Segundo uma já velha sabedoria do mercado, os clientes não compram produtos ou serviços, mas soluções. Isso significa que, quanto mais uma empresa conhece seus clientes, melhor ela se sai ao tentar resolver seus problemas –prevendo os desejos e necessidades deles.

Compreender os clientes centrais de uma empresa não deveria ser tão difícil. Afinal de contas, eles são usuários de seus produtos e aparentemente estão satisfeitos com o que a marca já oferece. Mas entender os desejos, as necessidades e os problemas de não clientes, e de clientes ocasionais, o equivalente aos indecisos em uma eleição, que não usam o produto regularmente, é um desafio bem maior.

“O primeiro princípio da busca de novas possibilidades de crescimento é o de que é sempre melhor ir atrás de consumidores negligenciados e mal atendidos”, afirma o professor de marketing David Bell, da Wharton School.

Buscar novos clientes requer uma compreensão profunda de seus desejos, de suas atitudes e de seus gostos. As empresas precisam desenvolver uma análise aguçada das forças que atuam no mercado e, então, descobrir o que está faltando em sua atual linha de produtos e quais os caminhos potenciais para novas ações. Ao mesmo tempo, devem assegurar que o lançamento de um produto desenvolvido para atrair novos clientes não as desvie da missão de servir as necessidades dos atuais usuários.

Costuma ser difícil para os gestores saber com certeza se introduzir um novo produto dirigido a um tipo diferente de consumidor é um investimento que vale a pena, tanto em termos de custo como do esforço requerido. Muitas empresas têm conseguido com sucesso avançar sobre novos consumidores utilizando experimentos de curto prazo a fim de testar o ambiente para lançamentos mais ambiciosos.

Para o professor Bell, os líderes empresariais que buscam novos clientes devem se fazer duas questões. “Uma é a seguinte: ‘Há potencial para crescimento nesse caso?’. E a outra: ‘Tenho capacidade, tanto operacional como de inteligência, para me jogar nessa nova área?’”, explica.

Novos nichos

Ir atrás de novos clientes por meio de um novo produto requer um grande volume de dados de pesquisa de mercado. As empresas devem se tornar íntimas das necessidades, dos problemas e das características psicológicas de seu público-alvo. Têm de ser capazes de estimar o tamanho e o valor da base de clientes que querem atingir, e calcular os esforços e custos necessários para conquistar esses novos clientes.

“A ‘equação do valor de vida do cliente’ é fácil na teoria, mas bem difícil na prática”, diz Bell. “O maior erro que as empresas podem cometer é gastar muito dinheiro, que elas nunca vão conseguir recuperar para conquistar um novo cliente”, acrescenta.

Ao desenvolver um novo produto para um novo cliente, os gestores precisam descobrir o que seus concorrentes oferecem e onde podem estar os “buracos” do mercado. Devem prever o volume de vendas do novo produto, a que preço será vendido e o grau de canibalização que pode causar sobre o portfólio existente, recomendam os especialistas.

O novo produto pode precisar de um canal de vendas diferente ou até mesmo de uma nova marca. “Muitas empresas têm sucesso com submarcas”, explica o professor da Wharton, indicando como exemplo os hotéis Courtyard, da Marriott, um spinoff de médio preço da rede de alto padrão, com o objetivo de atrair tanto viajantes de negócios que querem economizar como famílias.

Jason Green, um dos diretores do The Cambridge Group, firma de consultoria que é uma divisão da Nielsen, diz que as empresas devem, em geral, concentrar seus esforços em novos produtos pensados para os indecisos. O objetivo, segundo ele, é seduzir aqueles que “estão insatisfeitos e que não usam a categoria tão frequentemente quanto você gostaria”.

O lançamento do Wii pela Nintendo, em 2006, exemplifica casos em que a empresa assume um risco calculado para atrair novos clientes, conta Kevin Bolen, sócio da Innosight, firma de consultoria localizada nos arredores de Boston, Estados Unidos.

Durante muitos anos, a companhia japone­sa ocupava o terceiro lugar no mundo dos videogames, distante das duas primeiras, a Microsoft, com o Xbox, e a Sony, com o Play­Sta­tion 3. Em vez de tentar alcançar os líderes desse concorrido mercado, cuja base de consumidores é formada sobretudo por homens com idade entre 18 e 35 anos, a Nintendo procurou pessoas que não costumavam comprar videogames e vislumbrou um público potencialmente bem maior. E, para conquistar esse público, ela criou o Wii, um console mais intuitivo e interativo, baseado em esportes como tênis, golfe e boliche.

O Wii levou milhões de novos consumidores para o mercado de videogames, em especial famílias e mulheres. Também vendeu significativamente bem para pessoas da terceira idade. Casas de repouso usam o Wii para tratar pacientes que estão se recuperando de derrames, traumas ortopédicos e até mesmo cirurgias.

Em 2008, apenas dois anos depois do surgimento do Wii, a Nintendo vendeu mais de 10 milhões de consoles, superando tanto o Xbox como o Play­Station 3, de acordo com pesquisa do NPD Group. “A Nintendo conquistou com sucesso um segmento alternativo de clientes”, destaca Bolen. “Mas mesmo os usuários de videogames mais ‘pesados’ acharam o modelo interativo muito legal.”

Ele ressalta, ainda, que a criação e o lançamento de um novo produto voltado para um tipo inteiramente diferente de consumidor requer certa dose de fé. “Você precisa ter a percepção e a confiança de que há valor para ser descoberto por sua oferta única”, explica.

Sempre simples

Os especialistas aconselham: empresas que não têm certeza sobre como atrair novos clientes, e que não estão dispostas a avançar por fé no futuro, devem fazer experimentos antes de agir. Eles são um caminho para as organizações que querem se aventurar em um novo produto ou categoria sem investir muito dinheiro ou tempo.

Os experimentos não precisam ser complicados. Podem consistir em produzir um lote de um produto de duração limitada, testar a novidade em uma região geográfica particular ou estudar outros países ou concorrentes que tenham tentado abordagens semelhantes.

“A grande pergunta que as empresas se fazem é: ‘Quanto podemos gastar para resolver o problema de haver não compradores de nossos produtos?’. Mas essa não é uma boa pergunta”, acredita George Day, professor de marketing da Wharton. Responsável por uma disciplina chamada “Inovação para o Crescimento: Estratégias e Práticas”, que discute formas pelas quais as organizações entram em novos mercados e impulsionam seu crescimento orgânico, ele diz que “as empresas devem buscar um caminho viável para entrar em um mercado e se perguntar se podem fazer algo simples e experimentar”.

Os experimentos também permitem que as organizações adotem um processo de tentativa e erro de maneira menos custosa. Poucas fazem tudo certo quando lançam um produto, segundo a observação dos especialistas. Geralmente, há algo que os gestores não avaliaram bem: ou a demanda é bem menor do que eles pensavam, ou escolheram o público-alvo errado.

Antes de lançar um novo produto, é preciso analisar cuidadosamente os limites atuais de consumo, recomenda Day. “Pode haver uma razão para que os consumidores não estejam adquirindo artigos de determinada categoria. Pode haver um obstáculo no caminho deles”, explica. “Talvez eles não tenham as habilidades ou experiência para comprar seu produto. Talvez não tenham tempo ou dinheiro. Ou ainda acesso ao produto.”

Day, coautor, com Christine Moorman, de Estratégia de Fora para Dentro: Lucrando com o Valor ao Cliente (ed. Bookman), afirma que “as empresas devem aprender como se colocar no lugar de seus não clientes, assim como de seus concorrentes, e olhar para seu mercado e para si próprias de fora”. E acrescenta: “Não é algo fácil de fazer”.

Mas também não é impossível. Jeff Bezos, fundador e presidente da Amazon, conseguiu ao longo de anos, de forma metódica, diversificar sua base de clientes com novos produtos e serviços. “Quando começou a Amazon, Bezos não esperava só vender livros online; sua visão era mais ampla”, diz Bolen, da Innosight. “Ele teve paciência para que as coisas acontecessem, mesmo que no curto prazo Wall Street questionasse suas ações. Depois, acabou sendo celebrado como pioneiro.”

Bezos foi reconhecido assim, por exemplo, em 2000, quando a empresa criou o Amazon Marketplace, serviço que permite que os clientes vendam livros, CDs e DVDs usados, assim como outros artigos. E novamente em 2006, quando a Amazon diversificou para outros serviços na web.

Mais recentemente, a Amazon entrou no segmento de venda online de alimentos, com entrega em domicílio. A Amazon Fresh oferece o serviço para um número limitado de áreas da cidade norte-americana de Seattle. Analistas têm expressado dúvidas sobre se esse serviço pode ser levado para um público maior. “A empresa está experimentando no segmento de alimentos e, mais uma vez, está sendo questionada”, ressalta Bolen. “Mas o faz em seu ritmo e vai seguir com esses pequenos experimentos até quando acreditar nas oportunidades que aparecem.”

A Southwest Airlines, companhia aérea de baixo custo, é outra que se aventura na experimentação, como relata Anne Morriss, coautora, com Frances Frei, de Uncommon Service (ed. Harvard Business Review Press). Em 2008, a empresa acrescentou a categoria “business select”, equivalente à classe executiva, a seu portfólio de ofertas, dando aos passageiros de negócios privilégios no embarque, bebida extra e outras vantagens. “Era um risco para a marca e seu posicionamento”, observa Morriss. Segundo ela, que não entra em detalhes, a Southwest soube, contudo, assegurar que a estratégia original não fosse sabotada para que os novos clientes fossem atendidos.

“As empresas mais bem-sucedidas são as que têm profunda compreensão das prioridades de seus clientes e fazem escolhas estratégicas baseadas nessas prioridades”, explica a especialista. “Grandes empresas não são grandes em tudo. Elas se superam em coisas que seus clientes mais valorizam, mas geralmente são as piores da turma no que seus clientes menos valorizam.”

O lançamento do Wii pela Nintendo em 2006 é um ótimo exemplo de empresa que assume um risco calculado para atrair novos clientes –ele levou famílias e mulheres para o mundo dos videogames


O caso Bud Light

Em meados da década de 2000, antes de se tornar AB InBev, a Anheuser-Busch enfrentava um dilema: as vodcas e os vinhos aromatizados apresentavam sólido crescimento, enquanto as cervejas, como categoria de produto, estavam estagnadas.

Para crescer, segundo Jason Green, do The Cambridge Group, a marca precisava entender os tradeoffs que um grupo específico de consumidores fazia: o dos que não bebiam cerveja tradicional e consumiam a Bud Light. “Beber cerveja é um hábito que se adquire ao longo do tempo. Não é um gosto fácil, pois há um pouco de amargo, ainda que agradável. Os indecisos buscavam uma alternativa levemente mais doce”, explica.

Em 2008, a empresa lançou a Bud Light Lime, uma bebida mais leve e doce. Com o produto, a Anheuser-Busch viu suas vendas crescerem cerca de 2% nos primeiros três trimestres do ano. Metade dos consumidores de Bud Light Lime era iniciante em cervejas ou estava comprando a nova bebida com as marcas que geralmente já consumia, de acordo com dados da própria empresa.

“Eles convidaram um novo grupo de consumidores para se juntar à marca e assim revitalizaram a Bud Light. Esses novos consumidores eram mais jovens (entre 21 e 29 anos de idade) e principalmente mulheres”, diz Green.

Comercializar um novo produto geralmente requer uma nova abordagem. Novos consumidores têm mentalidade diferente e podem responder de maneira diversa à publicidade. Ao introduzir a Bud Light Lime, a Anheuser-Busch investiu US$ 35 milhões em uma campanha de marketing que evocou situações como churrascos de verão, piqueniques e vôlei de praia.

Enquanto isso, os anúncios da marca Bud Light apresentavam os consumidores assistindo a esportes na TV ou se divertindo em uma festa. “Se a busca de crescimento por meio de novos consumidores se dá de modo correto, ninguém deve ser deixado de fora”, ressalta Green. “A Bud Light Lime foi lançada claramente como uma marca distinta, um produto diferente”, acrescenta.