Sempre que perguntava a seus gestores de recursos humanos (RH) se estava tudo bem, David Abramo Randon, diretor-presidente do grupo Randon, de implementos para transporte rodoviário, ouvia um “sim”, apesar de empregar 12 mil pessoas.

O que os executivos não relatavam era que a entrada das gerações Y e Z no quadro de colaboradores estava revolucionando as empresas. Esses nascidos a partir dos anos 1980, altamente conectados, com elevado preparo e muitas exigências, eram bem mais questionadores que a média, queriam um plano de carreira claro e faltava-lhes paciência para esperar muito a promoção. Como lidar com eles?

Em janeiro último, David Randon compartilhou o desafio representado pelas gerações Y e Z com uma pequena roda de líderes empresariais como ele, em uma reunião do Conselho de Presidentes (CP). Trata-se de uma organização informal criada há quatro anos no Rio Grande do Sul como um espaço em que empresários da região Sul discutam preocupações de gestão e voltem para suas empresas com subsídios para novas estratégias. Participam dela os principais executivos de gigantes como Randon, Renner, Todeschini, Marcopolo e ThyssenKrupp.

Contra o filtro de más notícias

O Conselho de Presidentes foi fundado há quatro anos pelo consultor Dernizo Pagnoncelli, da Pagnoncelli & Associados, com a missão de promover o aconselhamento mútuo dos líderes visando o futuro dos negócios.

“O presidente é solitário”, afirma o economista, também gaúcho, que trabalha com consultoria em planejamento estratégico e foi consultor de quase todas as empresas que hoje têm representantes no CP. “Ao longo de 40 anos, observei que o presidente de uma empresa é um ser solitário na hora de tomar decisões. A quem ele recorre? Ou contrata um consultor, para ouvir uma opinião paga, ou ouve seus subordinados.”

Dernizo Pagnoncelli, consultor e fundador do Conselho de Presidentes
Dernizo Pagnoncelli, consultor e fundador do Conselho de Presidentes

Para Pagnoncelli, opiniões pagas e de subordinados ajudam, mas não resolvem na hora H, em que o presidente tem de tomar uma decisão e abraçar todos os riscos que ela acarreta. E os subordinados tendem a filtrar as más notícias e as divergências dentro da empresa, como observa, por exemplo, Maribel Carvalho Suarez, professora do Coppead, a escola de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para quem grupos como o CP são cada vez mais importantes para desafiar os líderes a encontrar soluções criativas para seus negócios e o futuro.

Pagnoncelli cita Ram Charan, célebre conselheiro de Jack Welch e de vários CEOs de multinacionais, para ressaltar a importância do futuro. Charan costuma fazer um alerta quanto ao “atoleiro de revisões de números financeiros trimestrais” em que os executivos se colocam, quando concentram tempo e atenção em decisões já tomadas, resultados já obtidos e decisões a serem tomadas no curto prazo –ou seja, no passado e no presente, raramente no futuro.

A tese de Pagnoncelli que conquistou corações e mentes dos empresários é que cabe a eles pensar estrategicamente e antever cenários futuros, e que, para isso, o ideal é que possam compartilhar tal angústia com os pares. Eles o fazem nas reuniões e sempre se surpreendem com a quantidade de questões e desafios comuns, inclusive em setores completamente diferentes. “Eu já vi gente encontrar parâmetro de atendimento não em uma empresa de seu setor industrial, mas em uma de entretenimento”, afirma o consultor.

O futuro não deveria ser da seara do conselho de administração de cada empresa? Também, mas as formalidades requeridas em um board inibem a liberdade de pensamento, segundo Pagnoncelli, que destaca a informalidade como uma das vantagens do CP.

Pares úteis
Opiniões pagas e de subordinados ajudam, mas não resolvem na hora H, quando decisões são tomadas e riscos assumidos; o CP se baseia na ideia de que a validação com os pares é mais útil

Mauro Bellini, da Marcopolo, membro do Conselho de Presidentes
Mauro Bellini, da Marcopolo, membro do Conselho de Presidentes

Informal como tomar um chope

O Conselho de Presidentes é um grupo informal, que busca ser “como amigos que se sentam para tomar um chope”, na definição de Pagnoncelli, mas tem sua organização. É feita pela DP2 Consultoria, empresa criada por ele especificamente para essa atividade, com apenas dois colaboradores. Ela recebe as mensalidades dos associados e faz os pagamentos –aluguel de auditórios e salas de reuniões, restaurantes, passagens aéreas, hotéis, contratação de palestrantes externos.

Os participantes são convidados a entrar no grupo e também podem pedir para fazê-lo, mas só se vierem de empresas representativas de seu setor –em geral, de grande porte e líderes do segmento– e com proximidade geográfica. Eles não podem ser do mesmo setor ou concorrentes, em razão da troca de informações estratégicas.

A inclusão de líderes de médias empresas e de organizações com outros perfis é bem-vinda desde que tenham algo a acrescentar, como no caso de um dos integrantes, que é presidente de um sindicato de médicos. Embora o CP tenha 24 membros, cada reunião tem no máximo 12, “para não virar reunião de condomínio”, como diz Pagnoncelli. Como organizador, o consultor marca as reuniões, escolhe a pauta e contrata eventuais palestrantes, de acordo com a demanda e a conveniência do grupo.

O CP tem também uma página na internet, fechada com senha para os participantes, onde são divulgados artigos e comunicados e trocadas informações. Cada membro também ganha um e-mail exclusivo, e não há nada de redes sociais. Uma vez por ano, os participantes recebem um livro que reúne reflexões valiosas de grandes “gurus” da gestão, como Ram Charan, já mencionado.

Ao fazer parte do Conselho de Presidentes, cada membro se compromete com a frequência às reuniões e a confidencialidade do conteúdo discutido. Os encontros são mensais e duram no máximo três horas, mas continuam, virtualmente, pela internet.

"O grupo é informal, como se sentássemos tomando um chope”

E as gerações Y e Z?

Quando Randon levou o tema das gerações Y e Z ao CP, todos puderam discutir a importância de, além de dispensar tratamento igualitário aos colaboradores, dar-lhes mais oportunidades de diálogo, de modo franco e aberto, prevendo até uma interação periódica com executivos seniores.

Mauro Bellini, presidente do conselho de administração da Marcopolo, a maior fabricante de carrocerias para ônibus do País, conta que a conversa franca no âmbito do CP sobre a questão das gerações Y e Z ajudou muito o debate sobre o tema em sua empresa. “As novas gerações estão chegando ao mercado de trabalho e integrá-las na organização é, de fato, um desafio”, diz ele, reiterando que esse é o tipo de questionamento que dificilmente chega a um presidente no dia a dia.

Segundo Bellini, na primeira oportunidade depois da palestra no CP, o tema foi adicionado à pauta de seu conselho de administração. “Eu já tinha conversado com nosso conselho, mas o debate [no CP] enriqueceu”, afirma. “Tive uma visão de outras dez empresas e a experiência delas foi se agregando ao meu pensamento.” Não houve nenhuma mudança radical na política de RH da Marcopolo, porém o assunto passou a ganhar atenção especial.

Recursos humanos são um tema que remete a futuro, mas o cardápio do CP é extenso, como afirma Arthur Motta, também membro do grupo, diretor e sócio da D’Or Soluções Corporativas, organização associada à rede D’Or de hospitais do Rio de Janeiro. Os temas preferidos de Motta nas reuniões do CP, por exemplo, são empreendedorismo e produtividade no trabalho.

“A boa produtividade é uma questão-chave para todos nós”, avalia ele, para quem um dos maiores diferenciais do grupo é fazer chegar aos empresários questões que raramente vão a seu conhecimento. O próprio Motta conduziu uma reunião assim em março de 2014, sobre práticas bem-sucedidas em situações de crise e uma visão inovadora para a “blindagem” das empresas. 

Em expansão
A “terapia de negócios” cresce no Brasil; só o Conselho de Presidentes pretende abrir grupos regionais em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Campinas, ainda em 2014 

Concorrência

Entidades como o CP, com fins de aprendizado e não de articulação política, crescem no Brasil, mas existem há muitos anos nos EUA, que batizou a atividade de “business therapy”. Duas delas, o YPO e a Renaissance Executive Forums, viraram franquias internacionais e estão no Brasil, cada qual com suas peculiaridades. [Veja quadro sobre o YPO nas páginas anteriores.]

Foi em 2000 que André Kauffman, engenheiro e sócio de uma indústria de refratários, adquiriu a licença da Renaissance Executive Forums para o Brasil. Hoje a entidade tem 11 grupos, em um total de 100 membros divididos entre São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Joinville –metade deles são donos de empresas, metade CEOs. Os participantes pagam R$ 40 mil por ano, preço de um MBA, o que inclui quatro sessões individuais.

Diferentemente do CP, o tamanho da empresa tem pouca relevância na Renaissance, segundo Kauffman. Como o sucesso da organização depende da troca de experiências dos executivos, quanto mais diferentes eles forem, melhor. 

YPO forma líderes pela educação

Cursos e palestras são a base da instituição para jovens CEOs fundada em 1950 nos EUA

O Young Presidents’ Organization, conhecido como YPO, foi fundado em Nova York, Estados Unidos, em 1950, por um jovem presidente de empresa, Ray Hickok. Ele queria encontrar seus pares jovens para dividir os dilemas e desafios que ele mesmo enfrentava. Hoje o grupo tem 20 mil executivos associados em mais de 120 países.

Daniel McQuoid, presidente da TreeCorp Investimentos e atual representante do YPO no Brasil
Daniel McQuoid, presidente da TreeCorp Investimentos e atual representante do YPO no Brasil

A organização fundada por Hickok chegou ao Brasil há 35 anos pelas mãos de Paulo Villares, herdeiro do grupo siderúrgico Villares, que, na época, reuniu dez jovens empresários como ele para formar a primeira seção em São Paulo.

Hoje o YPO tem 535 membros no País, divididos em dois grupos: até 50 anos de idade (375 membros) e acima de 50 anos (o restante). Há três categorias de membros –executivos (principais ou presidentes), empreendedores e acionistas principais–, espalhados por onze “capítulos” regionais: três em São Paulo; dois no Rio de Janeiro; dois em Porto Alegre; dois no Recife; um em Curitiba; um em Belo Horizonte. Um novo capítulo está em formação em Campinas, interior de São Paulo, onde também está se instalando o Conselho de Presidentes. O objetivo é chegar a mil membros em 2017.

A missão do YPO é “formar os melhores líderes pela troca de ideias”, constituindo-se em um fórum que os membros frequentam não só para aprender, mas também para ensinar, como explica Daniel McQuoid, representante do YPO no Brasil.

A ideia é dar e receber orientação, trocar informações e experiências sobre qualquer tema que afeta a estratégia das empresas. “Da escassez de água em São Paulo aos riscos energéticos, política econômica e legislação, tudo se discute, às vezes com palestra de visitantes internacionais ou locais”, relata McQuoid. Presidente da TreeCorp Investimentos, gestora de fundos de investimento com foco em companhias emergentes de médio porte, McQuoid diz que a importância de participar do YPO para ele é justamente o contato com outras empresas.

Financiado por mensalidades pagas pelos sócios, que variam de acordo com o nível de participação e o local, o YPO oferece educação e formação a seus membros, mantendo acordos e parcerias com universidades, tanto no Brasil como no exterior. Fundação Getulio Vargas, Harvard e Stanford são algumas das instituições que anualmente recebem alunos ligados ao YPO para cursos de curta ou média duração. Programas sobre negócios, administração, inovação e empreendedorismo são os preferidos. McQuoid, por exemplo, participou de um curso de uma semana em Harvard durante o qual foram analisados casos de empresas na Europa e em países emergentes.

Além dos cursos, há jantares, palestras e encontros ao longo do ano todo.