Após décadas de terceirização de recrutamento e seleção de executivos, algumas empresas de grande porte voltam a internalizar a atividade.

O elemento novo que puxa a tendência, observada tanto no Brasil como no exterior, são as redes sociais, que facilitam bastante a busca de talentos, em especial o Linked­In, cujo enfoque é profissional.

Segundo Rogério Sepa, consultor de carreira da firma de consultoria global LHH|DBM, os objetivos das companhias com essa mudança são quatro: ganhar agilidade no processo de contratação, aumentar o índice de retenção de talentos, reduzir os custos do processo e fortalecer a implementação estratégica.

Para ele, a mudança é bem-vinda. “Em primeiro lugar, a internalização do processo de seleção aproxima a empresa dos candidatos ao cargo em aberto, e isso torna a escolha final mais ágil e eficaz”, comenta.

Rogério Sepa, consultor de carreira da LHH|DBM do Brasil
Rogério Sepa, consultor de carreira da LHH|DBM do Brasil

O especialista da LHH|DBM também acredita que, ao internalizar tais processos, as organizações fortalecem sua marca como empregadoras –o que aumenta a probabilidade de retenção– e obtêm maior controle sobre a gestão de custos da área no curto e no longo prazos.

Tão ou mais importante do que tudo isso, conforme Sepa, é o fortalecimento da capacidade de implementar a estratégia que pode derivar da internalização. “A aquisição de talentos in-house é particularmente eficaz em empresas que fazem planejamento de longo prazo, porque sabe de antemão que competências precisarão desenvolver ou adquirir do mercado. Assim, ela consegue identificar e monitorar talentos que talvez não sejam necessários hoje, mas serão no futuro”, detalha o especialista.

Outra vantagem é deduzida da uma pesquisa recente da LHH|DBM no Brasil, segundo a qual 88% dos recrutadores consideram as recomendações de pares a forma mais efetiva de contratação de executivos.

Na visão dos headhunters, contudo, a internalização também tem desvantagens evidentes, entre elas a perda da visão externa e não viciada para garantir a qualidade do processo e a impossibilidade da confidencialidade, a qual, às vezes, é necessária [veja quadro na próxima página].

Grandes empresas multinacionais, como a farmacêutica Pfizer e as tecnológicas Microsoft e Dell, confirmam a tendência de internalizar recrutamento e seleção de gestores.

O caso Pfizer

Foi em 2011 que a Pfizer adotou uma estratégia de internalização, desenvolvida pela matriz em Nova York, Estados Unidos. “Montamos uma consultoria interna para recrutamento de pessoas, a Internal Headhunting Powerhouse”, conta Daniela Dall Acqua, líder de aquisição de talentos da Pfizer para o Brasil, Região Andina e Venezuela. Ela confirma que isso foi possível pela popularização das redes sociais, mas pondera que não funcionaria se a empresa não tivesse construído uma boa imagem como empregadora.

Na política global de recrutamento da Pfizer, destacam-se dois pontos:

  1. Os gerentes de área são treinados pelo RH para recrutar e estão sempre envolvidos nos recrutamentos. Eles são corresponsabilizados por levar bons profissionais para a organização.
  2. A transparência interna é crucial –todas as vagas são comunicadas para os colaboradores, que podem tanto candidatar-se a elas como indicar talentos externos.

Basicamente, a Pfizer é grande usuária global da ferramenta de recrutamento do LinkedIn, o LinkedIn Recruiter, e divulga vagas no Twitter, direcionando os interessados para um site próprio para captação de currículos e divulgação de vagas e da cultura corporativa.

A maior proximidade dos recrutadores com os clientes internos, como são chamados os gestores com cargos em aberto em sua equipe, é a chave do sucesso do recrutamento internalizado, na visão de Dall Acqua. “Esse envolvimento dos gestores resulta em maior grau de assertividade, o processo de contratação é mais curto e percebemos que os candidatos se sentem mais seguros em conversar conosco”, explica a executiva da Pfizer.

"As empresas obtêm mais controle sobre seus custos de curto e longo prazos"

O caso Microsoft

A Microsoft do Brasil optou por adotar um mix de processos internos e externos para recrutamento e seleção, de acordo com Daniela Sicoli, gerente de RH da empresa no Brasil.

A maioria dos processos é internalizada, mas o recrutamento externo é feito em algumas posições mais estratégicas ou quando se trata de um segmento de atuação novo para a companhia.

A Microsoft sempre manteve internamente alguma estrutura de busca de executivos, mas passou a enfatizar essa equipe interna apenas em 2008.

Segundo a gerente de RH, a empresa o fez por desejar maior autonomia no processo, o que entende só ser possível com um investimento mais duradouro em um time próprio, para que este consiga, além de ser especialista na cultura interna, conhecer o mercado local, atuando com agilidade e efetividade no processo seletivo.

Quem indicou - As indicações de colaboradores têm elevado peso no preenchimento de vagas na Microsoft do Brasil; no último ano, responderam por 30% dos casos

“Assim, aproveitamos melhor o que temos: sempre há muitos talentos interessados em trabalhar aqui”, explica Sicoli. A Microsoft também aproveita o Dynamics, seu programa de gestão de relacionamento com os clientes, que permite acessar e monitorar os processos mundiais de recrutamento e seleção.

O investimento duradouro tem sido realizado: a equipe interna de recrutamento e seleção da Microsoft do Brasil é capacitada constantemente, buscando práticas no mercado local e atualizando-se com outras filiais da multinacional mundo afora.

No entanto, a gerente rejeita a ideia de abrir mão dos serviços de recrutamento externos. “De forma geral, planos mais agressivos de atração de talentos podem ser muito beneficiados pela expertise e pelos relacionamentos das search firms”, reconhece. E ela acrescenta que só com busca interna talvez não conseguisse estabelecer um ritmo tão bom de trabalho; o headhunter, como base de comparação, impõe a boa cadência.

Daniela Sicoli, da Microsoft
Daniela Sicoli, da Microsoft

Na Microsoft, qualquer busca só é iniciada após um detalhamento da vaga, que permite vislumbrar o profissional almejado e define tanto o cenário ideal como a busca realista.

As indicações têm forte peso na Microsoft do Brasil –no último ano fiscal, 30% das vagas foram preenchidas dessa maneira. “E as movimentações internas também são valorizadas e acontecem frequentemente”, diz Sicoli. A companhia tem o Programa de Candidatura Interna, pelo qual os colaboradores manifestam seu interesse em determinada posição ao conversar sobre as aspirações de carreira com seu gestor.

O caso Dell

Na Dell Brasil, o processo de recrutamento e seleção é inteiramente internalizado, e 51% das vagas são preenchidas por indicações dos próprios colaboradores. “A Dell possui um programa de referência que visa encorajar os membros da equipe a indicar seus contatos de negócios, amigos e familiares qualificados para atuar na empresa. Acreditamos que isso oferece enormes retornos para a organização”, afirma Alexandre Tran, diretor de aquisição de talentos da Dell América Latina.

Tais retornos incluem não apenas ter os candidatos mais qualificados para as posições, mas o aumento do banco de currículos e um auxílio na captação de candidatos para posições mais complexas. Para incentivar as recomendações, a Dell recompensa quem indica um candidato que for contratado, até com um bônus, dependendo da posição.

O objetivo da Dell com a internalização também é proporcionar uma experiência melhor ao candidato. “A Dell quer atrair candidatos que conheçam nossa atuação e nossa cultura e que se identifiquem com elas”, afirma Tran. A equipe faz um mapeamento constante de talentos e, assim que encontra um profissional com perfil alinhado às estratégias da companhia, procura estabelecer um relacionamento de longo prazo.

"Alguns headhunters do mercado também são internalizados pelas empresas quem indicou"

 

Esse trabalho é feito em algumas frentes. Além do programa de indicações, há forte presença da empresa nas redes sociais e parcerias com universidades, centros de pesquisa, associações e incubadoras de ideias, e presença constante em fóruns de discussão dos mais diversos tópicos.

“Hoje, a página de carreiras da Dell no LinkedIn é uma das mais visitadas no globo”, garante Tran. Além dessa rede, a captação de talentos e a divulgação de vagas ocorrem no canal do Twitter e na página do Facebook, sempre com conteúdos adicionais.

“É claro que a Dell mantém sua relação com empresas de busca para eventuais demandas que não possam ser supridas pelos recursos internos”, observa, contudo, o diretor.

 Uma iniciativa particularmente interessante da Dell é que seus profissionais recebem treinamento sobre como lidar com as mídias sociais. “Em 2013, implementamos uma iniciativa, batizada de ‘Pimp Your Profile’, na qual todos os líderes da Dell Brasil foram incentivados a melhorar seu perfil no LinkedIn. Trata-se de uma ação global da companhia para atrair talentos por meio dos perfis dos colaboradores existentes nas redes sociais”, conta o executivo da área de talentos.

A ideia é que as pessoas vejam o perfil de quem trabalha na Dell e tenham vontade de trabalhar na empresa também –o que acontece quando percebem as oportunidades de ascensão profissional, por exemplo, ou quando a reconhecem como marca que emprega pessoas.

E os headhunters?

Será que a tendência de internalizar o recrutamento significa que estão com os dias contados os profissionais que fazem a busca de executivos para uma empresa de maneira terceirizada? Não. É consenso que esses intermediários continuam sendo cruciais.

Sepa explica: “Os headhunters oferecerão como diferencial a compreensão do mercado como um todo, podendo trazer competências novas a uma empresa quando ela entrar em segmentos que não conhece, por exemplo”. Em outras palavras, se uma área interna de aquisição de talentos age bem quando se trata de profissionais com as competências necessárias hoje, o head­hunter agirá melhor quando o contexto pedir novas competências de negócios.

E há ainda outro horizonte para os headhunters experientes; eles também estão sendo internalizados pelas empresas.

O outro lado 

Headhunters acreditam nas vantagens do olhar externo

“Em um mundo perfeito, headhunter não deveria existir”, afirma o headhunter Arthur Vasconcellos, sócio da firma de executive search CT Partners. No entanto, segundo ele, a tendência é que esse profissional não apenas continue a existir, como também seja cada vez mais demandado, em consequência das atuais características das gerações X e Y, que demonstram pouca lealdade a seus empregadores –diferentemente do que acontecia nas décadas de 1970 e 1980, em que as companhias só precisavam contratar estagiários e estes fariam toda a carreira ali.

Fernando Mantovani, da Robert Half
Fernando Mantovani, da Robert Half

As próprias organizações têm fidelidade menor, como acrescenta Vasconcellos. “Antigamente, os CEOs permaneciam anos no cargo e havia paciência em esperar que apresentassem resultados. Hoje, eles são como técnicos de futebol: ou são bons todo dia, ou estão fora.”

Arthur Vasconcellos, da CT Partners
Arthur Vasconcellos, da CT Partners

Vasconcellos, assim como outros headhunters, crê que a principal motivação das empresas para internalizar o recrutamento e a seleção é a redução de custos. “Acho que a internalização é uma estratégia legítima, do ponto de vista da redução de custos.” Quanto à agilidade e outras justificativas de ordem mais “filosófica”, como ele as denomina, são incoerentes com o que costuma acontecer aos primeiros sinais de crise, quando há ondas de demissão. “Se essas justificativas fossem verdadeiras, não se demitiriam equipes tão facilmente.”

Como as empresas não têm estruturas de pesquisa do mercado de trabalho, já que esse não é seu core business, Vasconcellos crê que o recrutamento interno é limitado ao campo de visão dos responsáveis internos pela aquisição de talentos, o que é um problema. “A maioria usa lotes de currículos e o LinkedIn, ferramenta que eu mesmo utilizo como assinante de um pacote diferenciado em nível global, com acesso ao Recruiter, que amplia, e muito, nossas pesquisas”, diz o headhunter. Segundo ele, a busca em mais e mais variadas fontes e a visão externa são o que traz mais qualidade à contratação, de maneira coordenada e ordenada.

Para Fernando Mantovani, diretor de operações da empresa de recrutamento especializado Robert Half, a internalização pode reduzir custos de fato, contanto que seja em grandes estruturas que possuam demanda alta e constante de recrutamento. No caso de companhias de menor porte ou maior nível de retenção, onde as contratações são mais esporádicas, o serviço de recrutamento e seleção terceirizado é mais competitivo em custos.

Rotatividade e discrição

O modelo mais eficaz do processo de recrutamento e seleção de executivos ainda está por ser definido, na visão dos headhunters. Por exemplo, processos internos em uma área de alta rotatividade da empresa, como uma fábrica e seus operários, não devem ser terceirizados, porque acabam fazendo parte do dia a dia. No entanto, do nível gerencial júnior para cima, não costuma haver alta rotatividade, na visão de Vasconcellos.

Quando as firmas de executive search, externas, costumam ser mais úteis às empresas, em detrimento de uma equipe interna? Vasconcellos elenca ao menos quatro situações:

  1. Quando se trata de uma contratação confidencial, como no caso de um executivo que não tem desempenho adequado e a empresa precisa de um substituto antes da demissão. “Uma informação assim não pode vazar e, internamente, vazaria”, explica o especialista.
  2. Quando a decisão é tomada a distância. Esse é o caso da subsidiária da multinacional que tem um alto cargo vago e a matriz quer bater o martelo a respeito dele. “Quem escolhe está longe e prefere contratar uma empresa externa para fazer o trabalho.”
  3. Quando a companhia não quer deixar a decisão sobre o principal executivo a cargo do conselho de administração. “Isso ocorre em empresas familiares brasileiras, especialmente quando há duas ou três famílias no controle, porque a chance de haver discordâncias é grande”, observa Vasconcellos. Um exemplo disso foi a atuação dele, conhecida no mercado, na troca de comando da Vale, em que Roger Agnelli foi substituído pelo atual CEO, Murilo Ferreira.
  4. Quando os candidatos para a posição são “elefantes brancos”, ou seja, a posição conta com pouquíssimos candidatos naturais. “No ano passado, tive um caso desses, em que apenas seis pessoas em todo o Brasil cabiam na cadeira e trabalhavam para concorrentes; fica indelicado a empresa abordar alguém da concorrência.”