Executivos querem que suas empresas sejam inovadoras. Leem pilhas de livros e artigos a respeito e participam de eventos e cursos em busca do graal do sucesso na área. Ficam impressionados com empresas como Google e Facebook, que criam produtos e serviços revolucionários, e admiram organizações veteranas, como IBM, Procter & Gamble, 3M e General Electric, que se reinventam dia após dia. E se perguntam como elas fazem isso.

Depois de estudar a inovação em 759 empresas de 17 mercados, os pesquisadores Gerard Tellis, Jaideep Prabhu e Rajesh Chandy concluíram que o fator decisivo para conduzir a radicais inovações é a cultura corporativa. Ela é mais importante que capital, trabalho, governo ou cultura nacional. Essa conclusão levanta duas questões: o que é uma cultura corporativa inovadora? E, se a empresa não tem uma cultura inovadora, como pode construí-la?

Respondemos a isso aqui com um modelo que reúne os elementos-chave de uma cultura de inovação e com uma ferramenta de feedback de 360 graus, para que você avalie quão direcionada para a inovação está a cultura de sua organização (e identifique as áreas a encorajar nessa direção).

Seis módulos

Uma cultura de inovação se estrutura em seis módulos: valores, comportamentos, clima organizacional, recursos, processos e sucesso. Eles estão ligados dinamicamente. Os valores da empresa, por exemplo, têm impacto no comportamento das pessoas, no clima organizacional e em como os resultados são definidos e medidos.

Quando se trata de estimular a inovação, as companhias dão substancial atenção a recursos, a processos e à avaliação do sucesso, que são facilmente mensuráveis. No entanto, dão pouca atenção aos módulos relativos às pessoas, que são mais difíceis de medir. O que envolve valores, comportamentos e clima organizacional é mais intangível, e as pessoas sentem dificuldade em lidar com isso, porém tem o poder de moldar a cultura de inovação e criar uma vantagem competitiva sustentável.

Valores: norteiam prioridades e decisões, que refletem como a organização gasta seu tempo e dinheiro. Os valores são menos o que os líderes dizem ou escrevem e mais o que fazem e investem. Empresas inovadoras investem no empreendedorismo e na promoção da criatividade e encorajam o aprendizado contínuo.

Comportamentos: descrevem como as pessoas agem, no caso, a favor da inovação. Em relação a líderes, incluem a disposição para substituir produtos existentes por novos e melhores, empolgar os funcionários com uma vibrante descrição do futuro e contornar entraves burocráticos. Entre as ações dos funcionários que favorecem a inovação estão a obstinação em solucionar obstáculos tecnológicos, a busca de recursos e a disposição para escutar os clientes.

Clima organizacional: dá o tom da convivência no ambiente de trabalho. Um clima organizacional voltado para a inovação cultiva entusiasmo e comprometimento, desafia as pessoas a assumir riscos dentro de um ambiente seguro, estimula o aprendizado e encoraja o pensamento independente.

Recursos: compreendem três fatores principais –pessoas, sistemas e projetos. As pessoas são o fator mais crucial, porque elas têm forte impacto nos valores da empresa e no clima organizacional.

Processos: são os caminhos que as inovações seguem quando desenvolvidas. Incluem o famoso “funil da inovação”, para captar e peneirar ideias, ou o modelo de stage-gate (de etapas), para rever e priorizar projetos e protótipos.

Sucesso: o êxito de uma inovação pode ser observado nos níveis externo, empresarial e pessoal. O externo, por exemplo, mostra quanto a empresa é reconhecida como inovadora por clientes e concorrentes e se suas inovações trazem frutos financeiros. O sucesso reforça valores, comportamentos e processos inovadores da organização.

Tenha ao menos um módulo forte (a IDEO tem três)

O que descobrimos é que companhias inovadoras sempre estabeleceram solidamente ao menos um dos seis módulos descritos. Poucas organizações exemplificam melhor a inovação do que a Ideo, empresa global de design sediada em Palo Alto, na Califórnia, Estados Unidos, e seus módulos sólidos são, pelo menos, três: valores, comportamentos e processos.

A empresa dá muito valor à criatividade produtiva, o que ela relaciona com comportamento lúdico, e sua rotina remete a brincadeiras de criança: há pesquisas exploratórias que geram ideias, aprendizado “pondo a mão na massa”, simulações em que os funcionários assumem o papel dos clientes.

Placas espalhadas pela empresa relembram constantemente a quem passa o que é preciso fazer para mergulhar fundo nos problemas:

  • Encorajar ideias ousadas.
  • Adiar julgamentos e filtros.
  • Construir com base em ideias alheias.
  • Manter o foco.

Essas brincadeiras são apenas o primeiro estágio do processo de inovação da Ideo. Em seguida, os funcionários assumem um comportamento mais profissional, tomando decisões relacionadas com o desenho e a fabricação de produtos.

Essa variação de comportamentos, entre brincadeira e profissionalismo, tem contribuído para trazer ao mercado centenas de produtos que combinam o melhor da forma com o melhor da funcionalidade, do mouse de computador a equipamentos médicos extraordinários.

Como avaliar a cultura

Cada um dos seis módulos do modelo é composto de três fatores (18 no total) e cada um desses fatores tem três elementos (54 no total). À medida que nos movemos dos módulos para os elementos, a cultura de inovação torna-se mais tangível e administrável. Por exemplo, o abstrato módulo do clima organizacional envolve o fator segurança, que pode ser dividido nos elementos franqueza, integridade e confiança.

Preparamos um teste sobre esses 54 elementos para permitir aos gestores avaliar a cultura de inovação em suas empresas [veja quadro na página 74]. Durante três anos, o teste foi aplicado a 1.026 gestores de 15 empresas, de diversos setores e regiões, trazendo à tona o quociente de inovação (QI) da cada uma.

O quociente de inovação pode ser uma referência útil para comparar o nível de inovação entre empresas, divisões ou equipes sediadas em diferentes regiões. No entanto, os executivos com os quais trabalhamos afirmaram que a contribuição mais importante do método é a capacidade de classificar os fatores e elementos que apoiam a inovação. Isso possibilita trabalhar nas fraquezas e fortalezas da cultura de inovação nas empresas.

Aplicando a ferramenta

Um grande agronegócio familiar da América Latina necessitava abrir uma nova divisão no exterior. A empresa tinha uma equipe de executivos composta majoritariamente de membros da família. Contudo, eles entenderam que não eram capacitados para liderar aquele desafio. Decidiram usar a ferramenta de avaliação para descobrir como desenvolver a liderança criativa de que precisavam.

Os funcionários deram à companhia pontuação alta para sucesso externo e sucesso empresarial, mas baixa para o componente individual do sucesso. Também deram baixa pontuação para a capacidade da liderança de engajar a força de trabalho. Não havia iniciativas individuais voltadas para a inovação, porque, talvez, os líderes não os prepararam e não davam feedback. Muitos funcionários sentiam que não tinham o apoio necessário dos líderes no sucesso ou fracasso dos projetos e não achavam que a companhia os premiaria por participarem de propostas arriscadas.

Após uma saudável discussão dos resultados, os executivos decidiram desenvolver os gestores com programas de treinamento associados a sistemas de delegação, apoio, coaching e feedback –e, principalmente, por meio da mudança de seus próprios comportamentos.

Descobrimos que as pessoas no topo da hierarquia tendem a ter uma visão mais cor-de-rosa da cultura de suas empresas do que gerentes médios e demais funcionários. Os executivos pensam que estão fazendo um bom trabalho e nem sempre têm uma visão completa da realidade empresarial. Sua opinião sobre os pontos fortes da empresa também é oposta à dos funcionários. Muitos classificam suas organizações como mais fortes no mais intangível dos módulos, aquele voltado para as pessoas; os escalões inferiores geralmente fazem uma avaliação contrária. Se aplicado a um grupo amplo, o levantamento ajuda a corrigir esse desequilíbrio, com um feedback de 360 graus para captar os conhecimentos de muitos e trazer à tona coisas que os chefes não veem.

Quanto maior a organização, maior a resistência à mudança. Isso é evidente nas multinacionais. Gestores reclamam da baixa adesão a novas estratégias, da implantação desleixada de projetos, da falta de processos padronizados nas diferentes regiões e das subculturas que se formam na empresa. Usar o quociente de inovação pode checar a veracidade de tais reclamações.

Por exemplo, uma companhia global de equipamentos médicos desejava ter uma estratégia de operação mundial mais coordenada. A alta cúpula da empresa falava do grande desafio que isso representava, devido às diferenças culturais entre as operações na Europa e nos Estados Unidos e entre as áreas de pesquisa e desenvolvimento e de manufatura.

Para surpresa de todos, os resultados da avaliação não mostraram diferenças estatísticas entre as respostas das unidades, sugerindo que os problemas estavam relacionados com outra questão. A constatação de que os funcionários pensam e agem de maneira similar fez com que os líderes usassem as similaridades entre os grupos como base para grandes e mais ambiciosas colaborações.

Outra utilidade da ferramenta é revelar inconsistências. Muitos altos executivos dão a si próprios elevada pontuação quanto a suas intenções de explorar novas oportunidades, ainda que nem sempre forneçam aos subordinados dinheiro, tempo e espaço para que o façam. Também dão alta pontuação a si mesmos em relação a dar liberdade a seus funcionários para que busquem novas oportunidades, enquanto estes descrevem o ambiente de trabalho como rígido e burocrático.

Isso toca no problema central enfrentado por grandes empresas na indústria do entretenimento nos Estados Unidos. Funcionários desse setor classificaram mal o fator criatividade. Simplicidade (ausência de burocracia e de rigidez) foi posicionada entre os últimos lugares dos 54 elementos avaliados. Também os recursos dados às pessoas para conduzir projetos inovadores não foram considerados suficientes. Como mencionado antes, valores são muito menos sobre o que os executivos pensam, falam ou escrevem, e muito mais sobre o que realmente fazem.

Mudar onde é viável

Uma virtude da ferramenta é ser aplicável a qualquer nível da organização. Mesmo em companhias com uma cultura “cáustica”, líderes locais podem usá-la para ajudar a construir ilhas de pensamento e de ações inovadoras. Com base nas respostas dos subordinados, gestores determinam o quociente de inovação de sua área e podem iniciar uma campanha para fazer mudanças.

Vejamos o caso da subsidiária norte-americana de um grande banco europeu. Este tinha a reputação de ser inflexível, burocrático e gerenciado de cima para baixo. Nem os concorrentes nem os clientes o enxergavam como uma empresa inovadora. Apesar disso, a cultura da subsidiária tinha seus pontos fortes. Os funcionários sentiam haver um clima de segurança, em que podiam questionar decisões e ações, e os executivos também os inspiravam com uma vibrante visão do futuro. Baseada nesses fatores, a unidade tornou-se “campeã da inovação” e conquistou um considerável pedaço de seu mercado.

Companhias que são mal classificadas em alguns fatores e bem em outros podem ter êxito nos negócios. Uma empresa norte-americana de alta tecnologia bem-sucedida foi mal classificada em relação ao clima organizacional, mas bem classificada em outros cinco fatores.

Ninguém deve esperar encontrar o mesmo QI por toda a companhia. É desejável, por exemplo, que os auditores de um banco sejam menos inovadores que seu marketing.

Da avaliação para a ação

Depois de examinar os resultados do levantamento, os gestores podem ter um retrato claro e sólido dos pontos em que a cultura da empresa é forte ou fraca e focar áreas nas quais as melhorias são necessárias e com maior possibilidade de êxito. Os resultados também fornecem oportunidades para aprendizados. Altas pontuações em uma unidade podem indicar as melhores práticas que gestores de unidades com baixa performance devem adotar.

Muitos executivos querem corrigir imediatamente os pontos negativos apontados na avaliação, mas o melhor é focar os pontos fortes. Uma grande companhia de seguro europeia, que abriu uma unidade interna para incentivar o empreendedorismo e a inovação, descobriu que ela não estava alcançando os resultados esperados. Depois de aplicar a avaliação, verificou-se que a unidade não envolvera funcionários de diferentes níveis em suas iniciativas. Isso resultou na perda de colaboração. Contudo, a avaliação mostrou que os funcionários estavam ávidos para serem criativos e inovadores. Indicou também que eles pensavam ter a capacidade e o talento para serem bem-sucedidos em suas iniciativas de inovação. Compreendido isso, os executivos concluíram que era necessário unir as pessoas da organização para as coisas acontecerem.

Gestores ávidos por transformar a cultura de suas empresas tentam fazer tudo de uma vez. Mas culturas mudam lentamente. Quando solicitadas a participar, as pessoas geralmente resistem. “Mostrar, não vender” funciona melhor nesses casos, junto com saudáveis doses de incentivo aos que aderirem primeiro.

Para melhores resultados, os líderes devem buscar pequenas vitórias. Um caminho prático é pedir que uma ou duas unidades trabalhem em não mais do que três dos 54 elementos da avaliação. Seus sucessos podem disparar um círculo virtuoso de melhorias. Resultados mensuráveis são mais poderosos do que argumentos, campanhas e ordens: pessoas mudam quando veem seus pares tornando-se mais produtivos, engajados e bem-sucedidos.

Usar o QI pode ser o primeiro passo para melhorar a cultura de inovação. No desenvolvimento de um plano que utilize os resultados do levantamento, empresas devem começar por seus pontos fortes, avançando aos poucos. Devem também tomar cuidado com os triunfos do passado. Com o tempo, a cultura de uma organização bem-sucedida tende a torná-la cega para novas tecnologias, novos modelos de negócio ou competidores surgindo no horizonte. A história é cheia de exemplos de companhias que eram líderes inovadoras e, no intervalo de uma geração, tornaram-se burocracias sem imaginação.

 A bicicleta elétrica Faradat é um exemplo de parceria para inovar, entre a Ideo e a Rock Lobster
A bicicleta elétrica Faradat é um exemplo de parceria para inovar, entre a Ideo e a Rock Lobster

As pessoas têm dificuldade em lidar com o que envolve valores, comportamentos e clima, por tudo isso ser mais intangível. No entanto, é o que tem o poder de moldar a cultura de inovação e criar vantagem sustentável

Os 7 padrões de Johnson

O que nos fez chegar às inovações mais disruptivas que existem? O pesquisador Steven Jonhson identificou sete padrões comuns às melhores ideias

Em meados de 2014, a rede de TV pública norte-americana PBS lançará uma série em seis capítulos intitulada How We Got to Now (Como Chegamos até Aqui, na tradução do inglês). Sua proposta é investigar a origem das ideias e a maneira como estas se combinaram para criar produtos e serviços disruptivos que existem hoje. Steven Johnson, autor de De Onde Vêm as Boas Ideias (ed. Zahar), é o criador e apresentador da série. Ele é proclamado o sucessor do célebre James Burke, escritor prolífico e produtor de TV inglês, conhecido por seus documentários sobre ciência.

Johnson dedica-se, há muitos anos, a estudar padrões comuns às boas ideias e diz ter descoberto sete principais, os quais compartilhou conosco.

James Burke
James Burke

Historiador científico e produtor conhecido por suas séries de documentários Conections (1978) e The Day the Universe Changed (1985), James Burke escreveu oito livros. O Washington Post referiu-se a ele como “uma das mentes mais intrigantes do mundo ocidental”.

1. Conexões, com possíveis adjacências.

 As ideias se sucedem como portas: abra uma delas e encontrará novas, mas apenas se houver algo que as conecte. A chave é não isolar sua ideia, mas tentar conectá-la com a maior quantidade possível de portas abertas.

Por exemplo, a invenção das incubadoras para bebê, no final da década de 1870, representou um salto qualitativo na preservação da vida de recém-nascidos, reduzindo a mortalidade infantil à metade. Em 2004, após o tsunami da Indonésia, um professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Timothy Prestero, descobriu que as incubadoras doadas por uma ONG dos Estados Unidos não funcionavam por falta de peças de reposição. Prestero, então, teve a ideia de construir novas com partes de automóveis, mais especificamente, das camionetes Toyota 4Runner, que existiam em grande quantidade naquele país. E surgiu a metodologia conhecida como “fornecimento orgânico”, que procura fabricar coisas com o material disponível em cada localidade. Foi uma ideia que levou a outra a partir de uma falha, a da reposição.

2. Redes líquidas. 

Kevin Dunbar, professor da University of Toronto, Canadá, especializado em psicologia e em ciência, buscou saber como as ideias são geradas. Em um laboratório, filmou tudo o que acontecia, em uma abordagem do tipo “reality show”: registrou cada detalhe, desde o que havia sobre a mesa de experimentos até como se preparava o café. Seu achado: as ideias importantes não nascem no microscópio, e sim quando o pesquisador fala com colegas pesquisadores próximos.

Assim se definem as redes líquidas: as ideias não são elementos únicos, mas que se conectam entre si. Para que surjam novos conceitos nessas estruturas, os elementos devem estar dispostos de tal modo que as conexões possam ocorrer. Então, o ambiente tem de oferecer a possibilidade de que colisões aleatórias aconteçam entre os elementos de maneira constante.

3. Intuição lenta. 

Charles Darwin descreve, em sua biografia, o momento em que lhe ocorreu o conceito da seleção natural como o típico instante “eureca”, que se costuma atribuir à inovação. Mas, há alguns anos, Howard Gruber, pioneiro no estudo da criatividade da perspectiva psicológica, leu o caderno de anotações que Darwin mantinha sobre suas pesquisas e descobriu que o naturalista estava incubando a ideia fazia algum tempo. Em um processo somatório, ele vinha reunindo provas até ter tudo em ordem para desenvolver o conceito. A esse processo, no qual paciência e contemplação são fundamentais, Gruber deu o nome de “intuição lenta”.

As ideias levam tempo para se conectar (as portas que conduzem à ideia vão se abrindo aos poucos) e evoluir até algo que agregue valor. Muitas vezes, as ocupações diárias não permitem que essas intuições cheguem a algo significativo. Acabamos esquecendo-as antes de terem oportunidade de se conectar e crescer. Carregar consigo um caderno de anotações ajuda a juntar as peças e facilita as conexões necessárias. Escreva tudo e deixe fluir.

6. Exaptação. 

Não há erro de digitação; esse é o termo usado em biologia para explicar a adaptação do organismo a determinadas condições sem ter evoluído para isso, como foi o caso do ouvido dos vertebrados, resíduo de uma estrutura destinada a aspirar água até as brânquias sem ter de abrir a boca. A exaptação, nesse contexto, é a exploração de usos diversos para ideias existentes. Quanto mais conexões a rede gerar entre as ideias, mais diversidade de propósitos existirá. Por exemplo, em um ambiente livre de erros, um fósforo serve para acender o forno, mas, se faltar energia, servirá também para iluminar a casa.

7. Plataformas.

Nesse caso, nada monopoliza a criatividade; a inovação pode vir de qualquer parte. Uma plataforma de ideias construída para o propósito de determinada inovação pode gerar novos agentes, e eles conferirão novos sentidos à estrutura. Empresas como o Google e a 3M mantêm culturas dispostas a colher ideias das fontes mais diversas. Quando existe um lugar onde as conexões podem acontecer facilmente, todos os recursos se abrem ao jogo da inovação. (Pablo Wahnon)

4. Descobertas por acaso. 

A inovação não pode ser planejada, já que os elementos que a compõem nem sempre são sincrônicos. Muitas vezes, as ideias surgem de incidentes fortuitos. Na verdade, um dos aspectos negativos das sessões de brainstorming é que as melhores ideias costumam aparecer bastante tempo depois de terminadas as sessões.

“As ideias não são elementos únicos, mas que se conectam entre si”

Há uma forma, porém, de ajudar o inesperado a acontecer: construir redes nas quais os elementos tenham a oportunidade de perdurar, dispersando-se e reconectando-se. Desse modo, novas portas a abrir serão encontradas. Uma exceção: o constante encontro entre os elementos da rede deve ter um propósito. Construir um ambiente em que o brainstorming funcione ininterruptamente, mesmo estando em segundo plano, é a maneira perfeita de facilitar descobertas fortuitas. É como navegar na internet e achar aquele conteúdo perfeito por acaso.

5.Erros. 

Há mais oportunidade de as boas ideias aparecerem em ambientes com certo nível de ruído e erro, porque esses fatores conduzem a situações imprevisíveis que fomentam a inovação. Quando se tenta eliminar os elementos incômodos da rede, também se eliminam as conexões fortuitas.

Marcus Vinicius de Araújo Fonseca
Marcus Vinicius de Araújo Fonseca

A inovação brasileira deve fazer diferente

Marcus Vinicius de Araújo Fonseca, professor da Coppe-UFRJ, propõe o modelo SOI de inovação

Certa vez, Donizete, parceiro do maestro Heitor Villa-Lobos em suas viagens pelo Brasil, fez-lhe uma pergunta:

– Maestro, o que é o inovador?

Sem pestanejar, Villa-Lobos respondeu:

– É alguém que tenha a inocência da criança, a audácia do adolescente e a capacidade de realização do homem feito. O novo quando nasce é sonho. É a visão antecipada de um futuro em que só o inovador crê.

Donizete perguntou-lhe novamente:

– Mas, maestro, o senhor poderia me indicar um livro sobre isso? Tenho de fazer uma palestra sobre inovação.

– Meu filho, o livro é o mapa do Brasil!

O germe da inovação brasileira –e, portanto, o elemento principal do QI de inovação de uma empresa brasileira– está em nosso chão, na alma e na cultura de nosso povo. O foco de nossas iniciativas inovadoras deve ser o que nossa terra tem. É ba­seados na cultura de nossa gente que temos de lavrar o que é necessário.

Porém não basta isso. Nossas empresas também têm de inovar de modo diferente, para contemplar a tudo e a todos. Uma organização brasileira deve aprender a inovar com cinco diretrizes simples:

• Buscar sistematicamente as oportunidades de fazer aquilo de que se precisa no Brasil, a partir do que se tem no País.

• Ter em mente que a inovação deve dirigir-se a um mundo de todos, não de poucos.

• Desenvolver uma inovação que seja simples e centrada em uma necessidade específica.

• Começar com uma iniciativa pequena, mas que ambicione a liderança de seu mercado.

• Almejar o uso da inovação já no presente, não em um futuro longínquo.

Toda inovação nossa –seja de produto, processo ou serviço novo– deve ser pensada, desenvolvida e colocada no mercado com base na excelência em gestão de uma organização, mas lembrando que se encontra inserida em uma sociedade e que esta é constituída por indivíduos. Em 2010, desenvolvemos no Programa de Engenharia de Produção da Coppe-UFRJ o modelo SOI, sigla que resume isto: Sociedade + Organização + Indivíduo.

O modelo SOI de inovar requer, por exemplo, que as empresas brasileiras abandonem seu entendimento puramente tecnológico de inovação. Achar que inovação está obrigatoriamente atrelada a tecnologia é apenas reflexo de nossa falta de cultura (e de QI) de inovação. Não precisamos, e não vamos, criar o teletransporte.

Lembremo-nos de inovações brasileiras como o consórcio, que pegou o setor financeiro de surpresa; a vela de citronela, que desmitificou o inseticida em aerossol; o restaurante de comida a quilo, que tanto chacoalhou a indústria fast-food. Há uma lista brasileira, potencialmente infinita, de “produtos, processos e serviços” simples que subverteram mercados inteiros. E, diferentemente dos iPhones, iPads e iPods, são inovações do tipo iALL, no sentido de que colocaram no mercado hordas de clientes que estavam estacionadas do lado de fora.

As inovações de que o Brasil precisa não têm de ser mais caras do que o que existe, nem necessitam de mais tecnologia do que já há no mercado. Pode-se inovar para a imensa massa de pessoas que habitam o Brasil, e o mundo, de modo barato.

O caminho trilhado entre o trabalho local e a construção de negócios planetários nos diversos setores de atividade demonstra que erramos grosseiramente. Esquecemos que há, pelo menos ainda, um mundo de todos e com tudo o que nele existe. Degradamos, poluímos, matamos, extinguimos e, como se não soubéssemos e não pudéssemos mudar, continuamos inovando para poucos e na direção de um mundo que em breve não terá nada.

Dá para fazer diferente, inovando de modo a contemplar a tudo e a todos; basta entender que sociedade, organizações e indivíduos formam um sistema. Então, pense no modelo SOI e construa o QI de inovação de sua empresa.

  • Marcus Vinicius de Araújo Fonseca é professor do Programa de Engenharia de Produção da Coppe, a escola de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e atua como pesquisador, orientador e responsável pela docência das disciplinas de inovação nas organizações e conexões biológicas da inovação.

As pessoas no topo da hierarquia tendem a ter uma visão mais cor-de-rosa da cultura de suas empresas do que gerentes médios e funcionários em geral

Qual é o QI de inovação de sua organização?

Conforme o modelo proposto por Jay Rao e Joseph Weintraub, uma cultura de inovação pode ser decomposta em seis blocos constituintes, sendo que cada bloco tem três fatores, e cada fator, três elementos, o que dá um total de 54 elementos, que podem ser medidos pela intensidade com que existem na organização.

Para calcular o quociente de inovação de sua equipe, seu departamento ou sua empresa, faça uma pesquisa com seus membros, em que estes atribuam notas a cada elemento em uma escala de 1 a 5, em que 1 = não existe; 2 = existe em pequena medida; 3 = existe em média medida; 4 = em grande medida; 5 = em medida muito grande.

Estabeleça a nota média geral de cada elemento; depois, a nota média de cada fator; em seguida, a de cada bloco; e, por fim, encontre a nota média dos seis blocos constituintes. É o quociente de inovação.

Como Jay Rao disse a HSM Management, uma empresa realmente inovadora tem QI superior a 4, abordando a inovação de maneira intencional e sistemática, como um imperativo estratégico. Na experiência de Rao e Weintraub, empresas com QI entre 3,4 e 3,75 vêm fazendo várias coisas no campo da inovação, mas não de modo deliberado e sistemático. Empresas com QI por volta de 2,5 são, tipicamente, as que falam muito de inovação, porém ainda fazem pouco. Companhias com QI de 2 ou menos terão muito que se desenvolver ainda.

Os professores do Babson College têm um banco de dados sobre QI de inovação de 30 empresas, o que ainda não lhes permite fazer uma análise por setor de atividade, mas que, se extrapolado, ajuda a mapear o cenário atual, ao menos entre as grandes corporações dos Estados Unidos: o menor QI encontrado foi de 2,5 e a maioria das grandes companhias têm entre 2,75 e 3,5. O QI de inovação médio é de 3,1. “A excelência em inovação é uma longa jornada”, disse Rao a HSM Management.

O caso Whirlpool e o fator “recursos”

Um grupo de especialistas em inovação, que conhecem, implantam e ensinam práticas inovadoras, é um dos recursos mais importantes que uma empresa pode ter para incentivar a inovação. Por décadas, a Whirlpool, maior fabricante mundial de eletrodomésticos [e dona da marca Brastemp no Brasil], foi uma companhia focada em qualidade e custos. Em 1999, a empresa, sediada em Michigan, Estados Unidos, iniciou um processo para se tornar reconhecida como líder em inovação. Ela designou 75 funcionários para pensar produtos inovadores. O grupo apresentou um produto de sucesso, mas a maior parte das ideias foi vista como insignificante ou inviável. Como muitos inovadores de primeira viagem, eles tiveram dificuldades em vislumbrar como uma ideia a princípio distante de ser realizada poderia se tornar uma oportunidade. Foi quando a Whirlpool adotou uma estratégia diferente.

Todos os funcionários foram inscritos em um curso sobre negócios inovadores. A empresa treinou alguns deles, chamados “I-mentores”. Eles continuaram a fazer seus trabalhos rotineiros, mas incorporaram a seu dia a dia técnicas para incentivar projetos inovadores e para auxiliar as pessoas no desenvolvimento de suas ideias. Um portal na intranet oferecia um fórum para discussão dos princípios da inovação, mantinha todos informados das pesquisas e acompanhava os progressos das ideias. Equipes de inovação englobaram funcionários de todos os níveis, triando e verificando novas ideias.

Dois anos após o início do programa, a Whirlpool tinha 100 novas ideias de negócios, 40 conceitos em experimentação e 25 produtos na fase de protótipo. Em 2006, contabilizou centenas de ideias esperando aprovação, 60 na fase de protótipo e 190 sendo preparadas para o mercado. Em 2008, os produtos oriundos das áreas de inovação contribuíram com aproximadamente US$ 4 bilhões do faturamento de US$ 19 bilhões da Whirlpool, que tinha, então, 61 mil funcionários e aproximadamente 1,1 mil voluntários I-mentores espalhados pelo mundo. Executivos da empresa atribuem seus êxitos ao modo como o investimento em inovação e treinamento mudou a cultura organizacional. Um ponto-chave revelado pela Whirlpool é a construção de uma comunidade de inovação com uma linguagem própria.

Rite-Solutions: processos e sucesso

Os fundadores da Rite-Solutions, empresa de desenvolvimento de software e sistemas de Rhode Island, Estados Unidos, desenvolveram um processo para aproveitar a criatividade coletiva dos funcionários: dezenas de ideias são listadas e descritas em detalhe em um “mercado” interno da companhia e todas começam valendo US$ 10 por ação. Cada funcionário recebe US$ 10 mil, em dinheiro de mentira, para investir nessas ideias e pode também trabalhar voluntariamente nos projetos. Os gestores usam essa sabedoria coletiva, como um mercado preditivo, para decidir quais ideias serão financiadas. O investimento de brincadeira é convertido em dinheiro real se e quando o projeto virar produto comercial. Na verdade, com essa iniciativa, os líderes da Rite-Solutions reconheceram que não têm o monopólio sobre as boas ideias.

Empresas que têm nota baixa em alguns fatores e são fortes em outros também podem ter êxito ao inovar. E ninguém deve esperar encontrar o mesmo QI em todos os departamentos de uma companhia; uns são naturalmente menos inovadores