Ser líder é bom: o salário, os bônus e as opções em ações são ótimos; os benefícios indiretos, generosos. Alguns líderes ganham ingressos disputados para partidas de futebol, às vezes até para o camarote VIP. A vida social também muda: sorrisos dos subordinados ao chegar ao trabalho, o respeito de outros líderes e a melhor secretária-executiva da empresa.

Até o próprio trabalho parece mais recompensador. Você pode se concentrar nas grandes questões. Ninguém o incomoda com revisões de documentos, pedidos de compra ou planejamento de eventos. O tempo do chefe é importante demais. Após alguns anos no cargo, a mesma espécie de deferência é dedicada aos integrantes de sua família. Assim, você é raramente incomodado com telefonemas sem importância de amigos ou conhecidos, pessoas que só querem ouvir sua voz ou combinar de passar algum tempo com você.

Essas pessoas não param de sepreocupar com você e sempre o querem em sua vida. No final das contas, elas param de forçar a barra. Mantê--las em seu dia a dia vai depender de um esforço seu.

Uma pesquisa indica que a maioria dos filhos de pais bem-sucedidos tende a pegar o caminho oposto

O outro lado da fama, da glória e das férias excêntricas é que todas essas coisas têm como custo o convívio exatamente com aqueles com quem você gostaria de dividi-las. Muitos presidentes de empresa se tornam ao longo do tempo verdadeiros estranhos para sua mulher e filhos. Profissionais que atuam na área de saúde mental dizem que as taxas de divórcio entre executivos com grandes responsabilidades alcançaram níveis inéditos e que muitos casamentos que permanecem intactos requerem grande número de concessões, em geral, da esposa, que precisa aprender a submeter-se a certo nível de infelicidade.

A tensão familiar pode aparecer para qualquer um e em qualquer situação, mas, para os presidentes de empresas, não há crise pior do que as férias familiares. Vejamos as suas.

Se está indo para a Disney com as crianças, nem vou comentar. Mas imagine-se com a família a caminho de uma praia paradisíaca do Caribe. Ótimo, não? Mas, quando acorda de manhã, seu primeiro companheiro é o BlackBerry, não sua esposa. Tecnicamente, você está de férias, mas ainda à mercê das imprescindíveis conference calls com clientes e analistas, cujas preocupações só podem ser aplacadas por afirmativas feitas por sua voz.

Você também pode ser chamado a amansar tiroteios que só seu toque pessoal pode resolver. Lembra-se de seus filhos e dos planos de brincar na praia? E daquele jantar romântico, só com sua esposa? Você não pode simplesmente deixar o telefone celular de lado e mergulhar na água com as crianças ou jantar em grande estilo.

Mas sua esposa sabe que você se preo­cupa. Seus filhos entenderão, você diz. Não, eles não entenderão. Uma pesquisa que li há alguns anos indicava que a maioria dos filhos de pais bem-sucedidos tende a pegar o caminho oposto. Nós costumávamos querer seguir os passos de nossos pais ou até superar o progresso deles. Esse estudo descobriu que crias de pais bem-sucedidos raramente têm o mesmo sucesso econômico. Eles nunca terão o mesmo emprego do papai, a casa dele, seu carro. Eles não querem trabalhar tanto quanto seu pai para conseguir isso tudo. A oposição deles se resume a um mantra simples: “Eu quero mais tempo para mim e para minha família e por isso vou tomar um caminho diferente”. Vi essa tendência se manifestar em minha vida familiar e, em certa medida, na de meus colegas. É claro que sempre haverá os filhos que se juntam ao negócio da família, mas a maioria não o fará.

Quando é ruim ser o rei

Quando encontro meus alunos do curso de liderança na primeira aula do semestre, minha primeira pergunta para eles é: “Quantos de vocês querem acabar como líderes?”. A resposta mais comum? “Bem, todos nós, professor. É por isso que estamos aqui.” Quando, no fim do semestre, os estudantes já conhecem a história de presidentes de empresa famosos e ouviram sobre as dificuldades de chegar ao topo e permanecer lá, coloco a questão em discussão mais uma vez. O resultado que repetidamente obtenho mostra uma mudança de disposição: cerca de metade permanece convicta o suficiente para levantar a mão. Como leitor, agora talvez um pouco frustrado, você pode se perguntar se existem ou não líderes que mantêm a dianteira competitiva, que enfrentam com sucesso os desafios de seu tempo e de seu setor de atividade e, ainda assim, conseguem colocar sua família em primeiro lugar, tudo isso enquanto arranjam tempo para chegar ao topo e permanecer lá. Você está certo em se perguntar se essas pessoas existem, mas deixe-me afirmar: com certeza, elas existem.

Nossa pesquisa mostrou que esses superlíderes se encaixam em um perfil específico. Eles são mais jovens. Compreendem a agonia de noites sem sono e semanas com todos os sete dias úteis e expediente de 24 horas

Nossa pesquisa mostrou que esses superlíderes se encaixam em um perfil específico. Eles são mais jovens. Compreendem a agonia de noites sem sono e semanas com todos os sete dias úteis e expediente de 24 horas. Percebem que seu desempenho pode cair quando são afastados da família e se ficam sem amigos. São rápidos em sentir quando sua esposa está perto do ponto de fervura e quando seus filhos precisam vir em primeiro lugar. Ninguém consegue se concentrar na próxima reunião sabendo que há uma criança doente na escola ou uma esposa raivosa esperando um telefonema atrasado.

Essa capacidade não é natural para todo mundo e frequentemente precisa ser aperfeiçoada ao longo dos anos no cargo. Em seu Paixão por Vencer (ed. Campus/Elsevier), Jack Welch escreve: “Há o que se diz por aí sobre o equilíbrio entre vida e trabalho, e há a realidade [...] A prioridade número um de seu chefe é a competitividade. É claro que ele quer que você seja feliz, mas apenas na medida em que isso ajuda a empresa a vencer. Na verdade, se ele fizer o trabalho dele direito, fará com que seu trabalho seja tão estimulante que sua vida pessoal vai se tornar menos atraente”.

Anos atrás, reservei uma noite para ir ao encontro do pessoal do colégio com meu melhor amigo. Estávamos ansiosos para colocar a conversa em dia. Após o jantar, depois de dizer adeus para outros colegas, ele propôs que fôssemos a um bar beber alguma coisa. Recusei o convite porque tinha um voo para Boston às 7 horas da manhã do dia seguinte. Desculpe-me, parceiro.

Tivemos um jantar informal alguns meses depois. Ele vive em Westchester e nos encontramos em Nova York por causa de minha agenda “muito, muito cheia”. O jantar foi ótimo e, quando acabamos, consultei o relógio e disse que tinha de ir. Novamente uma reunião com um cliente no dia seguinte. Para meu desapontamento, não o vejo desde esse dia e ele passou a não atender minhas ligações.

Há cerca de um ano, consegui pegá-lo no telefone e ele logo desabafou que sentiu que meu trabalho e minha agenda eram mais importantes para mim do que passar algum tempo com um velho amigo. Ele estava certo. Infelizmente, não tive a oportunidade de lhe dizer isso e tentar concertar as coisas.

Mesmo os chefes mais bem-intencionados pisam na bola e fazem escolhas que magoam as pessoas que amam. O novo texto da mensagem de desculpas dos líderes é: “WH2” [espécie de acrônimo em inglês que significa “Somos humanos também”]. A perda de um bom amigo me ensinou muito sobre o frágil equilíbrio do sucesso. Meu ritmo e paranoia em comandar a mais inteligente empresa de consultoria e propaganda do setor de saúde não foram freados nem um milésimo de centímetro. Em vez disso, minha estratégia de defesa evoluiu e agora abrange uma gama mais ampla de gestores, um grupo de profissionais de primeira linha e de estrelas ascendentes que, na maioria, não vão chegar à liderança. Nem todo mundo se encaixa nos grandes papéis, mas todos nós colhemos benefícios ao experimentar.

Uma questão que me preocupa é se nossa cultura está empurrando nossas melhores e mais brilhantes cabeças para o lado da “qualidade de vida” cedo demais. Estamos colocando ênfase demais na “vida” em vez de no “trabalho”? Não há equilíbrio entre vida e trabalho na Índia, na China ou no Japão. As estrelas ascendentes deles lutam para se tornar tão prósperos quanto seus pares no mundo ocidental e, portanto, não há freios por lá. Estamos sendo superados pelas inovações e pela musculatura de negócios por essas e outras culturas competitivas todos os dias.

Em 2009, pela primeira vez, a Toyota foi a maior fabricante de automóveis do mundo. A recente crise financeira vai motivar nossos inovadores a restaurar a astúcia norte-americana ou nos ferir ainda mais? Se pararmos de assistir passivamente aos canais de TV Bloomberg e CNBC todos os dias e começarmos a desenvolver ativamente produtos e serviços inovadores que possam ser exportados, não vamos sair mais rápido da recessão?

Isso coloca todo o discurso sobre equilíbrio entre vida e trabalho em xeque, ou, no mínimo, sob suspeita, embora eu duvide que meu amigo do colégio concorde com isso.

Aprendendo a escolher batalhas

Alguns anos atrás, vivi um despertar pessoal que mudou meu ponto de vista sobre assumir cada desafio com que eu deparasse. É uma dessas lições de vida que valem a pena repetir sempre.

Eu sempre fui um competidor ferrenho. Quando mais jovem, os negócios eram como uma corrida de obstáculos para mim. Tudo o que eu via na frente era a linha de chegada. Era tudo uma questão de chegar lá, não importava o que estivesse diante de mim. Foi assim que passei de gerente de produtos corporativos para presidente de uma das maiores redes de propaganda do setor de saúde do mundo.

Anos mais tarde, depois de ter experimentado papéis de tamanhos diferentes, eu me vi entrando em um dos escritórios mais bonitos de Man-hattan para uma entrevista em um conselho de administração. Antes de chegar aos elevadores, um segurança impecavelmente vestido apontou educadamente meu laptop e disse que era necessário inspecioná-lo. Ele me entregou o computador de volta com uma gentileza que ainda estou para ver em um aeroporto de Nova York.

Uma questão que me preocupa é se nossa cultura está empurrando nossas melhores e mais brilhantes cabeças para o lado da “qualidade de vida” cedo demais. Estamos colocando ênfase demais na “vida” em vez de no “trabalho”?

O elevador subiu rapidamente até o 23º andar. Ao sair do elevador, fui recebido por meu anfitrião e levado à sala de reunião do conselho. O almoço, entregue pelo restaurante Four Seasons, estava na mesa, e meu anfitrião me serviu chá gelado. Essa era a velha escola: nenhuma mulher, nenhum negro, ninguém com menos de 50 anos, apenas um conselho da velha guarda com um claro senso de sua importância e gosto pelas coisas finas.

A vista da janela era espetacular, a melhor da cidade. A sala, a decoração, tudo me dizia uma coisa: esse era certamente o conselho de administração de maior prestígio para o qual já havia sido convidado.

O presidente dessa empresa com ações na Bolsa de Nova York era um colega do passado que queria que eu fizesse parte do conselho. Não era uma entrevista; era um almoço entre colegas da mesma estatura e poder –ou assim eu pensei que fosse.

Quando comecei a relaxar, alguém passou a me questionar sobre o peso e a natureza de minhas potenciais contribuições. Tratava-se de uma personalidade que eu reconheci de programas de entrevistas na TV. Ele adorava se ouvir falar e parecia ter um script pronto na frente dele. Seu status de celebridade intimidava os demais membros do conselho. Eu tinha algumas alternativas. Minha resposta usual seria iniciar um combate com um indivíduo como esse, colocá-lo em seu lugar com meu conhecimento sobre a indústria de medicamentos, seguro de meu desempenho. Eu o trataria como uma ratazana ou uma barreira em uma corrida de obstáculos –eu o contornaria ou pularia por cima dele. Analisando o que eu diria quando ele finalmente se calou, um novo pensamento me ocorreu, algo que eu nunca tinha levado em conta: eu podia simplesmente ir embora.

Após 35 anos de gestão, sua intuição lhe diz que pessoas estão abertas a novas ideias e quais gostam apenas de ouvir a si mesmas falando, de ver crescer seu ego em vez de sua empresa. Você também diagnostica a cultura de uma empresa, especialmente se a inovação é bem-vinda ou não. Eu dei uma olhada a meu redor, senti o peso do copo de cristal em minhas mãos e o coloquei de volta na mesa, uma verdadeira peça de antiquário. Sentia meu corpo se erguer da cadeira. Não acreditava no que estava fazendo. Onde estava o velho lutador, treinado para vencer a qualquer custo?

Levantei-me, abotoei o paletó e sorri ao me dirigir para o grupo: “Fazer parte de um conselho de administração significa muito trabalho. Acredito nesta empresa e no que seu presidente está fazendo, e quero crescer também. É por esse motivo que estou aqui. Dito isso, por favor, compreendam que meu tempo é valioso para mim, e já vivi o suficiente para gastá-lo com certas pessoas de quem não gosto. Não estou gostando disto aqui agora e duvido que vou gostar no futuro”. E fiz algo que nunca tinha feito: virei-me e fui embora. Meu amigo, o presidente da empresa, me alcançou no elevador e pediu que eu reconsiderasse. Bati em suas costas e fui embora.

Depois de muitos anos na corrida de obstáculos, talvez eu tenha finalmente aprendido a mais difícil das lições. Líderes jogam para vencer, é claro, mas há momentos em que não vale a pena jogar. Uma final de campeonato é mais importante do que um jogo contra o lanterninha da disputa.

Enquanto eu fumava meu cigarro do lado de fora do prédio, ainda tentando processar o que acabara de fazer, um skatista adolescente se aproximou. “Tem horas aí, chefe?” Sorrindo, olhei meu relógio e disse: “Apenas para coisas importantes”.

Perspectiva

Férias, finalmente entendi, são importantes. Como ex-CEO e então presidente do conselho da francesa EuroRSCG Becker, passei muito tempo em Paris, um dos lugares mais belos e mais procurados do mundo. Eu fazia viagens regulares para encontros com a direção da empresa.

Com programação sempre intensa na capital francesa, minha visão dela foi, por muito tempo, através do vidro de trás da limusine –isso, quando eu conseguia desgrudar os olhos do laptop ou do BlackBerry. Em julho de 2007, minha mulher, Michele, e eu levamos nossa neta mais velha, Rebecca, a Paris por conta de seu 13º aniversário. Rebecca adora moda; então, Paris era o destino perfeito.

Michele, também fã da França, estava bastante animada. Mas eu não. Eu esperava ir para a Toscana, na Itália, ou para o Algarve, em Portugal, porém era Rebecca que estava dando as cartas dessa vez. Paris de novo? Ugh! Meu passaporte tinha mais carimbos franceses do que uma loja de vinhos. Era como um operador da bolsa de valores fazer uma viagem para conhecer Manhattan. No entanto, que experiência rejuvenescedora a viagem se tornou!

Com minha mulher e minha neta, eu estava realmente de férias, vendo Paris como se fosse a primeira vez. Não havia um computador comigo, nenhuma reunião de negócios para conduzir, apenas uma programação de diversão e ver Paris pelos olhos jovens de Rebecca. Visitar o Museu d’Orsay, subir o Arco do Triunfo, comprar no Bon Marché, jantar num café nas proximidades do Louvre. Vive la France!

Voando de volta para os Estados Unidos, pensei sobre essas férias especiais e em tudo o que eu havia perdido nesses muitos anos. Como muitos de meus colegas, sofri para escapar das demandas naturais do comando de uma empresa, cada dia pensando em como manter a dianteira competitiva. Com todas as questões que surgem –ajudar os funcionários em diversas tarefas, permanecer no topo da aquisições, estar disponível para resolver os problemas dos clientes–, como alguém sai de férias sem estresse? Como é possível viajar hoje sem um BlackBerry à mão?

Como muitos executivos seniores que conheço, eu tendia a fazer o papel de um turista despreocupado, mas sempre conseguia dar uma escapada para fazer aquela ligação importante. Eu poderia ser um jogador de golfe melhor sem meu celular ligado? Talvez (e somente talvez). Um viajante mais ligado, um ouvinte mais atento? Certamente.

“Perspectiva” é a palavra-chave aqui, no sentido da capacidade de enxergar melhor. Trata-se de um termo que raramente emerge em artigos de liderança. Gastamos mais tempo analisando os desafios da vida do que tentando contextualizá-los. O que aprendi foi que os líderes devem treinar seu foco no modo “descanso” do cérebro. Ganha-se perspectiva, para melhorar o trabalho, inclusive; em férias de verdade, você está distante o bastante da rotina para se afastar de suas tensões e preocupações usuais e, assim, renova suas perspectivas.

“Perspectiva”, no sentido da capacidade de enxergar melhor, É a palavra-chave. termo que raramente aparece em artigos sobre liderança