Organizações como o banco ING, da Holanda, e a telecom Vivo, do Brasil, estão mudando para adotar os squads – e adotando os squads para mudar
Está vendo as pessoas posando para o fotógrafo, na foto acima? São profissionais engajados em trabalhar em um banco. Mais precisamente, em trabalhar em squads do banco holandês ING, em Amsterdã. Há uma espécie de lenda no mercado de que squads e métodos ágeis são coisas de empresas de alta tecnologia, startups ou companhias baseadas no digital, como Spotify, Google e Netflix. Podem ser. Mas isso não significa que organizações mais convencionais, como bancos, precisem ficar de fora dessa onda. Muito pelo contrário. Claro, uma coisa é nascer ágil, como acontece com a maioria das startups. Outra é nascer como uma organização “careta” e querer incorporar a filosofia ágil ao longo do caminho. O desafio é mais difícil, não há dúvida. O que descobrimos, porém, é que a nova organização é difícil para todos, não deve haver vergonha em admitir. Apesar da lenda, mesmo as startups ainda estão aprendendo a lidar com ela – como a GetNinjas.
Os casos do ING e da telecom brasileira Vivo, relatados a seguir, servem como um ponto de partida.
ING: muito diferente de 1743
O banco ING é um dinossauro – foi fundado em 1743. No entanto, passou a adotar a metodologia ágil em seus processos. A transformação começou em junho de 2015 e as mudanças foram profundas de lá para cá: o negócio se tornou muito mais digital, com muitas agências físicas fechadas e a aquisição do banco digital DiBa, da Alemanha; os softwares lançados passaram a ser dois a três por semana, em vez de cinco a seis por ano; a experiência do cliente melhorou, a satisfação dos clientes subiu expressivamente e o engajamento dos funcionários aumentou.
Os squads foram o vetor inicial da agilidade no ING. Juntaram os departamentos que eram o coração da organização – marketing, gestão de produto, gestão de canais e desenvolvimento de tecnologia da informação (TI) – e os reorganizaram em squads, para que dessem o exemplo aos demais. “Deixamos de fora funções de apoio como recursos humanos (RH), financeiro, jurídico, riscos –, além das filiais, os call centers e operações”, explica Bart Schlatmann, COO do grupo, à revista McKinsey Quarterly. Financeiro, jurídico e riscos precisam de independência, embora atendam aos squads, e call centers e operação adotaram a filosofia ágil de outro modo, com equipes autogeridas. As filiais começaram a participar de reuniões diárias (as daily stand-ups, ou dailys) para se contaminar com a agilidade, bem como a força de vendas.
Transcorreram cerca de nove meses do momento em que a estratégia foi elaborada, no fim de 2014, até ser implementada. Mas isso se limitou aos 3,5 mil funcionários da sede, em Amsterdã. “Nos dois primeiros meses, ficamos só desenhando o novo ‘sistema nervoso’ e, em paralelo, estabelecendo seis squads-piloto. Usamos as lições destes para adaptar o ambiente de trabalho e o desenho geral. Depois, focamos a implementação – encontrando e alocando as pessoas certas”, diz o COO.
Foram criados 350 squads de nove pessoas, por produto, contidos em 13 “tribos”, que possuíam mecanismos adicionais de metodologia ágil, como scrums, planejamento de portfólios e “dailys” para garantir que os POs dos vários produtos estivessem alinhados e que houvesse um senso de pertencimento ao ING.
Cada squad começava a funcionar anotando o propósito do que estava trabalhando. Em seguida, discutia as métricas do impacto que aquele trabalho teria nos clientes. E decidia também como gerir as atividades diárias dos envolvidos.
Selecionar as pessoas certas foi essencial ao sucesso do ING. Todas as pessoas tiveram de pôr o cargo à disposição e se candidatar a um cargo na nova organização. Houve um processo de seleção intenso, que levou em conta principalmente o mindset e a cultura. Muita gente com bom conhecimento foi dispensada por não ter o mindset certo. E cerca de 40% das pessoas mudaram significativamente seu trabalho.
Para Schlatmann, o elemento mais importante de todo o esforço de mudança foi, no entanto, a cultura. “Como não é algo que possa ser abordado em um programa em si, despendemos muita energia e tempo da liderança para estabelecer modelos de comportamento apropriados a uma cultura ágil, como senso de propriedade, empoderamento, foco no cliente. A nova cultura precisa estar enraizada”, disse o executivo à McKinsey Quarterly.
Uma característica importante foi a adoção da QBR [sigla em inglês de revisão trimestral de negócios], uma ideia que o banco tomou emprestada de Google e Netflix. Durante essa revisão, cada tribo registra o que alcançou durante o trimestre encerrado e qual foi seu maior aprendizado, celebrando sucessos e fracassos, e articulando o que pretende alcançar no trimestre seguinte. Nesse contexto, pensa a que outro squad ou tribo precisa se conectar. “Os documentos QBR estão disponíveis para todas as tribos: nós as estimulamos a trocar informações e feedback, e isso é compartilhado de forma transparente em todo o banco”, afirmou Schlatmann.
Outro impulsionador da mudança no ING foi a revalorização da engenharia e da programação. “Ao longo dos anos, o sucesso em TI era uma questão de ser um bom gestor, de gerenciar os demais. Por influência da conferência Google IO, passamos a encorajar as pessoas de gestão a voltar a programar e deixamos claro que as habilidades de engenharia e TI eram um drive de carreira no ING”, observou Peter Jacobs, CIO do banco.
Importante: o modelo ágil foi introduzido no ING não por um imperativo financeiro urgente, mas em antecipação ao provável novo comportamento do cliente, o de encontrar um ambiente omnichannel.
Vivo: pioneira no Brasil
Dona de 32% do segmento de telefonia celular no Brasil, a Vivo era até há pouco tempo como é a maioria das companhias de seu tamanho: um lugar de processos complexos, burocráticos e de longa duração. No entanto, em meados de 2016, a empresa resolveu incluir equipes multidisciplinares e autônomas em sua estrutura, que respondessem por sua transformação digital.
“Com o celular universalizado, nosso setor praticamente não tem clientes novos”, explica Fernando Moulin, diretor de experiência digital da Vivo. Segundo ele, foi preciso buscar a reinvenção por meio de um conceito mais amplo. “Procuramos uma melhor conectividade, a maior proximidade com o cliente e a melhor experiência de atendimento.”
Há squads pelos diversos prédios da empresa no Brasil, mas a maioria está concentrada no Vivo Digital Labs, lançado em abril deste ano. O novíssimo laboratório, de 1.500 m2, ocupa metade de um andar em um edifício da zona sul de São Paulo, abrigando cerca de 230 colaboradores e 12 squads, e trabalham exclusivamente com métodos ágeis, como design thinking, scrum e lean. Cada um é batizado com um nome divertido, como o Mi Casa Su Casa, de desenvolvimento de aplicativo, e Game of Sales, dedicado a novos canais de vendas. Já o Kill Bill 2C atua na área de faturas.
O objetivo do Kill Bill 2C, por exemplo, é criar soluções que melhorem a experiência de pagamento dos 80 milhões de clientes. Entre as funcionalidades que esse squad já implementou estão o status de pagamento, que usa cores para indicar se a fatura está regularizada, e um esquema mais acessível para colar o código de barras no internet banking. Para 2019, a ideia é lançar um mecanismo integrado com o sistema bancário.
Cada equipe é composta por um quórum que varia de sete a 12 pessoas. Entre estas, a regra é haver competências distintas e autonomia para deliberar internamente ou com as partes interessadas. Em comum, esses times são liderados por um PO, um profissional que precisa ter experiência em ambiente digital, independentemente da área de formação. Abaixo dele está o scrum master, pessoa especializada em agile e quase sempre nativa da área de TI – ainda que não seja uma regra. E o restante do squad é formado por designers, desenvolvedores e profissionais da área de negócios – a quantidade deles e a experiência necessária variam conforme o objetivo.
Todos os funcionários da sede puseram os cargos à disposição e houve nova seleção, com base em mindset e cultura; uns foram embora e cerca de 40% mudaram de posição.
Os squads da Vivo estão operando tão bem que já servem de referência às unidades globais da Telefônica, sua controladora, e de outras organizações. “Recebemos mais de 50 empresas, inclusive de setores como bancos de investimento e agências reguladoras, para aprender sobre nossos squads”, conta Moulin.
Tornar-se benchmarking não acontece por acaso. Em menos de um ano, os squads já começavam a dar retorno, sobretudo na ampliação da capacidade de resolver, pela internet, a maior parte dos problemas na jornada dos clientes. Assim, acabam dispensadas a visita na loja e até mesmo as horas ao telefone com o SAC.
O nível de atendimento resolvido exclusivamente pelo aplicativo Meu Vivo Fixo, por exemplo, chegou a 80%. O trabalho foi executado pelo squad F1, que desenvolveu uma funcionalidade para clientes com instabilidade na banda larga. Em vez de ligar para o call center, o usuário executa ele mesmo os testes de solução pelo app – seguindo um passo a passo. Caso não dê certo, ele agenda a visita de um técnico pelo aplicativo. O cliente passa a ter acesso ao nome do profissional, além de acompanhar o deslocamento e a estimativa do horário de chegada. Caso necessário, a visita pode ser cancelada ou reagendada. Por fim, como nos apps de mobilidade, é possível avaliar o serviço.
Ideias como essas, além de convencer a diretoria da Vivo da possibilidade de expansão dos squads, funcionaram para motivar os colaboradores. À medida que os resultados apareciam, mais e mais funcionários compartilhavam a satisfação de se envolver em projetos tão singulares. Outras áreas da Vivo adotaram, então, os mesmos métodos. “Os programas de inovação, quando bem executados, contaminam o restante da companhia”, escreveu Pedro Waengertner, que estudou os squads da Vivo em seu livro A estratégia da inovação radical. “Mas é preciso começar pequeno e pensar grande, tendo a paciência necessária para que as mudanças aconteçam.”
Mas virar benchmark não foi fácil. O convencimento dos colaboradores requereu um grande esforço. Até porque, quando a Vivo iniciou essa transformação digital, em 2016, quase ninguém trabalhava com metodologias ágeis no Brasil.
Na GetNinjas, espalhar os squads ainda é um desafio
Como qualquer startup, a plataforma de contratação de serviços GetNinjas nasceu com os conceitos ágeis na veia. A empresa, fundada em 2011, faz a intermediação entre vendedores e compradores em mais de 200 tipos de serviços, como reformas, reparos e consertos domésticos, em mais de 3 mil cidades do Brasil, e teve um GMV [valor movimentado] superior a R$ 300 milhões no ano passado. Isso não significa, no entanto, que tenha os squads como norma.
Eduardo Matos, CTO do GetNinjas, conta que a empresa se dividiu em times temáticos (experiência do cliente, experiência do profissional, pagamento, distribuição) e que tem multiprofissionais – desde design até pessoas de desenvolvimento. “Os times testam e usam diferentes metodologias ágeis a cada trimestre para ver se elas se encaixam no perfil das pessoas e das histórias. Hoje temos a visão ágil voltada mais a pessoas que processos. Buscamos sempre mudar nossa forma de trabalho, independentemente de burocracias.”
Por enquanto, o conceito de squads mesmo é adotado somente no time de tecnologia da GetNinjas. Matos explica que, apesar de serem uma startup, a disseminação da metodologia é paulatina. “O desafio é começar a difundir essa cultura nos outros times”, diz.