Eles têm mentalidade de “turnaround”. Sempre que entram nas organizações adquiridas, os empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira chegam para promover uma virada. Como Marcel deixou claro a HSM Management, “no mundo inteiro há empresas estáveis, antigas e bem-sucedidas que poderiam melhorar muito; fazer um projeto de turnaround em uma delas é um desafio bastante atraente“. O leitor percebe o que eles fazem? Apropriam-se do conceito “turnaround” para virá-lo de ponta-cabeça; em vez de se referir a negócios doentes que precisam ser sanados, no universo 3G ele remete a deixar maior e mais lucrativo o que já vai bem.

O expertise para isso –baseado em eficiência, além de gente e cultura, como diz Marcel– eles começaram a desenvolver no final dos anos 1980. Aprenderam na prática em uma empresa não tão saudável: a Brahma tinha problemas internos e o setor padecia de problemas estruturais sérios, entre os quais falhas inadmissíveis de distribuição. Como comenta o consultor Vicente Falconi, “se o Steve Jobs fosse mexer com cervejaria e enfrentasse o que o Marcel enfrentou, talvez não fosse tão bem-sucedido”.

De lá para cá, esse expertise só aumenta; eles já obtêm mudanças expressivas no desempenho das companhias em cinco anos, que é basicamente o tempo tido como padrão para pessoas mudarem. E talvez isso ainda se acelere. Como afirma João Castro Neves, presidente da Ambev, “a gente quer fazer as coisas cada vez mais rápido; se eu implemento alguma coisa um ano antes que o meu competidor, é dinheiro que está entrando um ano antes do que deveria entrar”.

Esse terceiro alicerce do modelo de gestão inovador da 3G Capital é o framework de eficiência que complementa a cumplicidade dos sócios e a priorização de pessoas e cultura destacados nos artigos anteriores. Para ser elaborado, sofreu influência direta do consultor Vicente Falconi, segundo o qual só três coisas são essenciais ao sucesso corporativo.

1. Liderança em campo

“O primeiro elemento é liderança”, diz Falconi. “Geralmente, as pessoas têm uma ideia errada do que seja isso, achando que é algo que depende de uma pessoa. O que a empresa precisa fazer é criar condições de liderança: ao recrutar e selecionar a equipe de modo a ter os melhores profissionais do momento, ao educar e treinar à exaustão, ao criar um bom clima na empresa, ao valorizar muito o lado humano.” Isso é exatamente o que fazem a AB InBev e outras empresas sob a influência da 3G, como se viu na reportagem anterior. Os executivos do grupo, no entanto, também têm instruções para os líderes em sua carta de princípios:

  • A liderança pelo exemplo pessoal é o melhor guia para nossa cultura. Fazemos o que dizemos.
  •  Atitudes e ações são mais poderosas que palavras.
  •  Somos todos embaixadores e multiplicadores da cultura. Isso significa que somos todos atenciosos, humildes, enérgicos e com senso de urgência.
  • Nada substitui a presença do líder; sempre que possível, vamos aonde as coisas acontecem, a campo, para gerenciá-las.

Como exemplifica Castro Neves, “o Carlos Brito, que hoje é CEO mundial do AB InBev, sempre gastou e continua gastando um tempo desproporcional indo a campo”. E a humildade, por sua vez, é notável em um país como o Brasil, onde se encontra um número razoável de pessoas com sinais aparentes de riqueza. Quem observa isso é Cristiane Correa, que pesquisou bastante o ecossistema em torno dos empresários para escrever o livro Sonho Grande: “Muita gente que trabalhou e enriqueceu nas empresas deles realmente comprou helicópteros, jatinhos, Ferraris, casas suntuosas. Mas, mesmo quando isso acontece, o velho princípio da discrição costuma prevalecer. Por mais milionários que estejam –e por mais que tenham acesso a uma infinidade de bens materiais–, eles evitam aparecer em colunas sociais ou revistas de celebridades”.

Jim Collins, por sua vez, reforça que a humildade, ao lado de boa vontade (algo como ser atencioso e, ao mesmo tempo, enérgico e com senso de urgência), é o que diferencia o mais avançado tipo de líder, o “líder nível 5”. Esse arquétipo reúne as capacidades individuais, de equipe, de gestão, de liderança e é humilde. Cai como uma luva no conjunto de conceitos inspirados por Jorge Paulo, Marcel e Beto.

2. Conhecimento técnico “boina verde”

O segundo grande fator de sucesso é o conhecimento técnico do negócio, às vezes deixado em segundo plano na mídia especializada em administração, mas extremamente relevante. Falconi o ilustra com a Brahma: “Lembro-me de que, na Brahma ainda, nós tivemos um programa chamado ‘Boinas Verdes’: decidimos ter o melhor conhecimento do mundo da fabricação de cerveja, então trouxemos os 18 melhores cervejeiros aposentados do mundo, de diversos países. Pusemos cinco engenheiros brasileiros com cada cervejeiro top. Foi um programa de grande sucesso na empresa, porque certos conhecimentos só se adquirem por meio das pessoas –não adianta procurar em sala de aula”.

Como Marcel disse a HSM Management, “existem em inglês dois verbos bons de conjugar juntos: ‘exploit’ –buscar a eficiência máxima naquilo que existe– e ‘explore’ –estar atento a novas fronteiras e oportunidades de inovação. Nós executamos e inovamos permanentemente”. É no “explore” que o conhecimento técnico pesa muito. Segundo o empresário, só no mercado de cervejas, há muitas oportunidades de inovação em embalagens e no próprio líquido, além de inovações que podem atender a ocasiões diversas de consumo e a diferentes perfis de consumidor.

3. Método (ou disciplina)

Administração por objetivos, reengenharia e até estratégia; todos esses nomes são no fundo uma coisa só: método. Quem o afirma é Falconi e, por mais controverso que pareça, funciona assim mesmo na visão dele e da 3G. “Em grego, método é a soma das palavras ‘meta’ e ‘hodós’. ‘Meta’ é o resultado a ser atingido e ‘hodós’, o caminho para atingi-lo. Você gerencia para conseguir resultados e, sabendo o caminho, será uma gestão muito melhor”, simplifica o principal consultor brasileiro da 3G. As decisões tomadas com método baseiam-se em verdades mostradas na análise dos dados e fatos. Só que, conforme Falconi, as empresas preferem trabalhar com opiniões a com verdades na maioria das vezes.

E qual é a sequência de ações do método? Qual é adotada, por exemplo, na Ambev? Os estágios são sempre os mesmos. O ponto inicial costuma ser o estabelecimento da meta, definida com rigor e não aleatoriamente, o que lhes confere um foco absurdo a tudo –foco, aliás, é a característica deles que mais chama a atenção no sócio na Heinz, Warren Buffett. Quem explica é Castro Neves: “É muito fácil você ter vontade de fazer 10 a 15 coisas bem-feitas, mas, no mundo real, você acaba conseguindo fazer só três coisas. A gente está sempre reduzindo o número de ideias e uma simples pergunta nos ajuda nisso: ‘Quais são as três coisas mais importantes que você tem para dizer?’”.

O segundo passo é propor e executar um plano de ação, e exige acompanhamento pessoa por pessoa e ação por ação, para que possa haver segurança.

O terceiro estágio é o de controlar se todas as ações previstas foram implementadas de fato e, no final, confirmar se o resultado projetado foi alcançado. “Se a meta foi atingida, ainda não é hora de descansar, como muita gente pensa. Vem a quarta fase, que é a de padronizar. Significa treinar à exaustão as pessoas relacionadas com aquilo que está sendo feito –o novo conhecimento adquirido– e deixar o registro. Quer dizer padronização, rotinas. Posso afirmar que quase ninguém faz isso para valer, no Brasil e no exterior”, observa Falconi. E, se a meta não tiver sido atingida, comenta ele, também há uma quarta fase: rever toda a sequência do método a fim de descobrir o que saiu errado e poder começar de novo.

Nos dias de hoje, quando praticamente todas as empresas de certo porte têm sistema do tipo ERP (que estoca todas as informações necessárias), as análises do método se tornaram muito acessíveis. Não há mais a desculpa do custo ou tempo proibitivo, segundo Falconi; o que falta mesmo é a decisão de usar o método. “O problema é que as empresas não se prepararam para interpretar e analisar essas informações; as pessoas nem acessam os terminais. É como se tivessem uma mina de ouro e não soubessem extraí-lo”, queixa-se Falconi.

Na cultura 3G, as pessoas certamente acessam os terminais. Não se pode dizer que 100% delas tomem 100% de suas decisões com método, porque isso talvez seja inexequível, mas devem ter um índice alto de uso, perto dos 70%. O que ajuda, nesse caso, é justamente a cultura, diz Falconi. “As pessoas têm de achar, naturalmente, que é a análise que funciona”, explica o especialista.

Essa regularidade do método, com suas rotinas, recebe outro nome na boca de Jim Collins: disciplina. Com base em seu último estudo, ele afirma que a habilidade mais importante de um gestor é a capacidade de identificar e permanecer na “marcha das 20 milhas por dia”, que seria a velocidade constante, nem muito rápida nem muito lenta, na qual a organização avança.

Collins reconhece essa disciplina incansável no trio Jorge Paulo-Marcel-Beto e, de fato, ela aparece explicitada nos princípios organizacionais: “Disciplina é fundamental em tudo que fazemos. Sistemas para avaliar desempenho, indicadores-chave de desempenho (KPIs, na sigla em inglês) e o método PDCA (Planejar/Executar/Verificar/Reagir, na sigla em inglês) são muito importantes”. Também é a isso que Falconi se refere quando fala em acompanhamento e controle.

Facilitadores 3G

Ao longo dos anos, os empresários da 3G Capital e seus gestores aprenderam que duas medidas funcionam particularmente bem como facilitadores da eficiência:

• Aprenderam que “começa-se a trabalhar com quem quer trabalhar” e “atacam-se primeiro as frutas mais baixas e maduras”. “São regras simples, mas dão resultado”, afirmam Falconi e Marcel.

• Inspirados por pessoas como Sam Walton e, talvez, Konosuke Matsushita, da Panasonic, converteram-se em uma organização “lean” à brasileira. “Não há mal em ser uma empresa enxuta; assim nos sobram mais recursos para investir e incrementar vendas. Empresas enxutas eficientes sobrevivem mais facilmente a tempos difíceis”, lê-se na explicação de um dos dez princípios da AB InBev. Eles se assumem como fanáticos por cortar custos, argumentando que estes crescem como nossas unhas.

Não há dúvida. O modelo de gestão 3G é obcecado por eficiência e por resultados. Mas, assim como Jim Collins escreve pensando que será lido daqui a 100 anos, eles pensam longe.

Com o modelo gente-cultura--eficiência, eles obtêm mudanças significativas nas empresas em cinco anos

O FRAMEWORK DE FALCONI

Vicente Falconi (na foto) insiste com a AB InBev, desde os tempos da Brahma, que só existem três fundamentos para a gestão bem-sucedida de uma organização. Ele é chamado para catequizar os funcionários nesse sentido e diz receber todo o apoio dos líderes para ser 100% franco.

Método

  • Definir metas
  • Definir o caminho para alcançá-las por meio da análise
  • Garantir a execução
  • Medir/controlar/monitorar
  • Padronizar

Conhecimento técnico

Buscar no mercado

  • Cultivar internamente
  • Desenvolver por meio de pesquisa e inovação

Liderança

  • Ter os melhores
  • Treinar à exaustão
  • Criar bom clima de trabalho
  • Ser generoso com quem merece

4x Finanças, por Marcos Braga

O leitor pode ter certeza: se a margem Ebitda das companhias em que Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira são acionistas estiver abaixo da esperada, de nada adianta ser um grande líder, ter conhecimento técnico, seguir à risca o método. É claro que, em geral, a margem Ebitda acompanha a fórmula liderança-conhecimento-método, mas minha intenção aqui é investigar as mentalidades.

Ebitda é a sigla em inglês de lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização e sua margem, em percentual sobre o faturamento, constitui, talvez, a mais avançada e interessante das métricas financeiras à disposição das empresas, por indicar seu potencial de geração de caixa. Mas, se cobra desempenho dos funcionários a partir de uma medida financeira, a gestão 3G motiva seu bom desempenho com ferramentas financeiras também. Jorge Paulo nos disse em entrevista que, além de receberem um salário competitivo no mercado, seus profissionais têm uma possibilidade de participar dos lucros superior ao que as demais empresas oferecem e também uma oportunidade de adquirir ações superior à média praticada no Brasil.

E admita-se: eles souberam desenhar como poucos um programa de stock options, pois torna mais eficaz a gestão de recursos humanos. Em vez de seguirem o modelo norte-americano, em que o funcionário exerce a opção quando quer –e fica observando se o papel subiu ou caiu na bolsa para fazê-lo–, a pessoa tem de optar por comprar ações em dado momento, ainda que em condições ótimas, e só pode realizar os benefícios da compra após cinco anos, o que a obriga a um compromisso de longo prazo com a empresa.

A gestão 3G ainda se apoia nas finanças ao declarar que gosta das cobranças de curto prazo que o mercado de ações lhe faz, o que, segundo Marcel Telles, deixa-os constantemente alertas e na busca do caminho certo.

Por fim, um dos livros de cabeceira de Marcel, com que ele presenteia os líderes de seus negócios, é financeiro: Dobre seus Lucros, de Bob Fifer (ed. Agir). Trata-se de um manual draconiano de corte de custos, com conselhos polêmicos como “estabelecer orçamentos arbitrários e não negociáveis”, “planejar uma economia de 15% na compra de produtos e de 30% na contratação de serviços”, “eliminar todos os administradores e gerentes dispensáveis” ou “evitar reuniões fora da empresa” (porque custam dinheiro e afastam as pessoas das atividades produtivas). Em minha visão, e na de estudiosos como Jeffrey Pfeffer, de Stanford, a disciplina de custos baixos (não as grandes reestruturações de custos) tende a ser uma das maiores armas competitivas de qualquer empresa.

A transferência dessa visão financeira a setores não financeiros explica, de fato, muito da metodologia de gestão 3G, na melhor das cartilhas de gestão pós-moderna.

O espaço da intuição

Em uma de suas entrevistas a HSM Management, Jorge Paulo Lemann negou que fosse um homem de coragem. “Corajoso é o covarde sem opção [risos]”, disse ao CKO José Salibi Neto.

O assunto surgira a propósito da revisão de três fusões/aquisições que fez com os sócios: a das Lojas Americanas, no primeiro takeover da Bolsa de Valores de São Paulo, em um setor que lhe era desconhecido e com um cenário inflacionário assustador; a da Brahma, às vésperas da eleição de Collor –seguida, como se sabe, de um confisco de dinheiro generalizado; e a que gerou a InBev com os belgas da Interbrew, dividida meio a meio –o que, em geral, não dá certo, ainda mais com duas culturas tão diferentes.

Tudo isso revela, é claro, a disposição do trio 3G de correr riscos, já destacada neste Dossiê, mas também pode ser analisado do ponto de vista da combinação entre análise e intuição. Jorge Paulo declara que vem mudando nesse aspecto: “Antes essas decisões eram tomadas com 80% de feeling e 20% de estudo, mas hoje a proporção talvez seja cinquenta-cinquenta. Agora, eu não gostaria de ir, em absoluto, na direção de 90% de estudo e 10% de feeling”.

O empresário confirma que, apesar de ter passado a depender mais de um processo formal, apoiando-se crescentemente em estudos, projeções e opi­niões variadas, sabe que riscos se correm com base em sentimentos e não em análises profundas. “Aquilo que você sente na barriga vale tanto quanto aquilo que está no papel e lhe dou um exemplo: se tivéssemos feito o due diligence adequadamente no caso da Brahma, nunca a teríamos comprado. Só que essa empresa fez toda a diferença na história dos nossos negócios.”

A adoção do método não desautoriza o emprego da intuição, como se pode deduzir apressadamente. Vicente Falconi é quem o explica: “A intuição faz parte do método, só não pode substituí-lo –senão, daqui a pouco todo mundo vira mágico de turbante... Ela entra na hora de fazer a análise. Você diz: ‘Eu estou achando que o negócio é por aqui’. E aí todos vão levantar as informações para testar e comprovar essa intuição”.

“Não há mal em ser uma organização enxuta; assim nos sobram mais recursos para investir e incrementar vendas”