Em todo o mundo, noto a crescente influência cultural, social e econômica das mulheres”, assegura Paco Underhill. O comentário não é superficial; ele é especialista em tendências de consumo, treinado na arte de observar, e faz quase 30 anos que se dedica a realizar exaustivas pesquisas de mercado. Por meio de câmeras de vídeo instaladas em locais comerciais, filma os compradores em ação e depois analisa minuciosamente as gravações em busca de padrões de consumo e hábitos de compra. Primeiro estudou o comportamento dos compradores em todo tipo de lojas, depois se concentrou nos shopping centers e, por fim, nas particularidades das consumidoras.

Ele trabalha com a hipótese de que o mercado se tornou “female friendly” (amigável com as mulheres), ou seja, o avanço social e profissional das mulheres impacta cada vez mais o design das embalagens, os automóveis e as roupas, e também os hotéis, escritórios e restaurantes.

Muitos já conhecem o exemplo do que as mulheres buscam de diferente em hotéis, mas vale repeti-lo, porque pode ser didaticamente generalizado para os mais variados tipos de serviços. Nas últimas décadas, quase todas as grandes cadeias hoteleiras do mundo repensaram seus ambientes e serviços levando em conta seus hóspedes do sexo feminino, porque as viagens de negócios passaram a ser uma atividade também realizada por mulheres. As mudanças empreendidas em função delas vão desde a adoção de travesseiros mais macios até a presença de aromatizadores de ambiente nos quartos.

“A diferença entre o que os homens e as mulheres querem encontrar em um quarto de hotel é um bom exemplo do que uns e outras querem em relação a produtos e serviços em geral”, sugere Underhill. “Os homens não costumam se preocupar com a desordem, mas, para as mulheres, isso é fator de desgosto. Para os homens, também não tem grande importância a iluminação do banheiro ou a presença de espelhos. E, se a única coisa que os incomoda em relação ao secador de cabelos é a maneira como é fixado à parede, as mulheres levam em conta a voltagem e a largura do cabo. Também prestam atenção à iluminação, temperatura, cor da poltrona, tamanho e maciez dos travesseiros, limpeza e segurança do lugar. Fazem isso de maneira inconsciente”, defende Underhill.

De olho nos detalhes

Instintivamente, segundo Underhill, as mulheres observam com atenção se um lugar está limpo; querem ter acesso aos controles eletrônicos para, por exemplo, mudar a temperatura do termostato ou a estação de rádio; sentem-se vulneráveis e preocupam-se com sua segurança, razão pela qual percebem se as janelas carecem de fechaduras firmes ou se há lâmpadas queimadas no estacionamento. Além disso, gostam que as ajudem com as tarefas que exigem força física. “Os homens não se dão conta de até que ponto a ideia de carregar até o carro um volume pesado, como um televisor de 42 polegadas, determina se uma mulher o comprará ou desistirá dele”, afirma o especialista.

Uma pesquisa publicada pela Consumer Electronics Association revela que, nos Estados Unidos, as mulheres realizam 50% das compras de produtos eletrônicos. Underhill estima que esse percentual seja ainda maior e oferece várias sugestões para atrair o crescente número de consumidoras. “Comprovamos que há correlação direta entre o sucesso de uma loja e o número de funcionárias que nela trabalham. As mulheres confiam mais nas pessoas de seu mesmo sexo. Sentem que é menos provável que uma vendedora lhes ofereça algo somente para conseguir comissão maior. Por outro lado, homens e mulheres fazem perguntas diferentes quando consultam um vendedor. Em geral, eles querem saber as especificações do produto: ‘É novo? É potente?’. Elas, por sua vez, o que podem fazer com ele.”

Outro setor que se concentrou nas mulheres é o do jogo. “Até o final de 1980, as máquinas caça-níqueis tinham a mesma função dos sofás em uma loja de moda feminina: um lugar de descanso para os acompanhantes”, diz Underhill. “Os cassinos pensavam quase exclusivamente nos jogadores homens. Enquanto eles apostavam nas mesas de vinte e um, dados ou bacará, elas se divertiam com as máquinas caça-níqueis.”

Em seu mais recente livro, What women want: the global market turns female friendly (ed. Simon & Schuster), Underhill oferece alguns dados reveladores de uma mudança nessa tendência: em 1992, a receita bruta da indústria do jogo nos Estados Unidos, que inclui, além dos cassinos, loterias, bingos e corridas, entre outros tipos de jogos, era de US$ 58,2 bilhões. Em 2007, já havia superado os US$ 92 bilhões. Boa parte desse crescimento veio das máquinas caça-níqueis. À medida que as mulheres se convertiam na principal fonte de receita desse setor, o design das máquinas mudou; muitas agora evocam séries de TV e telenovelas dos anos 1960 e 1970, como A família Buscapé ou Jeannie é um gênio.

“O ambiente malcheiroso, com fumaça de cigarro, é uma recordação distante. Agora, as salas de jogos são mais elegantes e limpas. Na área dos caça-níqueis, as cadeiras duras foram substituídas por assentos macios, com ganchos para pendurar bolsas”, comenta.

Shopping centers

Para a “mulher multitarefa” de hoje, o shopping center é o lugar onde pode encontrar muito do que necessita: desde serviços de serralharia e sapataria até venda de passagens de avião e restaurantes. O principal atrativo de um shopping center está nos detalhes que as fazem sentir-se seguras; por exemplo, os que têm estacionamentos bem iluminados e vigiados. “Como as mulheres são mais sensíveis à insegurança, em alguns países evitam as lojas de rua por medo de assalto”, explica Underhill.

Outro aspecto que valorizam são os serviços que tornam mais confortável a experiência de compra. Nesse sentido, o autor menciona a indiscutível vantagem de uma área onde possam deixar os filhos dormindo, se estiverem cansados, e espaços onde o marido possa esperá-las enquanto vão às lojas, além de, é claro, banheiros em estado impecável.

O mundo online

“Historicamente, pensamos que as mulheres se ocupavam das compras semanais, principalmente de alimentos, e que os homens tinham a responsabilidade pelas ocasionais, mas mais significativas em termos de desembolsos. Não é mais assim. Hoje em dia, as mulheres recorrem à internet para informar-se, comparar preços e finalizar a compra de produtos eletrônicos e até automóveis”, diz Underhill.

Por outro lado, o mundo online tem, para elas, um atrativo adicional: a possibilidade de estabelecer relações. Nos Estados Unidos, o segmento de crescimento mais acelerado no Facebook é o das mulheres de mais de 55 anos. Na verdade, na maioria das faixas etárias, o aumento da participação feminina nas redes sociais é mais rápido do que entre os homens.

A casa mutante

Não é novidade que, em quase todo o mundo, para manter o estilo de vida dos lares de classe média, são necessárias duas rendas. Em muitos países, a proporção de mulheres que trabalham fora de casa chega a 70%. “Os lares mudaram para satisfazer as necessidades específicas das mulheres que são, ao mesmo tempo, mães, esposas e profissionais”, diz o pesquisador. A cozinha, por exemplo, integrou--se ao resto da casa. Ao chegar de seu trabalho, a mulher não queria ficar isolada enquanto preparava a comida. Aos poucos, em consequência disso, a cozinha foi se convertendo no centro da casa. As crianças fazem ali suas tarefas escolares e é o lugar de reunião da família. “Passo mais tempo na cozinha do que na sala de estar ou de jantar”, confessa Underhill. Além da geladeira e do freezer, que são os eletrodomésticos mais usados, a cozinha é o ambiente natural dos produtos que tornam a vida das mulheres mais fácil: multiprocessadores, fornos diversos, torradeiras, batedeiras e cafeteiras.

Se, graças à internet, as consumidoras têm acesso aos designs mais recentes de cozinhas, os banheiros não ficam atrás entre suas preferências. “Nas últimas décadas, o banheiro modificou-se para adequar-se aos gostos e às necessidades femininas: é cada vez maior e abriga mais quantidade de produtos”, revela o autor. Além dos clássicos sabonete e xampu, elas guardam óleos de banho, sais aromáticos e sabonetes de limpeza facial com creme umectante. As mulheres adoram tomar banhos de imersão, relaxar e aproveitar um instante de paz. Os homens, porém, preferem uma ducha rápida e “nem sequer se lembram da última vez que tiveram vários minutos de relaxamento na banheira”. Mas, por causa delas, o banheiro deixou para trás sua origem humilde e virou uma espécie de santuário, onde convivem perfumes e, às vezes,luz de velas.

Sejam elas românticas, pragmáticas, extrovertidas ou tímidas, seus hábitos de compra são similares. E, dada a crescente influência das mulheres na economia, nenhuma empresa mais pode ignorá-las.

Sephora e MAC.: mais do que cosméticos

Em seu livro What women want: the global market turns female friendly (ed. Simon & Schuster), Paco Underhill conta que a Sephora, rede de lojas de cosméticos e produtos para cuidados com a pele, reinventou a dinâmica vendedor-cliente: o funcionário não está atrás do balcão, e sim do mesmo lado do comprador. Toda mercadoria está à vista, incluídos os produtos de marcas caras e prestigiosas, bem como os perfumes, sempre ao alcance dos clientes. Nas lojas, há muitos espelhos e as mulheres podem maquiar-se e pedir ajuda a uma funcionária.

Curioso por natureza e por dever de ofício, o estudioso, certa vez, perguntou ao gerente de uma loja Sephora se havia um momento determinado em que as vendedoras se aproximavam da cliente. O gerente disse que suas funcionárias estavam treinadas para observar e que detectavam, pela maneira com que a mulher movia a cabeça, se ela havia encontrado algo interessante. De imediato, a cliente avaliava ou examinava o produto e, um minuto depois, poderia acontecer uma de duas coisas: ou se decidia a finalizar a compra, ou tinha dúvidas e necessitava de assessoramento.

No segundo caso, o sinal para que a vendedora se aproximasse era outro movimento da cliente, que levantava a cabeça e percorria o lugar com os olhos, como que pedindo ajuda.

Underhill também atribui à Sephora o conceito de venda aberta –preços visíveis, produtos ao alcance da mão, vendedoras com atitude amigável e colaborativa–, que modificou a essência da experiência de compra de maquiagem que existia nas lojas de departamentos

Outra marca de destaque no setor da beleza é a MAC, da Estée Lauder, com produtos segmentados por tons de pele e com pontos de venda próprios. Em geral, suas atendentes são jovens e amáveis, e há lugares para que as compradoras possam sentar-se, experimentar a maquiagem e consultar a vendedora, como numa relação pessoal entre mulheres.

Saiba mais sobre Paco Underhill

Fundador e diretor da Envirosell, firma de consultoria especializada em comportamento do consumidor com sede em Nova York, Paco Underhill é autor dos livros Vamos às compras: a ciência do consumo nos mercados globais (ed. Campus/Elsevier), Call of the mall e What women want: the global market turns female friendly (ambos da ed. Simon & Schuster).

Também escreveu vários artigos para The New York Times, The London Times e The Wall Street Journal. Entre seus clientes, figuram empresas como AT&T, Adidas, Apple Computer, Barugel Azulay, Banca di Roma, Banco Itaú, Bank of America, Chase Manhattan, Citibank, Burger King, Calvin Klein, Coca-Cola, Compaq, Disney Stores, Elektra, Energizer, Estée Lauder e o brasileiro Grupo Pão de Açúcar.