Um processo sucessório repentino e intenso. Foi assim com Manuella Curti de Souza, Diretora-geral do Grupo Europa, que aos 26 anos, após decisão colegiada dos sócios, passou a integrar a direção geral da empresa em março de 2011. Manuella assumiu a presidência da empresa sem aviso prévio. Em 2009, seu pai, com câncer há mais de 10 anos, ainda era o diretor comercial e presidente da empresa e preparava o irmão Dacio Jr para sucedê-lo nos negócios. Mas após o Natal daquele ano tudo mudou com o assassinato do irmão e o falecimento do seu pai seis meses depois.

Advogada formada na PUC/SP e pós-graduada em administração de empresas pelo Insper, chegou a trabalhar na empresa como estagiária de direito por dois anos e depois que se tornou advogada passou a atender as demandas da empresa e de outros clientes. Quando assumiu o controle geral, o primeiro passo foi escutar, um período de muito aprendizado e confiança de que iria dar certo. A superação dos desafios e obstáculos diários fizeram perceber que é necessário se voltar para dentro de si e buscar força e autenticidade interior.

Entrevistada por Mauricio Goldstein para o blog da Corall Consultoria, Manuella detalha como está sendo desafiada a fazer a transformação nos negócios, sobre as disrupções que estão ocorrendo na área de purificadores de água e o propósito da empresa. Durante a conversa, a Diretora-geral do Grupo Europa também falou sobre liderança, sustentabilidade, inovação e a dificuldade como mulher empreendedora.

”Antes da nossa marca vem o que queremos para o mundo. Isso tem a ver com tratamento de água e a forma que buscamos nos relacionar com pessoas e informação”.

Quais são as disrupções que estão ocorrendo na área de purificadores de água e como o Grupo Europa está lidando com isso?

M.C: Acho que em termos de tratamento de água temos muita tecnologia disponível. Esse é um campo que não para de aparecer coisa nova porque a água é algo vivo. Afinal, em cada país que você for terá um tipo de água nas casas. Isso quer dizer também que todo comportamento humano também influencia, por exemplo, o lixo que produzimos e toda questão da contaminação que reverbera no tipo de tratamento.

O Brasil tem mais de 30 milhões de pessoas sem saneamento básico. Esse é um mercado muito vivo que precisamos olhar de forma constante, considerando um cenário macro de comportamento. Se eu levar um produto nosso para Índia não vai dar muito certo. Temos hoje foco no cenário brasileiro e, por isso, nossa tecnologia atende muito bem nosso mercado.

Praticamente todas as inovações feitas na área de purificadores de água foram criadas por vocês. Qual é o propósito da empresa?

M.C: Fizemos um estudo de reposicionamento de marca, mais ou menos há cinco anos, que decidi realizar porque fui em uma palestra em que o palestrante perguntou: se sua empresa fechasse hoje, alguém sentiria falta dela? E por que sentiria falta? Essas perguntas me fizeram entender que precisava clarificar nosso propósito e fomos para dentro da empresa para entender.

Inicialmente estávamos orientados somente para produtos, com o conceito “Europa, saúde da água”. Depois decidimos mudar o foco para as pessoas. Hoje existimos para servir a necessidade destas pessoas. Por isso, alteramos para “O Mundo precisa de mais pureza, Europa”.

Antes da nossa marca, vem o que queremos para o mundo. Isso tem a ver com tratamento de água e a forma que buscamos nos relacionar com as pessoas e as informações. Isso tem a ver com transparência, respeito e honestidade. Isso tem vibrado lá dentro e permeia muito nosso dia a dia e o planejamento estratégico.

Como esse propósito reflete na sua forma de gerir a empresa e na maneira de criar produtos?

M.C: Isso tem a ver com um trabalho que fiz primeiro comigo, que foi domar minha ansiedade. Porque isso tudo foi um processo de dentro para fora. Que fosse verdadeiro e perpetuasse ao longo do tempo. Por isso não bastaria fazer um investimento em comunicação e marketing para falar para todo mundo sobre esta questão se não fosse algo que acontecesse nas pequenas coisas do dia a dia.

Então, começou um desdobramento há cinco anos com um processo de desenvolvimento de liderança, bem voltado à questão individual para apoiar o liderado. Trabalhamos autonomia, autoconhecimento, comunicação e linguagem. Investimos bastante nos últimos quatro anos e, no final desse ano, vamos terminar um treinamento com um conteúdo básico sobre esse tipo de habilidade social em 100% da liderança da empresa.

No ano passado iniciamos um processo de desenvolvimento com distribuidores. Temos um canal próprio atuando no mercado com 143 distribuidores, 150 revendas e 450 pontos de venda. Isso representa mais de 3 mil pessoas ligadas ao negócio. Iniciamos com distribuidores, e tem sido incrível, a implantação de uma metodologia da Alemanha que mostra como encontro as ferramentas para fazer acontecer.

O mundo está tão dinâmico que cria um cenário complexo para administrar. A velocidade das coisas está grande e ficamos no estresse em não conseguirmos liderar nada, nem as pessoas e nem os processos. Para nós, é importante levar saúde para as casas das pessoas, mas também é necessário cuidar das pessoas que levam saúde para as casas dessas pessoas.

Isso tem mexido com o processo de transformação cultural, que é algo de longo prazo e no dia a dia encaixa no planejamento estratégico em tudo que fazemos. Em todas as nossas tomadas de decisões estão contidas esse nosso jeito de ser. Geralmente trago algumas perguntas provocadoras que têm causado reflexão. O lucro é importante, porque é assim que a empresa para de pé, mas o valor compartilhado é tão importante quanto e realmente acontece dentro da empresa. Essa percepção que é algo de longo prazo é importante porque é a caminhada que constrói o valor que buscamos.

Como funciona essa metodologia de liderança horizontal?

M.C: Tive contato com a metodologia alemã em 2012. Assumi a empresa muito nova e meu pai era um líder muito carismático e com a gestão centralizada. Quando conheci a liderança horizontal, percebi que tinha muito a ver comigo. A dimensão horizontal é importante para que as pessoas se engajem verdadeiramente e possam se refletir naquele ambiente, sendo algo que faça crescer o pessoal e profissional. Aprendi também que essa dimensão é tão importante quanto a vertical. Não teremos uma gestão somente horizontal, porque vai ter uma hierarquia, mas ter contato com isso foi muito importante para corrigir minha rota e direção.

Depois que perdi meu pai, comecei a fazer cursos de desenvolvimento para conseguir entender o significado da empresa na minha vida. Se ficasse somente perguntando o porquê das coisas não iria encontrar a resposta e iria entrar em depressão. Precisava aceitar o momento que se apresentava e ver as lições que isso me traz. Queria ter uma empresa que aprende. Fiz esse processo dois anos com uma consultoria, mas a partir do terceiro ano formatamos uma maneira dos colaboradores ensinarem. Isso está trazendo integração e está sendo excelente.

Como você faz para conduzir o processo de liderança, qual é o seu estilo e como faz para se preparar para isto?

M.C: Participo dos módulos da metodologia. Isso é importante porque precisa envolver do líder de linha do chão de fábrica até o presidente, cada um no seu estágio. Mas, além disso, pessoalmente busco dormir bem. Isso é importante para ter um dia tranquilo. Gosto de meditar, apesar que certas épocas a agenda não deixa muito.

Para minha liderança, busco sempre me atualizar, ler bastante, mas tenho a mania de comprar muito livros e não terminar. Gosto de assistir palestras e vídeos no YouTube. Gosto de estar em contato com gente bacana, navegando em mundos diferentes além do corporativo.

Estar em contato com criança é importante, assim como o mundo da arte, pois acolhe a alma e faz vibrar o coração. Busco muito nutrir a mente e também a alma para ser coerente. Gosto de coisas e experiências diferentes, busco a natureza, adoro acampar, fazer trilha e cachoeira.

Como uma empresa de vanguarda, a Europa tem uma grande preocupação com as políticas ambientais, cada vez mais valorizadas nos dias de hoje. Como vocês trazem esse discurso na prática e no mercado?

M.C: A sustentabilidade não é um departamento, mas tem que permear a empresa como um todo e trazer coerência. Você ter um purificador já é por si só um produto muito mais sustentável, já que deixa de gerar uma série de resíduos no meio ambiente.

Outra coisa: recentemente fizemos uma parceria com a Fe Cortez, responsável e idealizadora do Movimento Menos 1 Lixo, que distribui um copo retrátil para ser levado na bolsa. O objetivo é não gastar copo plástico. Durante um ano as pessoas usam mais de mil copos plásticos. Os colaboradores usavam dentro da empresa, na média, cinco copos plásticos por dia. Tiramos os copos plásticos e fizemos uma ação com os distribuidores.

Em todos nossos eventos também adotamos esse conceito e presenteamos com o copo. Isso parece simples e banal, mas é muito impactante. Outra coisa é a questão da logística reversa com descarte responsável e reciclagem dos produtos. Estamos longe de ser uma empresa perfeita, mas já começamos uma caminhada bacana nesse sentido.

A inovação é algo que traz competitividade nos dias de hoje. Como você fomenta o empreendedorismo e a inovação?

M.C: Acho que inovação de produto é importante. Mas não é só isso. Ela precisa caminhar junto com outras questões. Temos inovado bastante. Desde que assumi tivemos uma boa caminhada. Com isso, vamos formatando processos de forma conjunta. Meu papel como líder é liberar o fluxo para que as ideias virem realidade. Dentro deste objetivo, tive um momento importante de aproximação real das pessoas na empresa, com reuniões mensais e abertas para ouvir as pessoas, que chamamos de “Café com a liderança”.

Tem muita oportunidade de melhoria, pois no dia a dia não paramos para ver algumas coisas porque estamos tocando o processo como um todo. Nessas reuniões liberamos um canal de recepção de informação muito valioso, principalmente porque tem todas as áreas e tipos de pessoas.

Outra coisa é que abrimos o e-commerce do Grupo Europa e fizemos todo processo junto com o canal de distribuição, a nossa rede. Abrir números e ter transparência foi muito importante no processo. Chamamos os distribuidores para costurar uma estratégia conjunta para lançar o canal, pois o pensamento de cooperação de fato agrega valor e gera resultado. Fizemos isso no e-commerce e no varejo, com diversificação e distribuição de produto.

Também inovamos em design e produtos desde 2011. Acho que internamente o processo de desenvolvimento humano é algo inovador, pois o foco antes era na capacitação técnica e não no desenvolvimento de responsabilidade social. Estamos mudando o visual dos quiosques, que está gerando movimento e crescendo o número de lojas de distribuição no Brasil. A marca é muito forte e querida; isso facilita. Também estamos de olho nas reclamações, digo no SAC, para refazer os processos e alinhar as expectativas.

O fato de ser mulher impactou sua jornada como líder empreendedora?

M.C: Gosto de pensar que não (risos), mas sabemos que existe uma barreira. Acho que tem uma coisa velada, que você sente e não está explícito. Decidi que iria fazer e que tinha alguns obstáculos: ser jovem, ser filha do dono e ser mulher. Fui criada de uma forma orientada para fazer o que quisesse, não tive limitações em casa. Escolhi que toda vez que acontecesse alguma coisa que me limitasse, tanto no trabalho como fora dele, que iria me posicionar. Mas precisamos saber a forma de se posicionar, pois a mudança para a mulher é importante. Nesses processos, busco trazer as pessoas junto e integrar, não excluir, pois homens e mulheres precisam trabalhar juntos.

Se você realizar tudo que já desejou e deseja, pelo que gostaria de ser lembrada?

M.C: Alguém que contribuiu positivamente e conseguiu influenciar as coisas para o bem e melhoria. Ouvimos falar muito de transformação, mas precisa saber o que e para que quer transformar. Qual é o mundo que você quer? Nunca gostei de injustiça e falta de dignidade. Busco e contribuo para que isso não exista e desapareça. Sei o mundo que quero e tenho na minha cabeça. Isso que me faz levantar todos os dias e gerir a minha empresa a partir da minha alma. Quero sair na rua e não ver ninguém dormindo e passando fome. É isso que quero construir, onde as pessoas tenham opções de escolher.

Mas como as empresas podem contribuir para que esse mundo seja possível?

M.C: No dia que os valores tiverem mais importância que o dinheiro as coisas vão mudar. Nos ambientes que transito, o dinheiro está em primeiro lugar, não só no mundo corporativo, mas também na família, nos casais e nas relações. Tudo orbita em torno do dinheiro. No dia que o dinheiro servir a sociedade, e não ao contrário, talvez tenhamos a construção de uma sociedade diferente.

Penso muito nisso e procuro trazer isso no meu negócio. Não acho que tudo se resolve em um grande bônus no final do ano. Claro que dinheiro gera corpo e viabiliza, mas quando tem uma concentração gigantesca de renda na mão de poucos, sendo que muitos estão passando fome, algo está errado. Uma distorção do sistema. Sei que não vou conseguir mudar o mundo, mas dentro do meu negócio, posso modificar essa questão da importância do dinheiro.

Sou a favor de que se a empresa ganhar todo mundo ganha. Mas preciso ter cuidado ao mostrar como vamos lidar com isso. Não quero que a pessoa acorde cedo pensando somente no bônus. Isso é muito profundo e gostaria de deixar essa mensagem. Se consegui estudar nas melhores escolas, se tive amor dentro de casa, tive acesso a arte e cultura, será que isso é meu? Isso só gera mais responsabilidade e me questiono sobre esse monte de acesso que sempre tive. A pergunta diária é: quando faço isso estou a serviço do quê?

Gostaria de deixar um comentário final?

M.C: Me inspiro muito com as pessoas e me sinto muito privilegiada em ter assumido a empresa aos 26 anos e ter tomado várias bordoadas tão jovem. Mas sou muito grata por essa oportunidade de aprendizado e aceleração do meu desenvolvimento. Quero agradecer aos fundadores da empresa que viabilizaram estar nela hoje e agradecer vocês por trocar um pouco das minhas experiências nos últimos 7 anos.