudo realizado em 2011 pela agência londrina BergHind Joseph com empresas listadas no ranking Fortune 500 de empresas globais. O bombardeio constante de mensagens de marca nas caixas de e-mail e também da publicidade tradicional gera raiva e frustração nas pessoas, que muitas vezes optam por se desconectar desses conteúdos. O que elas querem é escolher quando e onde receber informação, e os sites corporativos são, cada vez mais, o espaço capaz de satisfazer essa expectativa.

Não pode ser qualquer tipo de site, contudo. Precisa ser atraente para o usuário, oferecendo-lhe conteúdos (histórias) relevantes. IBM e Panasonic são exemplos de empresas que começaram a utilizar seus sites intensamente para informar o público sobre a maneira como estão abordando desafios globais como o desenvolvimento econômico, o envelhecimento populacional, a mudança climática e a rápida urbanização. Nestlé, Unilever e General Electric, por sua vez, comunicam por essa via seu compromisso com a sustentabilidade, entendido como uma oportunidade de negócios.

Os pesquisadores da BergHind Joseph explicam que as melhores empresas estão procurando construir narrações que lhes permitam recuperar o controle de suas histórias. Diante de uma internet que fragmenta o conhecimento e transforma os usuários em autores e editores da informação, elas sabem que devem recuperar o papel de narradores, de modo que possam oferecer-lhes um relato coerente e, ao mesmo tempo, cativante. Os sites corporativos são o canal adequado para comunicar esse relato, mas só na medida em que consigam transmitir uma experiência simples e prazerosa, que dê motivos para que repitam a visita.

Impulsionar um novo tipo de liderança. 

Paul Smith, especialista em storytelling corporativo, sustenta em Lead with a Story: A Guide to Crafting Business Narratives That Captivate, Convince, and Inspire (ed. Amacon), publicado em 2012, que histórias constituem uma das mais importantes técnicas de liderança e que é possível aprender a utilizá-las com naturalidade e quase sem esforço em todas as áreas de trabalho. Muitas das organizações mais bem-sucedidas do planeta já estão fazendo isso, e as possibilidades são enormes. Algumas criaram o cargo de “contador de histórias corporativo”, dedicado a captar e compartilhar as histórias institucionais mais importantes. Na Nike, todos os executivos seniores têm de ser contadores de histórias. Outras companhias, como Kimberly-Clark, 3M, Motorola e Procter & Gamble (P&G), ensinam sistematicamente habilidades de storytelling a seus executivos, porque, como destaca Smith, isso não faz parte dos conteúdos oferecidos nas escolas de negócios.

A Kimberly-Clark apresentou seminários de dois dias para mostrar seu programa de 13 passos destinado a criar uma história e estruturar apresentações. A 3M proibiu há alguns anos as frases com itens e as substituiu por um processo de escrita de narrativas sobre estratégia, enquanto a P&G contratou diretores de cinema de Hollywood para capacitarem seus gestores seniores nas técnicas de contar histórias.

Algumas empresas fomentam essa prática em entrevistas formais. A EPA (sigla em inglês de agência de proteção ambiental), dos Estados Unidos, por exemplo, filmou entrevistas com executivos sobre temas como liderança da mudança, conquista de resultados e construção de coalizões. O resultado foi um vídeo de 18 minutos no qual são apresentadas dez histórias de grande valor para a instituição.

A P&G, por sua vez, contratou jornalistas e escritores para entrevistarem executivos atuais e antigos a fim de coletar histórias inspiradoras. Smith garante que as pessoas estão bastante dispostas a ser entrevistadas para propósitos semelhantes, já que, quando conseguem ouvintes, ficam encantadas em contar sua própria história.

Outras companhias, temerosas de não conseguir lembrar-se das histórias quando precisarem, imprimem-nas em forma de livro e as distribuem entre seus funcionários. Armstrong International, P&G e General Electric implementaram essa prática.

Captação de histórias

Uma das barreiras enfrentadas por quem quer praticar o storytelling é não saber onde encontrar boas histórias. A resposta é simples: os relatos que as pessoas –funcionários e stakeholders em geral– fazem sobre uma lição inesperada ou uma nova maneira de ensinar uma lição são a fonte mais rica de histórias, e algumas organizações já sabem aproveitá-los.

A P&G contratou diretores de cinema de Hollywood para treinar seus gestores seniores nas técnicas de contar histórias

É o caso da Mary Kay Cosmetics, que normalmente pergunta a suas vendedoras, por e-mail, como sua vida se enriqueceu ao trabalhar para a empresa. Assim, obtém uma infinidade de grandes histórias.

Outra estratégia para gerar e reunir histórias foi o concurso que a divisão de serviços corporativos globais da P&G realizou em junho de 2011, com o propósito de comemorar a diversidade e a inclusão na companhia: os 7 mil funcionários da organização foram convidados a participar de um inusitado concurso de histórias sobre como a diversidade estava fazendo parte de sua vida. A empresa ofereceu apoio para a gravação e edição dos vídeos dos candidatos e estimulou todos os interessados a registrar sua experiência pessoal.

Por fim, participaram do concurso mais de 200 funcionários, provenientes das diferentes regiões nas quais a P&G tem presença, e os vídeos foram publicados na intranet da empresa para que todos pudessem vê-los. Então, foram submetidos a votação. O que o concurso mostrou é que a maioria das pessoas tem uma história para contar e que, no âmbito profissional, muitas vezes a única coisa necessária é estimulá-las a fazê-lo.

As sessões de narração de histórias são outra estratégia que as empresas podem adotar para fomentar a arte do storytelling no trabalho. É o que faz trimestralmente a agência de publicidade global Saatchi & Saatchi. A dinâmica é a seguinte: 20 funcionários de diversas localidades, que não se conhecem nem trabalharam juntos, são reunidos. À metade deles pede-se que compartilhem uma história sobre como inspiraram alguém no trabalho; à outra, que contem histórias de como foram inspirados e por quem.

Esses espaços de encontro não apenas permitem coletar relatos, como também ajudam a empresa a fomentar a escuta de cada um, a fim de que aprenda sobre a visão e as experiências dos demais e reflita sobre o papel que todos ocupam no local de trabalho.

Storytelling de marketing 2.0

As redes sociais oferecem ferramentas valiosas para aplicar o storytelling à criação de mensagens de marca. A jornalista Rachel Lamb analisa, em matéria publicada na Luxury Daily em março de 2012, a maneira como empresas que comercializam produtos de luxo, como Burberry, Louis Vuitton, Tiffany & Co. e Lexus, utilizam a nova linha do tempo do Facebook para gerar histórias atraentes a seus fãs.

Ao oferecer imagens de tamanho grande e uma interface de navegação mais fácil para o usuário, a linha do tempo permite que as empresas mostrem uma trajetória de sua história na extensão que desejarem e é a ferramenta perfeita para as marcas de luxo. Na Luxury Daily, Ron Schott, estrategista sênior da agência de mídias sociais Spring Creek Group, destaca que uma das vantagens mais importantes da linha do tempo do Facebook é que dá às marcas a oportunidade de se concentrarem na história da empresa desde o começo, e não só desde que ingressou na rede social.

“O tamanho e o posicionamento das imagens proporcionam aos usuários uma experiência mais parecida com a de uma revista do que com a de um site, aproximando-os dos produtos e abrindo as portas para a criatividade”, reflete Schott.

As companhias de luxo começaram a utilizar a linha do tempo de maneiras diferentes. A Burberry é uma que a usa para conectar-se com os consumidores pelo código da cultura pop: um exemplo é a foto que publicou do ator Humphrey Bogart vestindo um impermeável da marca no filme Casablanca, de 1942. Os usuários podem navegar pela linha do tempo e encontrar diversos filmes nos quais os atores utilizam roupas e acessórios fabricados pela empresa.

No caso da Louis Vuitton, os clientes têm acesso aos grandes marcos da história da marca, como a abertura da primeira loja, em 1859, enquanto a Tiffany se vale da linha do tempo para mostrar suas coleções de joias antigas. “A história é algo que acompanha a maioria das marcas de luxo”, explica Schott. “Empresas como a Burberry e outras adquirem relevância, entre outros fatores, por existirem há muito tempo.”

De qualquer modo, os especialistas advertem sobre a importância de utilizar com consciência essa ferramenta do Facebook, refletindo previamente sobre a estratégia que faz mais sentido para a marca e os fãs, ansiosos por entrarem nessa conversa.

O especialista em marketing criativo Duke Greenhill também menciona a Burberry em uma matéria publicada na revista Fast Company em novembro de 2012. Analisa ali o valor de um relato pela perspectiva da marca e define a empresa como campeã de storytelling de marca interativo. Conta que, desde 2008, quando a Burberry começou a implementar campanhas digitais baseadas em histórias, o preço de suas ações aumentou mais de 750%.

Impacto visual na audiência

A narração de histórias como ferramenta organizacional pode assumir diferentes formatos e ser transmitida por diversos canais, mas é fundamental que os veículos se adaptem à intenção da mensagem. O estrategista digital Justin Golsborough enfatiza, por exemplo, que as marcas começaram a incorporar uma narrativa visual a sua estratégia de marketing. Ele está convencido de que as pessoas respondem mais aos estímulos visuais do que aos simples relatos escritos. “Já não basta tuitar ao vivo de uma conferência ou evento corporativo”, afirma. “Os clientes agora estão dizendo: ‘Não se limitem a me contar, me mostrem’. E as marcas os estão ouvindo.”

Segundo a especialista em mídia social Ekaterina Walter, a boa notícia é que o storytelling visual não é caro. “Os consumidores não esperam um conteúdo visual de altíssima qualidade”, diz. “Querem apenas histórias narradas de modo visual que os estimulem, envolvam, iluminem e entretenham.”

Entre as empresas que utilizam imagens como recurso narrativo para informar e cativar os usuários, Walter destaca a General Electric, que, por meio da plataforma de microblog Tumblr, oferece fotografias e vídeos que ilustram os avanços tecnológicos da companhia.

As imagens da General Electric são populares porque contam uma história, explica Walter. Cada imagem explora algo novo ou interessante sobre a tecnologia, e os usuários respondem entusiasmados. Não é preciso contratar um fotógrafo profissional ou um especialista em retoque digital. A internet, por meio de sites como o Instagram, disponibiliza ferramentas para transformar uma simples imagem em uma narrativa atraente, mesmo quando se trata de inovações no terreno da ciência ou da tecnologia. Além disso, são imagens que os usuários podem comentar e compartilhar em suas próprias redes sociais.

Profissionais tomam a iniciativa

A iniciativa do storytelling não vem cabendo só às empresas; profissionais individuais são cada vez mais ativos nesse movimento. Dois casos brasileiros são compartilhados por Joni Galvão, sócio da Soap, empresa especializada em apresentações de alto impacto: um é o de Ricardo Amorim, economista bastante conhecido do público por sua participação no programa televisivo Manhattan Connection, do canal GloboNews; outro, o de Ricardo Diniz, ex-presidente da Thomson-Reuters no Brasil e atual vice-chairmain do Bank of AmericaMerrill Lynch.

Ricardo Amorim precisava montar uma palestra em que falasse menos economês e a Soap lhe produziu um personagem fictício, Ching Lee,que vivia na China e tinha o desejo de deixar sua vida no campo e conquistar o mundo. “Ching Lee representava a China e sua ida ao mundo correspondia à entrada do país na Organização Mundial do Comércio. Ricardo narrou a trajetória de Ching Lee contando que sua iniciativa deixou o mundo de cabeça para baixo, trazendo ameaças e oportunidades para a audiência”, conta Galvão.

Ricardo Diniz foi convidado por universidades a dar palestras sobre sua experiência de gestor e, para ele, a Soap criou o Jogo da Vida, um jogo de tabuleiro metafórico, em que ele atravessava etapas mudando de um Clue (ou Detetive) para um Banco Imobiliário e, então, para um War. “Quando foi procurar estágio em uma empresa, a primeira tarefa de Diniz foi cadastrar seus ativos, e nela estava embutida uma missão: descobrir quem fazia o que e como o fazia. Quando conheceu a companhia de A a Z, mudou para o Banco Imobiliário, a fim de ganhar mais dinheiro, porém viu que, se alguns ganhavam muito, outros perdiam tanto quanto. E quis buscar outro jogo para realizar um sonho: trazer a agência noticiosa Reuters para o Brasil; escolheu jogar War. E assim a história se desenvolveu até chegar ao clímax, com a saída dele da empresa e o início de uma nova história”, explica o especialista da Soap.

Satisfazer necessidades humanas

Como lembra a autora e consultora Annette Simmons, o objetivo final de empresas e gestores ao comunicar-se com quem quer que seja nunca é a comunicação em si, mas a “satisfação das necessidades humanas”. Para tanto, nada melhor do que histórias que levem as pessoas a se sentir reconhecidas, conectadas e menos sozinhas.

Os jovens adultos se sentiram reconhecidos nas histórias contadas pela companhia de cruzeiros marítimos Royal Caribbean, por exemplo, quando esta, em 1999, decidiu atuar no mercado brasileiro. Era preciso rejuvenescer a imagem dos navios, desgastada e associada a aposentados, e a X Comunicação, especializada em comunicação corporativa, tratou de fazê-lo por meio de um trabalho combinado de assessoria de imprensa e relações públicas baseado em storytelling e ligado a temas pouco explorados pela indústria do turismo, como entretenimento, moda, tecnologia, gastronomia e cultura. “O resultado foi um crescimento de receita de 900% em dez anos, taxa de ocupação média de 99% nos navios da companhia no Brasil e forte demanda dos jovens adultos”, resume Viviana Toletti, diretora-executiva da X Comunicação.

Ao lado dos sites corporativos, as redes sociais têm possibilitado narrativas corporativas de grande utilidade ao marketing

O storytelling visual tem sido cada vez mais utilizado; um exemplo são as fotos e vídeos da General Electric no Tumblr