Yuan-Yuan era uma panda-gigante de 11 anos de idade. Moradora do zoológico de Taipé, em Taiwan, ela havia passado por uma inseminação artificial em março de 2015. Um dos problemas que torna os pandas-gigantes ameaçados de extinção é o fato de que eles não têm grande apetite sexual. Existem casos, inclusive, de pesquisadores que tentaram usar Viagra em pandas (sem muito sucesso).

Algumas semanas depois da inseminação, Yuan-Yuan começou a apresentar sinais de que estava grávida. Quando os cuidadores do zoológico percebem sinais de gravidez em uma panda-gigante, o animal é imediatamente levado a um espaço especial. Nesse novo lar, a panda recebe mais comida, incluindo alimentos de melhor qualidade. O espaço é maior e mais confortável, com ar-condicionado e cuidadores 24 horas à disposição da futura mãe.

Passaram-se algumas semanas e, após uma ultrassonografia, os funcionários do zoológico descobriram que Yuan-Yuan não estava grávida. Ela havia fingido os sintomas para comer mais e melhor, em um local mais confortável.

Pandas são fofos, é inegável. Mas é inegável, também, que pandas não têm ambições. Ofereça um punhado de bambu e um espaço confortável, e um panda viverá o resto de sua vida sem conflitos, desejos, sonhos, metas ou qualquer preocupação. Com o ser humano a coisa é diferente.

Cerca de 70 mil anos atrás, a população total de seres humanos no planeta era de aproximadamente 6 mil indivíduos. A tiragem desta edição da revista HSM Management é de 10 mil exemplares. Ou seja, o número de pessoas que lerá estas palavras pode ser quase o dobro do número total de seres humanos no planeta 7 mil décadas atrás.

O Homo sapiens, que vivia exclusivamente no leste da África, não se contentou com o que tinha. Seres humanos se alastraram pelo mundo. Hoje a população de Homo sapiens é mais de 1 milhão de vezes maior do que há 70 mil anos. Triplicou a própria expectativa de vida. Domou a natureza como nenhuma outra espécie chegou sequer perto de fazer.

O Homo sapiens é a única espécie que conseguiu a façanha de, em um espaço curtíssimo de tempo, tornar-se o mamífero dominante do planeta, vivendo em todos os biomas, utilizando a natureza em seu próprio favor e construindo um mundo, hoje, infinitamente melhor do que aquele em que viviam nossos ancestrais. Os seres humanos são a única espécie, inclusive, capaz de olhar para si mesma e criticar seus próprios comportamentos, mudar de rumo, preservar a si mesma e até conservar outras espécies. Pandas provavelmente não serão extintos graças aos esforços humanos.

A razão

O Homo sapiens não tem a velocidade de um leopardo, a força de um gorila, o olfato de um lobo, a audição de uma gazela, os dentes e as garras de um urso, os chifres de um íbex, a visão e a capacidade de voar de uma águia ou nada particularmente rápido como tubarões... O que, então, nos torna eficientes?

A resposta está na ponta da língua de todos: “a inteligência!”. Esta, no entanto, é uma resposta apenas parcialmente correta. O que permitiu à espécie humana chegar ao patamar atual foi sua inteligência colaborativa, raciocínio abstrato e grande adaptabilidade.

Um ser humano isoladamente não é capaz de solucionar os grandes problemas enfrentados por nossa espécie. Mesmo grandes gênios da humanidade tiveram a humildade de admitir isso. “Se eu enxerguei mais longe, foi por estar em pé sobre os ombros de gigantes”, nos disse Isaac Newton, provavelmente uma das mais brilhantes mentes humanas que já viveu.

É coletivamente, colaborando, dividindo nossa inteligência com outros membros do grupo, aprendendo uns com os outros, passando esses aprendizados para que as novas gerações (e cada vez mais pessoas) aprimorem e refinem aquilo que foi feito no passado — é por meio dessa fantástica capacidade de cooperação que a espécie humana encontra o ápice de sua capacidade biológica.

Acontece que abelhas e cupins também vivem em sociedades altamente complexas, com indivíduos que colaboram dentro de grupos com espantosa precisão. No entanto, não estão nem perto de conquistar o que o ser humano foi capaz de fazer. Não é somente a cooperação que nos coloca adiante de outras espécies na corrida evolutiva. A inteligência humana, diferente de outras espécies, é capaz de realizar raciocínios abstratos incrivelmente complexos.

Quando você olha para estas linhas, leitor, você está pensando na folha ou na tela concreta que está à sua frente, sendo capturada por seus sentidos. Mas você pode, agora, fugir do mundo concreto, construindo um mundo abstrato em sua mente. Você pode pensar em um urso polar. Você pode, ainda, imaginar esse urso polar na cor rosa. Você consegue imaginar um urso polar rosa e alado, com grandes asas de morcego. Os seres humanos conseguem imaginar mundos abstratos, para além do mundo concreto que os sentidos capturam nas imediações do corpo.

É essa capacidade de raciocínio abstrato que nos permite imaginar o futuro. É ela que nos permite imaginar um mundo diferente deste em que nós estamos vivendo e construir caminhos para chegar lá. Daniel Gilbert, professor do departamento de psicologia da Harvard University, costuma dizer que “o ser humano é o único animal que consegue aprender com seus erros antes de cometê-los”. Você não precisa experimentar um bolo feito com farinha de trigo, fermento, ovos, chocolate e fígado de peixe para saber que ele será horrível de se comer. Você imagina, e elimina essa possibilidade antes mesmo de ela virar um comportamento.

Nossos ancestrais, na savana africana, imaginaram um mundo fora de lá. Hoje, nós imaginamos um mundo melhor do que este em que vivemos e, com base nessa imaginação, planejamos e construímos caminhos para chegar lá.

O cérebro e nosso potencial de inovação

A capacidade humana de raciocínio abstrato é em grande medida associada à evolução da camada mais externa do cérebro, coletivamente chamada de córtex cerebral. Em específico, o raciocínio abstrato está associado, em grande medida, à evolução de um conjunto de estruturas do córtex (ou estruturas corticais) que se localizam atrás de nossas testas. Essas estruturas são chamadas de córtex pré-frontal.

Não quero que o leitor interprete isso com base em um erro comum daqueles que não têm grande familiaridade com as neurociências, que é a falácia localizacionista. A ideia de que o cérebro tem “centros” localizados para funções complexas é equivocada (ex.: centro do amor no cérebro, centro da raiva no cérebro). O cérebro é uma rede integrada de sistemas altamente complexos. Ocorre apenas que, para o sistema envolvido na mediação do que chamamos de raciocínio abstrato, o córtex pré-frontal é uma peça-chave, e sua evolução foi fundamental. Vale ressaltar, no entanto, que diversas outras estruturas também estão envolvidas nesse sistema. Por exemplo, o hipocampo, localizado no alocórtex. Falaremos dele daqui a pouco.

Agora já podemos compreender dois elementos centrais da capacidade que os seres humanos têm de imaginar, planejar e construir possibilidades diferentes para solucionar os problemas vividos no cotidiano, sejam grandes, sejam pequenos. Chamaremos essa capacidade de “potencial de inovação” ou, simplesmente, de “criatividade”.

O primeiro elemento contraria uma ideia muito presente no senso comum, de que a criatividade floresce na solidão. É sedutora a imagem da pessoa criativa que, sozinha, na calada da noite, isolada de tudo e de todos, produz ideias que mudam o mundo. Acontece que essa imagem é falsa. Mesmo Van Gogh, artista geralmente associado à produção solitária, era altamente engajado com a comunidade artística de sua época. Ele trocou muitas cartas com outros artistas, compartilhando e recebendo reflexões e críticas sobre obras e pintores. Van Gogh e Paul Gauguin tinham planos de construir uma colônia de artistas em um paraíso tropical. Inovar é uma atividade colaborativa.

Isso significa que a criatividade é uma capacidade profundamente social. É trocando ideias com outras pessoas, verdadeiramente ouvindo outros seres humanos e alimentando nossa mente com as ideias produzidas pelos outros, aceitando críticas e incorporando essas críticas para melhorar nossas próprias ideias, utilizando aquilo que ouvimos para dar nova luz ao que estávamos imaginando – enfim, é pela colaboração que a criatividade humana floresce. Foi essa capacidade de inovação colaborativa que nos tirou da savana, permitindo-nos chegar ao patamar em que estamos hoje. É ela que nos permitirá alcançar patamares ainda desconhecidos.

O segundo elemento da criatividade é a imaginação. É importante notar que, ainda que o córtex pré-frontal seja fundamental para a imaginação, ele não é o responsável isolado por ideias criativas. Uma das funções do córtex pré-frontal é inibir impulsos afetivos. Quando você diz “não” a uma bela sobremesa, ou quando põe a mão sobre o copo e impede que lhe sirvam mais um pouco de cerveja, é seu pré-frontal que está segurando as rédeas. Esse autocontrole é uma capacidade essencial ao ser humano. O problema é que impulsos afetivos são fundamentais para a criatividade.

A inovação acontece em uma dança entre as estruturas do córtex, incluindo o córtex pré-frontal (que nos permite o raciocínio abstrato) e impulsos inconscientes que emanam das profundezas do cérebro (e que incluem as emoções). Esse equilíbrio é difícil. Quando o pré-frontal comanda o barco com mãos muito firmes, podemos bloquear impulsos fundamentais, ideias que surgem de repente e que mudam toda a nossa visão de um problema. É por isso que uma taça de vinho (que inibe levemente o córtex pré-frontal) pode nos levar a lampejos de criatividade.

Mas o contrário é igualmente problemático. Quando emoções sequestram nossa mente, inibindo o córtex pré-frontal e dominando nossa produção de ideias, é mais provável que nosso comportamento seja demasiado impulsivo e nossas ideias, possivelmente, pouco coerentes. Qualquer um que já conversou com uma pessoa muito embriagada percebeu que essa pessoa acredita estar falando coisas brilhantes, quando na verdade só fala besteiras. É que o álcool em excesso inibiu demais o córtex cerebral.

A inovação acontece em uma dança entre as estruturas do córtex, incluindo o córtex pré-frontal (que nos permite o raciocínio abstrato) e impulsos inconscientes que emanam das profundezas do cérebro (e que incluem as emoções). Esse equilíbrio é difícil.

Usei o exemplo do álcool porque ele é uma substância que ingerimos e que, imediatamente, inibe funções corticais. Mas existem outras coisas que relaxam o córtex pré-frontal, permitindo essa dança harmônica entre pensamento, imaginação, emoções e processos inconscientes. Um perfeito exemplo disso é afastar-se do problema e procurar viver uma experiência relaxante.

Aproximar-se da natureza, permanecendo alguns dias, ou mesmo alguns minutos, em meio a árvores e jardins, é um possível caminho. Outro caminho é colocar o corpo em contato com a água, tomando um longo banho de chuveiro, banheira ou piscina. Ou somar as duas coisas, e mergulhar no mar. O afastamento do problema com a aproximação de um contexto relaxante permite uma harmonização entre nossos processos conscientes e inconscientes. Pergunte a pessoas que você considera criativas e muitas delas dirão que já tiveram grandes ideias no chuveiro ou quando descansavam em meio à natureza.

Há mais uma característica essencial da imaginação que também contraria uma ideia amplamente presente no senso comum. Muita gente acredita que ideias criativas surgem “do nada”. Que pessoas criativas têm a capacidade de produzir coisas totalmente novas, impensáveis até aquele momento. Que essas novidades radicais brotam em suas cabeças em momentos de epifania. “Eureca!”

Essa é, de fato, a sensação que temos quando estamos tomando banho e surge uma ideia que pode solucionar o problema que não conseguimos resolver a semana inteira no escritório. Mas não é porque temos essa sensação que as coisas ocorrem de tal forma. Se tem algo que as neurociências nos ensinam há décadas é que sensações não são uma boa medida da realidade. Como foi dito anteriormente, processos inconscientes são fundamentais para a produção de ideias criativas. Justamente por serem inconscientes, esses processos não são percebidos por nós, mas são parte integrante e fundamental do processo criativo.

Um dos principais alimentos desses processos inconscientes são as experiências que vivemos anteriormente, codificadas no cérebro nos diversos tipos de memória. Em 2007, a artista Lonni Sue Johnson, ilustradora da revista New Yorker, contraiu uma infecção quase fatal que destruiu seu hipocampo, causando danos irreversíveis à sua memória. Ela sobreviveu, mas perdeu a capacidade de se lembrar. Lonni nunca mais conseguiu criar. A memória é o alimento, muitas vezes inconsciente, daquilo que criamos. Sem memórias não há criatividade.

Experiências anteriores são o principal alimento da criatividade. Quanto mais experiências são vividas pelo cérebro, e quanto mais diversas forem essas experiências, mais criativo será nosso pensamento. E a melhor forma de viver experiências diferentes é compartilhando ideias com outras pessoas, abrindo nosso mundo interior para o mundo de outros seres humanos. A colaboração coletiva é uma das mais eficientes maneiras de trocar e viver experiências que, codificadas na memória, permitirão soluções criativas para os problemas que enfrentamos em todas as esferas da vida.

E quais são as implicações disso para as empresas?

Em primeiro lugar, se você deseja construir um ambiente organizacional que potencializará o pensamento inovador, estimule a colaboração entre as pessoas, e estimule a diversidade de ideias. A liderança ressonante, que estimula e exerce empatia, construindo um ambiente em que as pessoas se sentem verdadeiramente ouvidas, é fundamental para isso. Quanto maior for a confiança entre os membros de um time, e entre os colaboradores e suas lideranças, maior será o potencial de cooperação e, por consequência, melhores serão os resultados da empresa. Os estudos científicos são claros: empresas em que impera uma cultura de confiança têm desempenho melhor em todas as variáveis, incluindo rentabilidade.

Em segundo lugar, descanso é fundamental. Quando um problema parecer impossível de solucionar, afaste-se dele. Busque um contexto relaxante. Tome um banho. Vá ao parque correr. Passe um fim de semana no campo ou na praia. Esse afastamento permite o relaxamento do córtex pré-frontal, a redução da ansiedade, e uma harmonia entre processos conscientes e inconscientes no cérebro, potencializando a criatividade. Às vezes a melhor solução para um problema surge justamente quando você se afasta dele.

Em terceiro lugar, aprimore sua memória, estimulando seu cérebro com experiências novas sempre que possível. E aqui estou falando de experiências realmente novas. Se você é engenheiro, aprenda a pintar. Se é profissional de marketing, estude física. Enfim, busque experiências e conhecimentos realmente fora dos paradigmas já instalados em seu cérebro. Isso vai, primeiramente, manter seu cérebro jovem e saudável. Além disso, vai alimentar sua capacidade de inovar em sua profissão, mesmo que essa nova experiência não tenha conexão direta com sua área de atuação.

E, por último, lembre-se dos pandas. O terceiro e último elemento da criatividade humana é a nossa adaptabilidade. Quando ouvimos uma música de que gostamos, os neurônios associados à motivação e ao prazer disparam intensamente. Quando ouvimos de novo, esse disparo é menor. Depois de 200 vezes, o disparo quase não ocorre mais.

Quanto mais somos expostos a uma experiência, menos ela nos impacta. Isso nos permite, em primeiro lugar, uma grande resiliência. Raros são os eventos que nos abalam e nos mantêm abalados. O tempo passa, novas coisas acontecem, aprendemos com a dor e seguimos mais fortes.

Em segundo lugar, isso permite que nos adaptemos, inclusive, às coisas boas. Quando entramos na faculdade, nos adaptamos e logo queremos o estágio. Quando conseguimos o estágio, queremos ser efetivados. Quando conquistamos uma promoção profissional, nos adaptamos e queremos crescer ainda mais. Diferente dos pandas, o ser humano se adapta ao que conquista, e nunca está satisfeito com o que tem, querendo sempre mais. É por isso que saímos da savana africana para conquistar o mundo.

Claro que isso traz implicações negativas. A não valorização daquilo que temos ao nosso alcance, ou então a ganância que nos leva à autodestruição, são dois exemplos disso. Mas veja, leitor, que essa é, também, a característica que fez nossos avós lutarem para construir um mundo no qual, hoje, nós vivemos mais e melhor. É isso que faz você lutar para deixar um mundo ainda melhor para seus filhos e netos. Diferentemente dos pandas, o ser humano precisa de novos desafios para viver engajado, produtivo, focado e, em última instância, feliz. Inovar é humano.