A Natura tem em sua essência criar e comercializar produtos e serviços que promovem o bem-estar. João Paulo Ferreira está muito bem alinhado com esta filosofia. Presidente-executivo desde novembro de 2016, Ferreira ingressou na empresa como vice-presidente de logística, após uma trajetória de quase 20 anos na fabricante de bens de consumo Unilever. Sua última posição antes de assumir a presidência foi a vice-presidência de Redes, tendo sob sua responsabilidade a área comercial. Ele é também o membro mais antigo do Comitê Executivo da Natura, que passou a integrar em 2009.

Entrevistado por Mauricio Goldstein para o blog da Corall Consultoria, Ferreira detalha seus aprendizados nessa jornada até assumir a presidência, comenta as disrupções que estão ocorrendo na sua indústria, a importância de manter as consultoras engajadas e como a questão da sustentabilidade impacta a Natura.

“Prezo muito por transparência, honestidade e confiança, pois são fatores que permitem conexões entre as pessoas”.

Você está desde 2009 na Natura e é o membro mais antigo do Comitê Executivo da companhia. Qual foi seu maior aprendizado nessa jornada até assumir a presidência?

Destaco dois aprendizados. O primeiro é a questão do autoconhecimento. A Natura foi um ambiente muito fértil para promover conhecimento para todo o grupo gerencial e isso teve muita importância na minha jornada. Não tenho dúvida que é um dos elementos fundamentais que me trouxe até a presidência. O autoconhecimento me fez entender melhor e também ajudou na minha forma de me relacionar com quem estava ao meu redor.

O segundo ponto que destaco foi de compreender o negócio e os elementos sutis que envolvem a empresa. Claro que existe uma mecânica sofisticada no nosso modelo de negócio, que leva tempo para aprender. Não é do dia para a noite. Mas a Natura é uma empresa única e que adiciona propósito em tudo o que faz. Aprender sobre esses elementos, que muitas vezes não são ditos e escritos, foi também um desafio e um aprendizado bastante importante nessa jornada.

Olhando para sua trajetória profissional, qual foi a diferença que fez a diferença? Do que mais se orgulha?

Teve um elemento de abertura para o novo que foi muito importante, que me fez perguntar muitas vezes se haveria outras formas de executar e dar significado ao negócio. Outro componente que fez a diferença foi aprender a trabalhar em grupo. Recebi muito apoio nessa jornada, em todos os momentos, e isso me deu confiança para expressar, inovar, arriscar e errar.

Poderia lembrar algum equívoco que trouxe crescimento profissional?

Modifiquei questões estruturais importantes e tentei maximizar o impacto das mudanças em um menor período possível. Isso é algo que não foi um erro, mas que trouxe grande mudança, pois as transformações foram realizadas na área comercial da empresa, na venda direta. Isso implicou em três anos de aprendizado e muitos testes que fizemos na prática. O complicado é que cada teste é realizado com cerca de 1,5 milhão de pessoas, o que implica em erros e acertos de grande impacto na sociedade.

A Natura lançou recentemente um aplicativo chamado BexCo para conectar suas consultoras e estimulá-las a trocar informações sobre venda direta. Quais são as disrupções que estão ocorrendo na sua área de negócios?

Vejo nosso modelo de negócio como uma rede social que envolve cerca de 1,4 milhão de empreendedoras no Brasil. Elas se reúnem voluntariamente por causa de interesses comuns. Isso transcende a comercialização de cosméticos, pois envolve questões de ordem individual, social e ambiental.

Fizemos toda essa integração com o off-line com muito sucesso. Agora, as relações em rede podem ser amplificadas através de recursos digitais. Vivemos hoje um novo tempo, de economia também em rede, que é multidirecional. Precisamos dar sentido à conexão entre consultora, consumidora e Natura. Tudo isso precisa fortalecer o elo da nossa rede.

A verdade é que as relações já estão digitalizadas. A pergunta que precisamos responder é como podemos ser relevantes o suficiente para sermos convidados a participar dessa conversa.

Como manter um time de consultoras externas engajadas com o propósito da empresa? 

Nessa grande mudança comercial que fizemos, que foi evoluir da venda para a relação, nós também redefinimos nossa proposta de valor para as consultoras em três componentes.

Primeiro, fortalecemos a prosperidade, pois mudamos as regras para que as consultoras consigam ter mais resultados na medida em que se dedicam.

Depois vem o pertencimento, porque estar no ecossistema permite receber múltiplos apoios e suportes dentro da rede. E não estou falando só de apoio comercial. Temos histórias incríveis e inspiradoras.

E o terceiro ponto é o propósito, pois é possível fazer negócio, se desenvolver e gerar um impacto positivo na sociedade. Seja por meio de um projeto da própria consultora ou através de algumas das nossas causas, como educação infantil pública ou proteção ambiental.

A Natura foi a primeira empresa listada em bolsa a se tornar carbono zero e também desenvolve produtos com uma clara preocupação ambiental. Como a questão da sustentabilidade impacta o negócio da empresa?

A Natura faz parte de uma rede global de empresas e organizações, as B Corp, que associam crescimento econômico à promoção do bem-estar social e ambiental. O fato de se tornar uma B Corp nos conectou com várias outras empresas com o mesmo ideal. O fundamental foi usar essa comunidade para nos reunirmos com essas empresas e abrir um espaço de inovação, com uma série de processos, produtos e serviços que jamais imaginaríamos.

Passamos a ter contato com pessoas que pensam com o mesmo propósito. Nesse ponto volta a questão da importância da rede. Pensamos com os mesmos valores, sendo que muitas dessas empresas são de setores diferentes, mas pensando em como atuar em uma comunidade da Amazônia, por exemplo, o que é fantástico.

Como criar uma cultura de inovação e conseguir liberar o potencial máximo das pessoas?

Inovação pode ser categorizada de múltiplas formas. Colocamos centenas de novos produtos por ano na prateleira, mas acho que a questão mais relevante é o grau de disrupções associadas com as inovações, sejam tecnológicas ou de conceito. Isso traz um significado para a consumidora e a sociedade.

Na história da Natura as inovações ocorreram dessas formas. Com Chronos, por exemplo, falávamos da importância do tempo e não queríamos esconder os efeitos que o passar dos anos proporcionam. Outro exemplo é com o Mamãe Bebê, em que abordamos os momentos vividos no início da vida que trazem uma relação no efeito do tempo muito grande.

Esses são conceitos que fazem diferença no pensamento da sociedade. Esse é o maior desafio, que é manter as antenas viradas para o que está acontecendo. O desafio é transformar isso em oportunidades de negócio, produtos e comunicação.

A chave do negócio está mais na arte do que na ciência. Procuramos estimular as pessoas muito além do lançamento do produto, mas com outros símbolos e contextos, para que consigam fazer uma leitura do mundo e conectar com os negócios.

Falando em pessoas, o que você mais admira e o que te incomoda?

Admiro transparência, honestidade e confiança. São esses fatores que permitem conexões entre as pessoas. Admiro muito o talento individual, mas reforço que o trabalho coletivo em rede é fundamental. O que não gosto nas pessoas é o medo de errar. Essa não pode ser uma característica que sobressai no profissional.

Você tem aquele momento de descarregar a energia? O que faz para manter o equilíbrio?

Me equilibro com família e música. Meu tempo livre passo com esposa e filho, que, preciso confessar, toca cada vez melhor guitarra. Passamos muito tempo conversando, pois temos o hábito de jantar todos os dias juntos, cerca de uma hora e meia, só falando sobre a vida. Esse é um espaço onde consigo buscar meu equilíbrio.