O sucesso, em qualquer que seja o tipo de iniciativa organizacional, envolve saber manter as coisas que devem ser mantidas e modificar o que precisa ser modificado. Talvez não haja melhor modo de ver esse princípio em funcionamento do que em empresas familiares, que geralmente lutam para proteger suas tradições e, ao mesmo tempo, adaptar-se para continuar existindo.

Quando famílias enfrentam uma transição geracional em seu negócio, eu as lembro de que as gerações sênior e júnior tendem a usar dois termos opostos para descrever esse delicado processo de mudança. A geração sênior gosta de enfatizar a palavra “continuidade” (como em “continuidade da gestão”), enquanto a geração júnior prefere falar de “sucessão” (como em “planejamento sucessório”). Esses dois termos envolvem conceitos opostos: continuidade é manter as coisas como estão e sucessão implica mudança. Cada geração enfatiza um dos dois aspectos críticos das transições geracionais, mas podem estar tratando do mesmo assunto com palavras diferentes.

Na transição geracional, há coisas que devem ser preservadas –os valores centrais da empresa, sua reputação, as relações de lealdade entre os stakeholders– e outras que têm de ser alteradas –certas pessoas precisam ocupar outro cargo na direção da companhia, a propriedade deve mudar de mãos, algumas estratégias e práticas de gestão podem requerer atualização. E talvez se queira mudar coisas como a imagem de marketing da empresa. Recomendo à geração seguinte que primeiro foque o que precisa ser mantido (o que reafirma a geração sênior) e então se volte para o que tem de mudar. Ambas as atividades são vitais para a transição geracional bem-sucedida.

O processo de preservar ou abrir mão entre gerações espelha o processo psicológico da geração sênior. Para que um líder transfira o poder confortavelmente para outro líder, precisa manter seu orgulho e dignidade (em vez de perder seu papel e em geral um pouco de status), alguns relacionamentos-chave (segurança social) e a segurança financeira adequada. Isso lhe permite abrir mão do poder e das rotinas que o ajudaram a definir sua vida.

Boas transições em empresas familiares dão suporte ao momentum do negócio e, por isso, têm de ser feitas quando a geração seguinte está pronta para liderar (não necessariamente quando o líder atual está pronto para sair). Em geral, isso significa que o líder atual precisa abrir mão do papel de liderança antes de querer sair. Ou seja, ele deve estar preparado para uma nova missão pessoal, com recursos financeiros e um sistema social para apoiá-lo. Saber o que tem de ser mantido facilita o processo de abrir mão.

O legado familiar é uma cocriação

Vejamos outro aspecto importante da família e do sucesso do negócio familiar: construir e dar continuidade a um legado familiar saudável. O legado familiar consiste nos bens materiais (empresa em funcionamento, recursos financeiros, bens pessoais, como imóveis e joias) e não materiais (habilidades, valores, visões de mundo, reputação e alianças importantes).

O legado familiar mais forte tem bens materiais e não materiais que ajudam a família a continuar o trabalho fortalecida. Os bens não materiais, entretanto, parecem ser ainda mais importantes do que os materiais. Uma família com as habilidades corretas, ética e reputação profissionais boas e alianças fortes pode evitar a perda de sua riqueza material. Uma família com poucas habilidades, valores e reputação pobres e alianças fracas pode perder muito de sua riqueza bastante rápido e provavelmente não será capaz de recompô-la.

Não se trata de uma geração construir o legado familiar e tentar transferi-lo para a seguinte –apesar de, infelizmente, isso ser muito frequente. É preciso levar em conta que ambas as gerações estão envolvidas na construção do legado. Em algum ponto da vida da família, a responsabilidade pelo legado muda mais para a geração júnior, que começa a renovar o legado com a geração seguinte. A construção do legado familiar é, na verdade, um processo maravilhosamente confuso que implica manter a reputação e os relacionamentos-chave da família, preservar as habilidades, valores, compreensões e recursos que promovem os interesses da família e abrir mão e mudar práticas, regras e outros aspectos que não servem mais muito bem à família.

É preciso, então, manter-se antenado com o setor do negócio e com o ambiente da família e mudar o que for necessário no momento certo. Isso geralmente envolve uma luta entre os familiares na qual as estratégias da família e da empresa são desafiadas e o poder de ambas muda para as pessoas com ideias novas e vencedoras. As famílias mais iluminadas conferem poder à geração seguinte a fim de esta desenvolver os insights, as habilidades e a confiança necessários para desafiar práticas e estratégias e fazer novas apostas com os bens familiares. Minha pesquisa sobre famílias que se mantêm no negócio por três ou mais gerações indicam que seus sucessores incorporam os valores centrais tanto da família como da empresa e também se comprometem com a mudança de estratégias e práticas de negócios.

Por exemplo, uma família que possui uma empresa fabril em um setor em rápido amadurecimento ou declínio e quer permanecer no negócio precisa se dar conta do que mudar e do que manter. Eu recomendaria que eles preservassem os valores e práticas que fizeram tanto a família como a empresa bem-sucedidas, mas avaliassem honestamente seus talentos, apetite para o risco e outros recursos com o objetivo de combiná-los com atividades de negócios que têm chance de obter êxito.

Uma empresa familiar em um setor em rápido amadurecimento ou declínio pode ser capaz de se manter em seu negócio atual e se dar bem se puder encontrar um nicho que lhe permita conservar amplamente suas práticas ou mudar sua maneira de gerenciar os negócios (em geral tornando-se muito mais eficiente) e ter os recursos para adquirir mais capacidade. Ou os familiares podem decidir vender a companhia, sair da área e encontrar outro negócio para administrar. Nesse caso, eles precisam escolher um negócio que represente uma boa combinação entre suas habilidades e valores, assim como riqueza. A família vai precisar abrir mão de seu negócio específico e de muitas coisas associadas a ele, mantendo, porém, os valores e habilidades do negócio central. São decisões sobre pegar ou largar, que, conforme vamos aprendendo, servem tanto a negócios como a pessoas. É isso que nos conduz pela vida.

Pegar e largar na dimensão pessoal

Essas lições sobre pegar e largar também estão presentes nas pesquisas sobre transições bem-sucedidas na vida de adultos. Conforme envelhecemos, temos de abrir mão de certas atitudes e práticas e nos mover para outras que vão nos servir melhor no próximo estágio de nossa vida.

Um adolescente em busca de identidade deve desafiar valores e regras dos adultos e tentar práticas novas. Esses comportamentos são muito funcionais. No entanto, uma vez que a pessoa chega à idade adulta (o que hoje significa no final dos 20), precisa despojar-se de seu lado rebelde e demonstrar seu valor para os mais velhos, às vezes os mesmos que ela desafiou e dos quais discordou anos antes.

O desenvolvimento pessoal não tem a ver com abrir mão de certas práticas e atitudes e aferrar-se a outras, e sim com descobrir-se por meio de experimentos de vida. Há certa constante (de missão, valores e crenças) em todos nós, que podemos descobrir à medida que lutamos e abrimos mão de coisas que nos são importantes.

Mas você só entende isso quando, ao mesmo tempo, mantém e se desapega.