Trabalhe em empresas e com pessoas cujos valores sejam compatíveis com os seus, pois não é possível fazer concessões nesse quesito. Não é à toa que esse é o propósito de Fernando Sampaio. Afinal, são mais de 15 anos atuando somente na Sanofi. Com experiência em empresa multinacional farmacêutica como a Abbott, bem como em empresas locais do Brasil, como é caso dos Laboratórios ACHÉ, Sampaio iniciou a sua carreira no Grupo Sanofi, em 2001, como Marketing Manager para as áreas cardiovascular e medicina interna no Brasil. Após diferentes promoções, assumiu o cargo de diretor geral da filial brasileira em abril de 2011.

Depois de quatro anos, muitos projetos desenvolvidos e desafio superados, em 2015 foi trabalhar em Portugal, onde se tornou responsável por gerir a organização local e definir as estratégias adequadas para estabelecer o plano de desenvolvimento do negócio da filial. Crescimento profissional e objetivo alcançado em Portugal, agora seu destino será o México.

Entrevistado por Mauricio Goldstein da Corall Consultoria para o projeto Diálogos com CEOS, Fernando Sampaio relembra sua trajetória profissional de mais de 20 anos na indústria farmacêutica, sua experiência em Portugal, a paixão por desenvolver pessoas e também sobre o que espera da sua chegada ao México para liderar um segmento totalmente novo.

“Acho que o espírito questionador do executivo brasileiro, que é acostumado a rever estratégias para atravessar tempestades mais frequentes, fizeram uma boa dobradinha com a disciplina e o senso analítico dos portugueses”, brinca.

Confira os principais trechos da entrevista:

Dizem que, hoje em dia, só é possível acompanhar a sua carreira dentro de uma cabine de avião e com você no comando. Com uma trajetória tão diversa, o que te prendeu de vez ao mundo farmacêutico? 

F.S. Só pode ser brincadeira dos amigos que conhecem minha paixão por voar. Mas a verdade é que, nos últimos anos, não foram poucas nem superficiais as mudanças no meu plano de voo. E elas têm sido fundamentais para deixar meu brevê (documento que dá ao seu titular a permissão para pilotar aviões) em dia. Acho que o desafio permanente de antecipar as demandas é o que mais me fascina nesse segmento.

Trabalhar na área da saúde significa levar respostas efetivas para o paciente, torná-las viáveis para os gestores de saúde e sustentáveis para a empresa. Sem esse equilíbrio, a inovação não acontece. Nesses mais de 20 anos de indústria farmacêutica, aprendi que só é possível avançar com o engajamento de todos os players, públicos e privados.

Você atuou na Sanofi no Brasil por cerca de 15 anos e acompanhou de perto os principais movimentos do mercado farmacêutico brasileiro. Apesar da crise sócio-político-econômica no País, o setor farmacêutico tem resistido às tempestades e surpreende com o maior crescimento industrial, em janeiro de 2017, com um desempenho 21,6% acima do ano anterior. Como você explica essa resiliência?

F.S. Nos últimos anos, dois fatores foram decisivos na expansão da demanda: o aumento do poder aquisitivo da população de baixa renda e o envelhecimento da população. É preciso reconhecer também o esforço do setor público para ampliar o acesso a medicamentos essenciais. Mas não se pode pensar que o setor fique imune a crises prolongadas. E já é possível notar uma redução no consumo, inclusive de medicamentos para doenças crônicas.

A indústria farmacêutica brasileira dispõe de um parque industrial sólido e de uma presença histórica no País. A fórmula para atravessar esse período não será muito diferente da que deverá ser aplicada por todos: gestão rigorosa dos recursos, mais abertura para parcerias público-privadas, inovação e adequação do portfólio, eficiência na logística, sem esquecer que boa parte do negócio acontece no ponto de venda e no atendimento ao cliente.

Você saiu há pouco tempo de um mercado emergente que, apesar da desaceleração, ainda se beneficiava do maior acesso da população aos cuidados de saúde. Como foi a experiência de buscar crescimento em um mercado mais maduro como o europeu? 

F.S. Sempre digo que é preciso aceitar não ter resposta imediata para tudo. Se você antecipa o diagnóstico de um mercado ou impõe fórmulas que deram certo em outros, corre o risco de perder tempo e até de não reconhecer oportunidades diferentes de conduzir seu negócio.

Portugal tem, como o Brasil, um sistema de saúde que se propõe a garantir acesso universal e equidade de tratamento à sua população. Ao mesmo tempo, tem enfrentado uma forte racionalização dos recursos públicos desde a crise de 2008. A empresa tem longa tradição no mercado português, com um portfólio extenso. O desafio foi ampliar a participação desses produtos em um mercado maduro, extremamente regulado, porém com baixo crescimento.

A atuação das áreas de Public Affairs e Acesso, nesse cenário, foi essencial. O sucesso nas negociações com os pagadores passava pela capacidade de demonstrarmos o valor de nossos medicamentos no tratamento de doenças que impactam a saúde pública. Outra frente foi aumentar a presença dos produtos de consumo, genéricos e OTC nas farmácias, que representam uma parte importante dos negócios.

Os resultados chegaram rápido: a filial inverteu uma curva descendente teimosa, registrou um crescimento acumulado de mais de 15% nos últimos dois anos e uma performance bem acima do mercado. Por que deu certo? Talvez porque tenhamos feito, juntos, alguns exercícios para aumentar a massa muscular: analisamos os diferenciais do portfólio como um todo e buscamos entender melhor o que os clientes esperavam de nós. Essa visão integrada nos deixou mais fortes e fortaleceu a imagem de uma organização diferenciada, capaz de atender a um espectro muito amplo de necessidades.

Como sua trajetória profissional e suas características pessoais contribuíram para ter sucesso na filial portuguesa? Os laços familiares e a compreensão da cultura ajudaram neste processo?

F.S. Trabalhar em Portugal teve um significado muito especial para mim. Foi como fazer uma rota inversa de descobrimento. A acolhida do povo português e o retorno às minhas raízes familiares foram essenciais para que eu me sentisse logo em casa.

O desafio de trabalhar, pela primeira vez, em um mercado bem diferente foi muito especial para o meu processo de aprendizado. O caminho do crescimento foi construído com a equipe.

Acho que o espírito questionador do executivo brasileiro – acostumado a rever estratégias para atravessar tempestades mais frequentes – fizeram uma boa dobradinha com a disciplina e o senso analítico dos portugueses.

Qual é o balanço de sua passagem na filial portuguesa e o que você leva de aprendizado para dirigir a filial mexicana de vacinas da Sanofi?

F.S. Foi muito positivo, principalmente porque aconteceu em um momento de grandes mudanças estruturais em nossa organização. Trocamos a turbina com o avião no ar. E o espírito de equipe não ficou só no powerpoint, porque a filial estava decidida a alcançar um novo patamar de negócios no mercado português e no Grupo. Levo de Portugal a energia e o orgulho do pertencimento. E tenho certeza de que vou encontrar essa mesma disposição no México.

O que te motivou a deixar um mercado no qual “conhecia as nuvens pelo nome” para aceitar liderar um segmento totalmente novo para você? 

F.S. Acho que o espírito explorador do português tem alguma culpa nisso. Na verdade, considerei imperdível a oportunidade de conhecer a complexidade e os desafios de desenvolver uma nova vacina. Ao mesmo tempo, acredito que a experiência de mais de 20 anos no segmento farma pode ajudar a desenvolver novas estratégias para expandir esse mercado. Como eu disse logo no início, prevenção e controle são ferramentas indispensáveis para garantir eficiência e sustentabilidade das políticas públicas de saúde.

Considerando os maiores desafios que você já precisou superar, qual foi a experiência que te levou a reconstruir e a transformar seu negócio?

F.S. O grande risco de ficar muito tempo em uma atividade – e de ser líder de mercado – é perder a capacidade de enxergar novas rotas para continuar crescendo. Tive a chance de participar de um redesenho inédito de nosso negócio há uns quatro anos. O objetivo era aumentar a presença em regiões emergentes no Brasil. Cobertura e logística adequadas fazem parte da cartilha de quem opera milhares de referências, mas a execução perfeita – principalmente no negócio farmacêutico – demandou um check list bem mais sofisticado.

Por que essa experiência foi disruptiva? Para começar, porque exigiu de todos um verdadeiro desapego territorial. Tínhamos várias frentes de trabalho: aumentar a transversalidade dos negócios e franquias; adequar o portfólio às características e demandas da região; aperfeiçoar a gestão dos estoques e os tempos de entrega e, o mais importante, desenvolver profissionais polivalentes que enxergassem seus territórios como um negócio completo.

Para dar certo, foi preciso criar uma matriz colaborativa em que todas as áreas forneceriam os elementos necessários. E o projeto acabou ganhando um prêmio global de inovação do Grupo Sanofi em 2015.

Na sua experiência, quais são as características do executivo brasileiro que podem fazer a diferença em outros países?

F.S. Hoje, o ambiente de negócios, as estratégias de mercado e a governança corporativa têm regras globais e variam muito pouco de um país para outro. O brasileiro tem ainda uma capacidade inegável de trabalhar sob pressão e de assumir responsabilidades, sem perder (muito) o bom humor.

Acredito que a dinâmica de mercado no Brasil exige dos profissionais mais criatividade e até uma boa dose de rebeldia. Não podem se contentar com o sucesso do momento. Desenvolver pessoas, antecipar cenários e ter mais flexibilidade para superar imprevistos são diferenciais importantes desses líderes em outros mercados.

Você já se declarou um apaixonado em desenvolver pessoas. Qual é a fórmula para liberar o máximo do potencial de seus colaboradores? 

F.S. Para mim, a principal é dar a eles a chance de errar. Ninguém se torna bom piloto sem levar uns bons sustos. É verdade que as empresas nem sempre estão dispostas a estimular seus colaboradores a assumir riscos. Mas é um exercício que pode levar o engajamento e a performance a outro patamar.

Transparência e colaboração são duas condições que também considero inegociáveis. Não tem coisa pior que ter uma equipe que finge pensar igual. O crescimento vem da diferença, da combinação de ideias, da lapidação multifacetada, da solução construída. A discussão pode até esquentar, mas tem que ser olho no olho.

Planos minuciosamente construídos não substituem líderes dispostos a desenvolver pessoas e equipes. Não me importo que seja clichê: líder inspira e engaja, pelo exemplo, no corredor, no café, na rua. Não precisa de palco ou powerpoint colorido e piscante. Mas essa confiança requer tempo e honestidade de propósito para que as opiniões e as trocas dentro do time sejam autênticas e não autocensuradas.

Também acredito que a motivação deva ser transcendente ao salário e à carreira. Precisa brilhar os olhos, proporcionar prazer e preservar a própria identidade. Equação difícil? Acho que dei sorte e sou feliz de continuar a ser “eu mesmo” na empresa onde trabalho há mais de 15 anos.

Ao longo dos anos, as gerações foram ganhando iniciais e identidade próprias. Como essa diversidade de valores e expectativas pode ajudar a criar ambientes mais colaborativos e eficientes dentro de uma organização? Qual é o papel do líder nesse processo?

F.S. Tenho a impressão que os rótulos – e o conteúdo – que resolveram colar nas diferentes gerações são um pouco exagerados e são, na minha opinião, até um pouco opressivos. É claro que somos, de alguma maneira, a expressão do tempo em que vivemos, mas acreditar que todos devem se encaixar na mesma tela é aceitar dar fim à individualidade humana.

As novas gerações são provavelmente uma das mais bem formadas de todos os tempos. Esses jovens romperam a barreira da língua e das distâncias. A tecnologia é quase uma extensão de suas sinapses e, através das redes, reportam, diagnosticam e compartilham intensamente a sua visão de mundo.

Enquanto as gerações mais velhas basearam suas estratégias no aprendizado e nas experiências passadas, que continuam importantes, esses jovens surpreendem quando revelam a capacidade de enxergar oportunidades inusitadas e de empreender de maneira nada convencional.

Um líder, sábio, deve instigar esse time a trazer o futuro para hoje. E mostrar a eles que é bem mais divertido – e com mais chance de dar certo – se trabalharem juntos.

Qual o principal conselho que o Fernando de hoje daria a sua versão recém-formada saindo da universidade? 

F.S. Trabalhe em empresas e com pessoas cujos valores sejam compatíveis com os seus. Não é possível fazer concessões nesse quesito. Esteja preparado para as mudanças e guinadas em sua vida profissional. E aproveite as surpresas e os sustos que você vai, com certeza, levar. Serão bem úteis para manter o nariz do seu avião nivelado.

Não deixe a família ou a saúde no fim da fila de suas prioridades. Nenhum programa de desenvolvimento ajudará a preencher esse gap para que você se torne um profissional completo. Siga os seus instintos e não se distancie das pessoas: interaja e aprenda com elas. Evite esportes de alto impacto e cuide de suas articulações, porque a conta chega um dia.