Famosa pelo serviço, pela atenção e pela ambientação de suas lojas, além da qualidade do café, a Starbucks surpreendeu ao lançar Via, sua marca de café instantâneo. Poucos dias depois do anúncio oficial, John Quelch escreveu em seu blog que a empresa de Seattle havia demonstrado “coragem comercial”, algo de que os consumidores “necessitam” em tempos de dificuldades econômicas.

O café instantâneo é considerado o resíduo desprezado do negócio de café, ele explicou; mais ainda, a sabedoria convencional indica que nenhuma marca premium deveria aproximar-se desse café. No entanto, o lançamento de Via não deteriorou a marca; ao contrário, tornou-a acessível no atual contexto econômico. “Via oferece aos consumidores leais da Starbucks a possibilidade de fazer com que seu dinheiro renda mais e, além disso, mantém a frequência de consumo da marca”, destacou o especialista. “Para os não consumidores, é um ponto de entrada ao mundo da empresa; depois de experimentá-lo, muitos desejarão visitar uma cafeteria para ter a experiência Starbucks completa.” Por isso, Quelch qualificou o produto recém-chegado ao mercado como inovador e previu-lhe futuro promissor, “desde que não distraia a alta gerência da missão de melhorar continuamente a experiência das lojas”.

Em entrevista exclusiva a HSM Management, John Quelch, o célebre especialista de Harvard, analisa o fundamento de iniciativas inovadoras como a da Starbucks –entender o consumidor e seus novos padrões de compra– e descreve as “novas” táticas de marketing que levam até eles.

“Na instabilidade, pode-se pensar em quatro segmentos: os que pisam no freio, os machucados pacientes, os confortavelmente endinheirados e os que vivem o presente”

Os hábitos de consumo estão mudando?

Sim. As mudanças mais importantes com a instabilidade mundial são a queda da confiança do consumidor e o aumento de sua aversão ao risco, que pode levar ao adiamento das decisões de compra e aumentar o conservadorismo.

O que é conservadorismo de consumo?

É comprar somente o que necessita, em vez de se adiantar e comprar o que poderia se necessitar em um futuro próximo. Também é trocar a marca favorita por uma que ofereça melhor relação custo-benefício. E ainda é não experimentar novas marcas –prevalecem as marcas com que se desenvolveu uma relação de confiança– ou novas categorias de produtos.

No Brasil, já temos um clima de consumo pós-crise, então talvez o raciocínio não se aplique tão bem. Por outro lado, alguns dizem que a instabilidade econômica veio para ficar. O sr. acha que a instabilidade produz novos segmentos de clientes?

A instabilidade tem momentos bons e ruins. Nos momentos ruins, o esquema de segmentação que muitas empresas têm utilizado, que pressupõe um grupo de consumidores dispostos a pagar mais pela promessa de satisfação emocional das marcas, perde validade. Ainda se procuram benefícios emocionais, mas eles são diferentes.

Em que categorias de bens e serviços esses diferentes segmentos de consumidores gastam seu dinheiro?

Na realidade, o que eles fazem é estabelecer prioridades de consumo. Para tanto, classificam produtos e serviços em quatro categorias: os essenciais, que são necessários à sobrevivência ou percebidos como fundamentais para o bem-estar; os prazerosos, ou seja, que constituem fontes de prazer justificável; os de compra adiável, isto é, necessários ou desejados, mas cuja aquisição pode ocorrer depois; e os prescindíveis, não percebidos como necessários ou não justificáveis.

A comida, a moradia e o vestuário básico estão entre os itens essenciais; a maioria das pessoas também incluiria o transporte e a assistência médica nessa categoria. Fora isso, a atribuição de produtos e serviços aos grupos é altamente singular e muda em períodos de crise econômica. Refeições em restaurantes, viagens, shows, automóveis ou produtos eletrônicos podem passar de “essenciais” a “prazerosos” ou até a “prescindíveis” na mente dos diferentes grupos de consumidores.

Na instabilidade, que setores podem ser mais afetados?

Os que vendem produtos ou serviços cuja compra pode ser adiada, como o automobilístico e o eletrônico. Mas não necessariamente, porque depende do produto.

É. No Brasil, a indústria automobilística tem vendido bastante, por exemplo... E que setores e empresas estão mais bem posicionados para atravessar bem os tempos difíceis?

Os fabricantes de produtos com marcas nas quais os clientes confiam, líderes em sua categoria e consumidos diariamente continuarão prosperando ou, ao menos, não sofrerão. Por exemplo, os produtos alimentícios da Nestlé e da Unilever, os de limpeza e cuidados do lar e de higiene pessoal, como cremes dentais, espumas de barba etc.

Quais são as oportunidades de marketing que um cenário de instabilidade nos oferece?

Em geral, as oportunidades estratégicas dependem do segmento em que se situam os principais clientes e de como eles categorizam os produtos e serviços. O panorama é bastante bom para os produtos essenciais de marcas econômicas que atingem os consumidores que “pisam no freio”, dado que deixarão as marcas de alto preço e escolherão as mais baratas. Essas marcas também atrairão o grupo dos “machucados, mas pacientes”, que, antes, compravam marcas de melhor qualidade. O importante é cimentar a relação com eles.

Que táticas de marketing o sr. recomendaria para épocas instáveis como a atual?

Para os que pisam no freio, um produto percebido como prazeroso deve ser anunciado com o apelo “Você merece dar-se esse prazer”; outra tática consiste em diminuir o conteúdo da embalagem e baixar o preço. Para consumidores que preferem adiar a compra de produtos como pneus de carro, uma tática aconselhável é oferecer financiamento a baixo custo ou comunicar que não comprar por motivo de poupança é questionável, dado que se poderia perder algo muito valioso.

Já que o sr. mencionou a comunicação, que estratégias de comunicação costumam ser mais eficazes na instabilidade?

A comunicação precisa oferecer respostas a três pontos: 1) a maior importância da funcionalidade do produto e do valor que obtém em troca de seu dinheiro; 2) maior aversão a risco, que eleva o peso da confiabilidade dos produtos e da credibilidade da empresa; 3) maior foco em produtos familiares e locais e prestam menos atenção aos temas mundiais.

E nunca é demais alertar que cortar o orçamento de mar­keting não é uma boa ideia em tempos instáveis ou difíceis. O conservadorismo e a necessidade de confiar dos consumidores exigem que se invista continuamente no fortalecimento da reputação da marca. As empresas que interrompem suas campanhas de marketing perdem participação na mente dos consumidores, perda da qual custa muito recuperar-se.

Saiba mais sobre John Quelch

Especialista em marketing e branding global, John Quelch é professor, consultor de empresas e docente da Harvard Business School, da qual foi vice-diretor e chefe do departamento de marketing. Presta serviços de consultoria para empresas e governos.

Quelch é autor prolífico e tem vários livros que se tornaram referência em sua área, tais como Greater Good: How Good Marketing Makes for Better Democracy (com Katherine Jocz, ed. HBS Press), Business Solutions for the Global Poor: Crea-ting Social and Economic Value (com V. Kasturi Rangan, ed. John Wiley), The New Global Brands: Managing Non-Govern-ment Organizations in the 21st Century (com Nathalie Laidler-Kylander, ed. South Western College), Global Marketing Management (ed. Addison Wesley), The Global Market (com Rohit Deshpande, ed. John Wiley), Cases in Strategic Marketing Management (ed. Prentice-Hall). É também membro do conselho de administração das empresas WPP Group, Pepsi Bottling Group, Inverness Medical Innovations e BBC World-wide Americas.

O fim do funil e o novo processo de decisão

O marketing sempre buscou pontos de contato com os clientes nos quais estes sejam sensíveis à influência externa. Durante muito tempo os consumidores foram representados pela metáfora do funil: eles começam o processo de decisão com uma série de marcas em mente (a base larga do funil) e, depois, as mensagens de mar­keting atuam sobre eles, à medida que reduzem a quantidade de opções e avançam pelo funil, até que identifiquem a marca que vão comprar. Esquematicamente, o funil tem cinco etapas: conhecimento, familiaridade, consideração, compra e fidelidade no pós-venda.

O conceito do funil, no entanto, não capta todos os pontos de contato e os fatores-chave de compra gerados pelo boom de opções de produtos e canais digitais. Isso e o surgimento de um consumidor com mais informações e discernimento exigem das empresas enfoque menos linear e muito mais complexo para chegar a seu público-alvo: “a jornada do consumidor rumo à decisão de compra”.

Desenvolvemos um modelo depois de examinar as decisões de quase 20 mil consumidores de cinco setores e três continentes. Descobrimos que o processo decisório do consumidor agora é uma jornada mais circular, integrada por quatro etapas, que representam os campos de batalha potenciais do marketing:

  1. O consumidor considera um conjunto inicial de marcas, baseado em percepções sobre a marca e na exposição a pontos de contato recentes.
  2. Os consumidores acrescentam ou subtraem marcas conforme vão avaliando o que querem.
  3. O consumidor escolhe uma marca no momento da compra.
  4. Depois de comprar um produto ou serviço, o consumidor desenvolve expectativas baseadas na experiência, que será fonte de informação para sua próxima jornada de compra.

Isso requer das empresas cinco medidas que alinham sua estratégia de marketing ao processo decisório do consumidor:

  1. Identificar etapas prioritárias no que diz respeito a objetivos e desembolsos. Se antes estas se encontravam nos extremos do funil, agora variam conforme o produto ou serviço.
  2. Personalizar as mensagens. Muitas organizações terão de criar mensagens que solucionem as fraquezas da marca em um ponto de contato específico com o cliente.
  3. Investir no marketing impulsionado pelo consumidor, cujo epicentro é a internet, geradora de “boca a boca”. Este pode ser influenciado por ferramentas que detectem as conversas que as pessoas mantêm sobre as marcas, analisem o que se diz e permitam que as pessoas coloquem seus comentários.
  4. Vencer as batalhas nos pontos de venda. Uma das consequências desse complexo mundo novo do marketing é que até 40% (média mundial) dos consumidores decidem sua compra antes de chegar à loja. Portanto, o merchandising e a apresentação do produto ficaram muito importantes.
  5. Integrar todas as atividades de contato com o cliente, o que significa não deixar sites, relações públicas e programas de fidelidade sob responsabilidade de diferentes departamentos.

Esse artigo foi originalmente publicado no McKinsey Quarterly, n. 3, 2009. Disponível em: ‹www.mckinseyquarterly.com›. Todos os direitos reservados. Reproduzido com autorização.