Aos 61 anos, ele é carismático, tímido e gentil. Também é um iconoclasta, com marca própria, e quase um espetáculo ambulante. Para promover sua empresa, fantasiou-se de noiva, pirata e piloto, tentou atravessar o oceano Pacífico em um balão e o Atlântico em um barco a motor. Há pouco tempo, anunciou que sairia da atmosfera a bordo da aeronave LauncherOne (que, além de vários outros passageiros, transportará Brad Pitt e Angelina Jolie).

Adorado pelos funcionários e imitado pelos empreendedores, é considerado um herói na Inglaterra. Acima de tudo, Richard Branson parece ser um dos arquétipos de liderança empresarial que servem de espelho aos gestores mais ambiciosos, e HSM Management o entrevistou com exclusividade para entender exatamente o que isso significa.

Rico e divertido

Branson nasceu em Blackheath, arredores de Londres. Tem uma fortuna estimada em US$ 4,2 bilhões (a quarta do Reino Unido e a 225ª do mundo) e lidera um conglomerado eclético: o Virgin Group, com cerca de 350 empresas em setores que variam de aviação e telecomunicações a saúde e viagens aeroespaciais. Em 2011, o grupo, que conta com aproximadamente 50 mil funcionários e atua em mais de 30 países, movimentou US$ 21 bilhões.

Ele pode ser considerado bem-sucedido em quase tudo que faz e exemplo de líder global, embora diga que o segredo está em apostar só em diversão.(Isso inclui até a maior casa noturna gay de Londres, a Heaven, que comprou em 1981.) Demais segredos? Amar os outros e não deixar que o sucesso suba à cabeça. Alguns acrescentariam o exagero à lista.

Branson não acredita em Deus e conta que seus pais o educaram para procurar o que as pessoas têm de melhor —para ele, o maior atributo de todo e qualquer líder. “Se quem chefia não faz isso com sua equipe, é difícil ter sucesso em uma iniciativa. Quando eu era criança, sempre que criticava alguém minha mãe me colocava diante do espelho e dizia: ‘Os defeitos que você aponta nos outros refletem os seus’. Aprendi a olhar as pessoas com atenção.”

No entanto, as lições também vieram de outras fontes. Disléxico, Branson abandonou os estudos aos 15 anos por não se julgar capaz de acompanhar o ritmo. No livro Screw Business as Usual (ed. Portfolio/Penguin), diz que essa dificuldade o ajudou, porque o ensinou a delegar. “A dislexia me obrigou a me relacionar com o mundo de outra maneira. Como não conseguia analisar os detalhes, desenvolvi uma visão global. Aprendi a ouvir e acho que por isso consegui identificar oportunidades em setores tão variados. Mas sei que os detalhes são cruciais e me cerco de pessoas capazes de investigar as coisas a fundo.”

O mundo nos ombros

O presidente da Virgin tem uma visão clara do que deseja –e do que gostaria de mudar. Acredita que, na posição em que está (“o dinheiro traz responsabilidades”), seu papel é contribuir para o bem comum e para a solução dos conflitos mundiais.

Branson quer redefinir o capitalismo e transformá-lo em uma força do bem. Sua última iniciativa, Capitalismo 24902 (circunferência da Terra em milhas), resume a teoria de que as empresas precisam se unir a governos e comunidades para mudar o cenário de fome, guerras e danos ambientais. Em Screw Business as Usual, ele defende que as companhias devem promover iniciativas voltadas para o bem e não apenas para os lucros.

Poucos líderes estão qualificados pa­ra assumir a dianteira da defesa de causas globais e tratar das necessidades de uma economia dinâmica, incerta e em transformação. Branson, porém, é um líder versátil, que repete que não se sente preso ao passado e por isso consegue se reinventar. Sua mãe, Eve, fez dele um “espírito independente”. Na autobiografia Perdendo Minha Virgindade (ed. Cultura), conta que, quando tinha 5 anos, a mãe o deixou em um campo a quase 4 quilômetros de casa e ele teve de encontrar o caminho sozinho. “Sempre que enfrento um problema, me recupero e tento outra vez. Minha mãe me ensinou a não olhar para trás com arrependimento, mas a enfrentar o desafio seguinte.”

Em 2004, criou, com os colaboradores, a fundação Virgin Unite. Objetivo: permitir que toda a equipe atue de modo voluntário para a geração de uma mudança sustentável, apoiando pro­jetos voltados para temas sociais e ambientais. Um “apêndice” dessa iniciativa é a Carbon War Room, que tenta capitalizar ideias radicais para conter o aquecimento global. Em 2007, ela lançou o desafio Virgin Earth Challenge, que oferece prêmio de US$ 25 milhões a quem apresentar uma solu­ção tecnológica economicamente viável pa­­ra extrair carbono da atmosfera.

Branson é amigo do cantor Peter Gabriel, reconhecido pela militância em prol dos direitos humanos. Em uma conversa, a dupla teve a ideia de reunir um grupo de líderes mundiais independentes para formar o que mais tarde ficaria conhecido como The Elders, um “comitê” de conselheiros voltados para a luta pela paz. Em 2001, Gabriel e Branson convenceram Nelson Mandela a abraçar a ideia e seis anos depois a organização foi fundada oficialmente. Hoje, a The Elders é presidida por Desmond Tutu, arcebispo emérito da Cidade do Cabo, e reúne mais dez personalidades mundiais, entre elas os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Jimmy Carter e a ex-primeira-ministra da Noruega Gro Brund­tland, que colocou a sustentabilidade na agenda mundial.

Paralelamente, Branson coordena um grupo de líderes empresariais em busca de novas regras de atuação. “Os parâmetros servirão para avaliar não apenas os resultados trimestrais, mas também prioridades como a contribuição social. Se uma organização consegue se transformar em uma força do bem, terá bons resultados. Uma empresa é mais do que uma máquina de fazer dinheiro”, acredita.

Todos os lucros do Virgin Group no setor aeronáutico são destinados a investimentos em energia limpa. A empresa já direcionou mais de US$ 3 bilhões para o desenvolvimento de combustíveis alternativos para aviões e, entre outros projetos, tenta transformar em energia a fumaça liberada pelas siderúrgicas.

Tudo é possível

Branson é um sonhador de sonhos que se realizam e atribui o fato à filosofia de se manter “afastado dos pessimistas”. “Desde minha adolescência, sempre quis fazer diferença. Todos os que querem criar uma empresa não devem pensar em como ganhar muito dinheiro, e sim em como mudar a vida das pessoas, em como fazer bem o que os outros fazem mal. Pensamos assim quando criamos a Virgin e nunca deixamos de pagar as contas.”

E muito do que Branson fez não teria virado realidade se ele submetesse a proposta a seus contadores. Especialista em tomar decisões rápidas, tem uma ideia pela manhã e à tarde ela está implantada. “Não avalio o risco, não faço muitos cálculos e costumo mergulhar quando sinto que posso melhorar algo. Depois penso nos números.”

Sempre que um de seus empreendimentos parece grande demais, Branson aposta na divisão e cria uma empresa. “Manter as coisas simples significa pre­servar um nível pessoal.” Na Virgin, essa atmosfera familiar fez surgir uma cultura amigável, livre de hierarquias e preparada para as mudanças. Branson, que prefere colaboradores inconformados e originais, sempre tentou conter a burocracia para estimular o espírito empreendedor. Não acredita em reuniões formais de diretoria e estimula os funcionários a procurá-lo diretamente para apresentar ideias ou debater assuntos polêmicos.

Em seu grupo, a regra é: “Divirta-se”. “Se quem comanda está à vontade, os outros se sentem livres para mostrar como são”, destaca. Defensor do poder do elogio, põe os funcionários em primeiro lugar, seguidos dos clientes e só então dos acionistas.

Um modelo a seguir

Em uma pesquisa realizada pela BBC sobre quem eram as pessoas ideais para reescrever os dez mandamentos, Richard Branson apareceu em quarto lugar, depois da madre Teresa de Calcutá, do papa e do arcebispo de Canterbury. Em outra consulta, promovida pelo jornal Evening Standard, sobre quem deveria assumir a prefeitura de Londres, a maioria dos entrevistados apontou o nome do executivo.

Por algum motivo, toda a sua riqueza não o incomoda —e isso pode ser explicado por sua credibilidade e encanto, já que nunca se incomodou de revelar-se uma pessoa vulnerável.

Branson é dono de uma ilha no Caribe, a Necker Island, que virou notícia em agosto de 2011 porque 20 convidados famosos tiveram de escapar no meio da noite depois que um raio atingiu e destruiu a casa —às vezes alugada a personalidades como Steven Spielberg, Kevin Costner e Phil Collins.

O CEO da Virgin declarou que se desloca pela capital inglesa de táxi, porque não gosta de deixar ninguém esperando por ele. “Barcos, jatos particulares e limusines imensas não fazem ninguém aproveitar melhor a vida. Seria muito bom se o dinheiro gasto nisso fosse investido na África.”

Branson morou por alguns anos a bordo de um barco no rio Tâmisa. Era a década de 1980 (cerca de dez anos após a fundação da Virgin) e o começo do relacionamento com Joan Templeman, sua esposa e mãe de seus dois filhos. Com a chegada das crianças, o casal mudou-se para uma casa perto do Holland Park, uma das mais bonitas de Londres. No mesmo endereço funcionava o escritório da Virgin, depois transferido para as imediações.

“Seu nome e sua marca são uma promessa. Nunca permita que a falta de experiência o detenha.” Essa crença move os passos de Branson desde o primeiro empreendimento, a revista The Student, que se propunha ser um espaço de debate para os jovens que, entre outras coisas, condenavam a Guerra do Vietnã. Mesmo sem vivência em jornalismo, entrevistou John Lennon e o convenceu a gravar uma música inédita, distribuída com a revista. “Queria ser um editor; não ambicionava criar um império”, conta.

A ousadia ajudou a consolidar a fama de líder, e praticamente todas as suas empresas abalaram os setores em que atuam. Exemplos famosos são as experiências da Virgin Music e da Virgin Atlantic. Na década de 1970, a gravadora assinou contratos com grupos recusados pela concorrência, como o Sex Pistols. Tirando os problemas com a polícia, que chegou a invadir as lojas em busca de material da polêmica banda, a audácia firmou a Virgin Music na vanguarda musical do punk rock. Já a Virgin Atlantic mudou a experiência de voo ao oferecer conforto e lazer quando as demais companhias não prestavam atenção às necessidades dos clientes.

Em 1984, Branson decidiu criar a Virgin Atlantic quase por acaso, como ocorreu também com a Virgin Brides. Se esta surgiu quando uma das aeromoças comentou sobre a dificuldade de organizar um casamento, aquela nasceu da proposta de sociedade vinda de um advogado desconhecido em uma festa —a falência da Laker Air­ways, primeira companhia aérea de baixo custo, havia deixado sem dono uma licença de voo entre Gatwick, em Londres, e Newark, em Nova Jersey, EUA. O gestor da Lake Airways o aconselhou: “Para sobreviver aos enormes investimentos em marketing da British Airways e da Pan Am, você terá de usar sua imagem como propaganda”.

Branson nunca se incomodou em ser vulnerável