Estima-se que o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) afete de 1% a 2% da população mundial. No Brasil, ainda que esse número possa ser próximo a 2 milhões de pessoas, a estatística que mais preocupa é outra: apenas 3 mil autistas são assistidos em nosso país.

Apesar de não ter cura, o diagnóstico precoce do autismo ajuda muito no tratamento do paciente, melhorando sua qualidade de vida e, por consequência, a de sua família.

Tornar o diagnóstico do TEA mais preciso e proporcionar um tratamento individualizado ao paciente foi o que motivou Alysson Muotri a fundar a Tismoo em 2016. Provavelmente um dos cientistas brasileiros mais notórios da atualidade, seu estudo mais recente envolve o envio de minicérebros desenvolvidos em seu laboratório para o espaço, em um projeto feito em parceria com a Nasa. “Estudos com gêmeos idênticos, um passando pela estação espacial e o outro ficando em Terra, mostrou que a exposição à microgravidade causa uma série de problemas cognitivos. Então queremos desenvolver um modelo de minicérebro que permaneça na estação espacial e que apresente as alterações que aconteceriam no cérebro humano para entendermos quais são e como resolvê-las”, conta.

Em uma visão bem futurista do homem colonizando o espaço, a pesquisa ajudaria, por exemplo, a entender o que seria preciso adaptar no cérebro humano para que pudéssemos viver expostos à microgravidade.

Sobre os minicérebros, Muotri lembra que, apesar do nome, eles não são cérebros em miniatura. São estruturas tridimensionais que se parecem muito com o cérebro humano, criadas a partir de células-tronco derivadas da própria pessoa. Com as técnicas desenvolvidas por Muotri e sua equipe, é possível manter essas células por tempo indeterminado no laboratório, para desenvolver protocolos que induzem essas células a formar o sistema nervoso. “Fazendo isso, a gente consegue acompanhar os passos de como o processo ocorre e entender como o sistema nervoso se auto-organiza, como a informação genética conduz essas células a formar diversas estruturas cerebrais, entre outras coisas. Temos focado bastante no córtex cerebral, que é a área que teve maior expansão volumétrica em número de neurônios durante a evolução e, quando não é bem formada, pode levar a condições neurológicas, como autismo e esquizofrenia”, explica Muotri.

Pesquisas com minicérebros ajudam a estudar, de maneira não invasiva, condições neurológicas como o autismo

Sediado na Califórnia, estado considerado um dos mais liberais dos Estados Unidos e também um dos mais empreendedores, o laboratório de Muotri inspirou a criação da Tismoo. Com outros seis sócios, o professor fundou a empresa pioneira no sequenciamento genético especializado para o TEA. Como já dedicava seus estudos ao autismo antes mesmo de se estabelecer nos EUA, Muotri tentou em 2011 firmar com o governo brasileiro uma parceria para que o Sistema Único de Saúde (SUS) pudesse oferecer o sequenciamento genético. Como as negociações não avançaram, anos depois, com o apoio de pais de crianças autistas, grupo do qual Muotri também faz parte (seu filho Ivan é autista), e empreendedores, decidiu fundar a Tismoo.

“A ciência e o empreendedorismo eram coisas muito separadas, principalmente no Brasil – se você é um, você não é outro. Nos Estados Unidos, principalmente na Califórnia, esse tipo de atitude é vista como positiva. É raro eu encontrar um colega que não tenha uma companhia, uma startup”, comenta Muotri.

Além do sequenciamento genético, a Tismoo oferece também uma plataforma chamada Genioo, que funciona como uma base de dados sobre as mais relevantes publicações científicas relacionadas ao TEA. Assim, além de identificar exatamente as variantes genéticas do paciente, a empresa ainda compara os resultados com bancos de dados do mundo todo a fim de identificar e classificar essas variantes, e também verificar se já existe algum tratamento mais adequado para aquela mutação. “A vantagem do sequenciamento genético, além de ajudar a fechar o diagnóstico, é que permite a identificação do gene causador do autismo. Então, com esse conhecimento da causa, é possível personalizar o tratamento”, complementa Muotri.

Popularizando o diagnóstico

Depois de muitos anos trabalhando com neurociência aplicada ao consumo, Leandro Mattos viu na provocação de sua sócia uma oportunidade de ir além. “‘É possível usarmos essa tecnologia que fornecemos aos clientes para resolver problemas relevantes da sociedade?’ Ela me fez essa pergunta e me colocou pra pensar”, relembra Mattos.

Assim surgiu a CogniSigns, startup fundada em 2017 com o propósito de popularizar o diagnóstico do autismo no Brasil. A solução encontrada por Mattos foi colocar a tecnologia a serviço das pessoas que iniciam um processo de busca de diagnóstico do TEA.

“Quando pais ou cuidadores levam o paciente com suspeita de TEA ao médico, ele segue um protocolo mundial de perguntas para identificar sinais do autismo. O que a gente fez foi transformar esse conhecimento de perguntas em um chatbot mais amigável, chamado Vera. Conversando com a Vera, os pais fornecem as respostas de que precisamos para comparar com a nossa base de dados e devolver pra eles um pré-diagnóstico do paciente”, explica Mattos.

Caso haja um sinal amarelo de que aquele paciente possa ser portador do TEA, a CogniSigns oferece uma segunda solução que, para as crianças, mais parece uma brincadeira. “A criança assiste a um filminho e, usando a própria câmera do computador, captamos o movimento ocular dela e o comparamos com a nossa base”, detalha Mattos. Isso porque uma das características bem marcantes dos autistas é a dificuldade de manter contato visual, e esse traço, mesmo que sutil, pode ser identificado pela tecnologia da CogniSigns. Também há versões de filmes para adultos, ampliando para esse público a possibilidade do diagnóstico acessível.

Para atingir um nível satisfatório de confiabilidade de seus resultados, a CogniSigns recorreu a ONGs especializadas em comunidades autistas. “Aplicamos esse mesmo teste em crianças e adultos atendidos por essas instituições, o que nos permitiu criar um banco de dados de reações involuntárias de autistas sob aqueles sinais pré-estipulados. Então, quando uma pessoa se submete à nossa tecnologia, essa comparação é feita de maneira rápida e automatizada”, explica Mattos, e complementa: “Nós nunca vamos dizer se o paciente é ou não autista. Nosso papel é tornar essas primeiras etapas do diagnóstico mais amigáveis e acessíveis, para que os cuidadores possam buscar ajuda especializada a qualquer sinal de alerta.”

Para ampliar o seu impacto social, a Cognisigns incluiu as ONGs em seu modelo de negócios, remunerando-as em uma etapa relevante do processo

E a CogniSigns decidiu não parar por aí. Ainda há uma terceira etapa, presencial, para quem quiser continuar o processo de validação do pré-diagnóstico. Com câmeras mais potentes, a tecnologia capta outras informações, como os gestos que indicam a não reverberação a comportamentos sociais.

Por enquanto, essa solução está disponível apenas em Florianópolis, região em que a CogniSigns já conseguiu testar seu modelo de negócios de impacto social. “As ONGs fazem um trabalho incrível em prol da comunidade autista, mas sofrem para captar recursos que as mantenham funcionando. Então, resolvemos capacitar e prover a tecnologia necessária para que essas instituições façam a etapa presencial e sejam remuneradas por isso”, conta Mattos.

Seja com a alta tecnologia de sequenciamento genético desenvolvida por Muotri ou com o conjunto de soluções providas pela CogniSigns, o futuro da neurociência aplicada a diagnósticos como o do autismo é promissor. Segundo Muotri, ainda não atingimos a fase exponencial, pois os estudos do cérebro são complexos e feitos por métodos indiretos. Porém, ainda segundo o especialista, viveremos um período muito fértil nessa área nos próximos dez anos. Vale a pena ficar de olho.