Entre as definições do termo em inglês “grounds-well” aparecem “repentina acumulação de forças” e “forte e profunda ondulação no oceano”, mas Charlene Li e Josh Bernoff, coautores de The Groundswell – Fenômenos Sociais nos Negócios (ed. Campus/Elsevier) oferecem uma nova definição. Para eles, “groundswell” é “a tendência de as pessoas usarem as tecnologias para conseguir o que necessitam por meio de outras pessoas, em vez de adquiri-las das empresas”. Blogs, wikis, redes sociais e sites de conteúdos somam forças e formam uma profunda onda no ciberespaço, onde milhões de pessoas conversam, colaboram e trocam informações.


“Tudo o que faz uma empresa pode ser levado a cabo por indivíduos que colaboram entre si, fora da companhia”, afirma Li. “Já há produtos criados dessa maneira que competem com os fabricados pelas empresas ou os substituem. Mas a ameaça não é somente a substituição direta: o que ocorreria se um de seus concorrentes aproveitasse o conhecimento que sua empresa possui sobre os clientes e o usasse de forma melhor e mais rápida? Essa pergunta é o que fará com que as pessoas prestem atenção ao fenômeno groundswell. Não se trata unicamente da multidão envolvida, mas dessa possibilidade ameaçadora: que os concorrentes entendam o fenômeno e se aproveitem dele.”

Na entrevista que segue, Li descreve a metodologia POST (acrônimo em inglês de Pessoas, Objetivos, Estratégia e Tecnologia) para o desenvolvimento de estratégias empresariais online, assim como as mudanças nas atividades do mundo dos negócios tradicionais, como marketing e vendas.

No território online, as redes sociais parecem ocupar lugar central…

Nos últimos dois anos, houve forte crescimento das redes sociais e do que chamo de “cultura do compartilhamento”. Os usuários se sentem muito mais confortáveis compartilhando informações e experiências, em parte porque é mais fácil fazê-lo e também porque eles se beneficiam com o intercâmbio. Cada vez mais, eles levam para a rede o que acreditam interessar a seus conhecidos, como comentários sobre os livros que leram ou sobre um filme a que assistiram. Esse comportamento não existia há alguns anos. Paralelamente, as empresas querem que as pessoas comentem seus conteúdos e difundam informações sobre seus produtos e serviços.

As redes sociais são o melhor lugar para lançar estratégias de negócios online?

Não necessariamente. Se uma empresa não possui boa presença nessas redes, elas não são o local mais indicado. O mesmo vale para produtos relacionados com temas que as pessoas preferem não discutir publicamente, como remédios para problemas intestinais.

Como se determina qual é o canal adequado –blogs, redes sociais, comunidades, wikis etc.– para se comunicar com os usuários?

A metodologia post é um projeto de planejamento de quatro passos: detectar pessoas, especificar objetivos, determinar estratégia e tecnologia

Em geral, quando as pessoas começam a pensar na tecnologia e a primeira pergunta que se fazem é como usar o Facebook ou o Twitter. A tecnologia é o ponto de partida errado, porque muda rapidamente, e procurar acompanhar esse ritmo é como tentar subir num carrossel que gira em alta velocidade. É preciso começar por duas perguntas: “O que os clientes utilizam?” e “Quais são os objetivos da empresa?”. Quando alguém sabe onde acontecem as conversas dos clientes e, ao mesmo tempo, quais são os objetivos da empresa, pode encontrar a correspondência entre ambos os aspectos. Por exemplo, se as pessoas falam de um produto em uma comunidade privada, talvez o fornecedor se veja tentado a criar uma. No entanto, ele primeiro deveria ouvir o que estão falando e, segundo, conversar com as pessoas para saber se preferem se comunicar com a empresa por meio da comunidade já existente.

Em seu livro, você e Josh Bernoff propõem um método para desenvolver estratégias online. Como funciona?

Nós o chamamos de POST, acrônimo em inglês de Pessoas, Objetivos, Estratégia e Tecnologia. É um processo de planejamento de quatro passos. Primeiro, a empresa deve detectar como as pessoas com as quais quer se comunicar usam a tecnologia. Segundo, especificar os objetivos que quer alcançar, como, por exemplo, impulsionar o marketing pelo diálogo online com os consumidores ou “energizar” seus melhores clientes para gerar mais vendas. O terceiro passo é a estratégia: de que maneira quer mudar as relações com os clientes? Quer que eles estejam mais comprometidos com a empresa e lhe forneçam feedback frequente ou prefere que difundam mensagens entre seus conhecidos? Responder a essas perguntas ajuda a planejar a estratégia e medir seus avanços.

Por último, vem a tecnologia. Por exemplo: a equipe encarregada do marketing para adolescentes e jovens dos produtos de higiene feminina da P&G optou por criar uma comunidade no site beinggirl.com, depois de avaliar que meninas entre 12 e 15 anos costumam visitar sites de redes sociais. Dessa forma, conseguiu envolver um público que é difícil atingir pelas campanhas tradicionais.

Como detectar a forma como as pessoas usam a tecnologia?

O melhor é perguntar a elas, preparar uma pesquisa que inclua questões como as seguintes: “Você participa de redes sociais?”, “Acompanha fóruns de discussão ou blogs?”, “Assiste a vídeos de outros usuários?”, “Escreve críticas ou avaliações de produtos?”, “Coloca fotos em sites públicos da web?”, “Deixa comentários nos blogs dos outros?”, “Contribui com conteúdos em wikis?”, “Como decide que produto comprar?”, “Que ferramentas tecnológicas utiliza?”. É importante entender como as pessoas tomam as decisões.

O mundo online é muito extenso. Não parece fácil encontrar pessoas dispostas a interagir com a empresa…

Não é difícil. As pessoas estão por aí e qualquer um pode fazer uma busca por elas usando as ferramentas disponíveis. O Google, por exemplo, tem a opção de buscar em blogs para encontrar o que as pessoas estão dizendo sobre um produto na blogosfera. Ouvir o que o público quer, os temas sobre os quais fala e comenta é o primeiro objetivo dos quatro que descrevemos na metodologia POST e é um excelente ponto de partida para aumentar o compromisso com a empresa. Por outro lado, é equivocado pensar que as pessoas não querem responder a perguntas das organizações. Nada está mais distante da realidade. Quem vai à Starbucks diariamente valoriza sua relação com essa rede de cafeterias. Se a Starbucks lhe pede um feedback sobre como melhorar o serviço, o cliente ficará mais que contente em responder, porque sabe que, de alguma forma, as mudanças repercutirão em sua experiência.

Em que consiste o objetivo de escutar?

É o objetivo adequado quando se trata de empresas interessadas em conhecer a opinião do cliente para desenvolver suas campanhas de marketing ou mesmo seus produtos. Modifica a atividade da pesquisa de mercado. Tradicionalmente, esse grupo se concentrava em descobrir o comportamento do consumidor por meio de focus groups e enquetes, mas isso já não basta, também deve estar atento ao que mostra o groundswell. Os gerentes de produto podem ouvir diretamente o que as pessoas comentam ou inteirar-se do que faz a concorrência, sem a necessidade de passar pelo filtro do departamento de pesquisa de mercado. Não estou sugerindo que esse departamento tenha deixado de ser útil, pelo contrário, suas capacidades analíticas e seu conhecimento são necessários. No entanto, qualquer outro integrante da empresa pode ouvir e, melhor ainda, aprender com o groundswell. Os consumidores deixam numerosos rastros com suas opiniões.

O marketing parece ser a atividade que mais se beneficia com o canal online. De fato, já faz tempo que se desenvolvem teorias e práticas sobre a difusão viral das ideias...

Sim, é o que identificamos como segundo objetivo: falar. Consiste em usar o groundswell para difundir mensagens sobre as marcas. Isso significa algumas diferenças em relação ao marketing tradicional, que apenas comunica os atributos-chave do produto para depois medir o que os consumidores recordam desses atributos. Enquanto o marketing tradicional controla a mensagem que se emite e procura assegurar que ela seja recebida da maneira requerida, no groundswell os responsáveis pela área de marketing não ditam o caminho a seguir nem lideram o diálogo. Há outra dinâmica: os usuários aprendem entre si. Aumenta a influência das pessoas e dilui o valor do marketing tradicional. Os usuários confiam nas recomendações de amigos e conhecidos, e até mesmo nas avaliações de produtos feitas por desconhecidos nas redes sociais. As empresas que participam dessas redes devem levar em consideração que não se trata de impor uma mensagem, mas de estabelecer um diálogo.

Se a empresa tem presença em uma rede social como o Facebook, as pessoas lhe enviarão mensagens e esperarão que responda. Se ela tem um blog, os usuários deixarão comentários e esperarão que prestem atenção a esses comentários. Os melhores embaixadores da empresa são seus funcionários. É preciso deixá-los falar diretamente com as pessoas, algo que muitas empresas consideram perturbador, porque desconfiam a priori do que será dito.

Como escolher os funcionários responsáveis por levar adiante esse diálogo?

Eu buscaria os que demonstram mais paixão por falar com o cliente, não os que podem explicar o que a empresa faz, mas os que estão o tempo todo falando com os clientes.

Poderia citar um exemplo de bom diálogo?

Sim. A HP vende centenas de produtos, desde impressoras até câmeras, monitores, computadores e programas, e presta serviço a grandes corporações, pequenas empresas e usuários particulares de todo o mundo. Os compradores possuem uma característica em comum: querem conhecer detalhes dos produtos. Os blogs se mostram um meio adequado para a comunicação, porque permitem que o usuário estabeleça um diálogo pessoal. Em vez de ter um único blog corporativo, a HP decidiu criar vários e, para evitar que as conversas se tornassem caóticas, definiu uma política de blogging. Desenvolveu ainda um curso para os blogueiros se manterem dentro dos “trilhos” corporativos.

“Os melhores embaixadores da empresa são seus funcionários. É preciso deixá-los falar diretamente com as pessoas [nas redes sociais], algo perturbador”

Outro exemplo é a Cruz Vermelha. Diante do problema de escassez de recursos e voluntários, decidiu difundir sua mensagem em redes sociais: encorajou as pessoas a compartilhar informações sobre a Cruz Vermelha com seus amigos e estimulou as filiais locais a criar blogs próprios. Estabeleceu diretrizes, produziu apresentações e deu cursos para educar as pessoas sobre as tecnologias e seu uso. Os resultados? Vinte e uma filiais já possuem blogs e milhares de voluntários conversam no Facebook da Cruz Vermelha com seus amigos.

Você comentou dois dos quatro objetivos da estratégia: escutar e falar. Quais são os outros?

Energizar, dar suporte e integrar os clientes com a organização. Energizar diz respeito a vendas. A ideia central é incentivar os clientes mais entusiasmados para que falem com seus amigos e estes, por sua vez, com seus conhecidos. Dessa forma, a geração de potenciais clientes, que costuma tomar muito tempo no ciclo de vendas, é potencializada pelo groundswell. A Lego, por exemplo, passou a se comunicar com os usuários na comunidade Lugnet –que não foi criada pela empresa. Para energizá-los, a Lego idealizou o programa “Embaixadores”, que seleciona um grupo reduzido de fãs e os informa sobre os próximos lançamentos. Os embaixadores difundem essas informações em suas redes pessoais e têm a obrigação de transmitir à empresa as inquietações de outros membros da comunidade, tarefa pela qual recebem como retribuição peças Lego.

A maioria das empresas não está capacitada para o groundswell. Mas há nelas pessoas com conhecimento e habilidades necessárias; é preciso apenas identificá-las. Para os líderes, a experiência pessoal é insubstituível

Quanto a dar suporte, isso consiste em fornecer ferramentas para que os clientes solucionem, com base na experiência de outros usuários, os problemas que aparecem. É um objetivo que entusiasma as empresas porque reduz os custos de atendimento ao cliente. O Black- Berry, por exemplo, alimenta fóruns de discussão. Em vez de ligar para um call center, os clientes consultam o fórum online e acompanham o que os outros dizem.

O último dos objetivos é integrar: envolver as pessoas com a empresa de modo que elas colaborem no desenvolvimento de produtos, oferecendo feedback. Antes de fazer um produto, as empresas não tentam adivinhar o que querem os clientes, falam com eles, pedem opinião sobre o conceito e oferecem a possibilidade de escolha entre diferentes esboços e protótipos.

Que setores de atividade estão entre os mais ativos no groundswell?

As empresas de mídia e de tecnologia. Se alguma delas ainda não se envolveu com o cliente, está com problemas.

Que investimentos são necessários para implementar estratégias como as que você descreve?

Não requerem grande investimento, porque essas tecnologias costumam ser gratuitas, mas demandam muito trabalho. As conversas online devem constar da descrição de tarefas das pessoas comprometidas com essa atividade. Não se trata de ingressar em redes sociais ou escrever blogs porque é divertido. Escutar os comentários dos usuários e descobrir como aperfeiçoar os produtos deve contribuir para melhorar o rendimento da companhia.

Para medir o resultado dessas estratégias, é possível recorrer a algum dos indicadores de uso habitual. Por exemplo: se a empresa abriu um canal de comunicação pelo Twitter com o objetivo de melhorar o suporte técnico, pode usar o indicador de satisfação do cliente. A interação por meio do Twitter aumenta a satisfação do cliente? Com que custo? Talvez a empresa deva investir cerca de US$ 10 mil em tecnologia para atendimento ao cliente e meio dia de dedicação de um funcionário.

As empresas estão capacitadas para o groundswell?

A maioria não. Mas há nelas pessoas com os conhecimentos e as habilidades necessárias; é preciso apenas identificá-las.

O que você sugeriria aos líderes que querem colocar em prática suas ideias nessa área?

Primeiro, que entrem no mundo online e interajam. Não adianta perguntar sobre esse mundo aos adolescentes ou delegar a tarefa a um funcionário. A experiência pessoal é insubstituível. Segundo, que saibam que haverá erros. As relações não são perfeitas, e inevitavelmente alguém dirá algo equivocado e deverá pedir desculpas. As empresas que sabem pedir perdão triunfarão. Terceiro, que tenham claros os objetivos a alcançar e comecem por um plano modesto, com potencial de crescimento. Quem quer delinear uma estratégia de longo prazo descobrirá que seu plano se tornará obsoleto antes mesmo de terminá-lo. As empresas devem decidir o que farão primeiro e como medirão o sucesso e então, se o resultado for positivo, estudar o passo seguinte.

Saiba mais sobre Charlene Li

Charlene Li é especialista em tecnologias sociais e em web 2.0. Foi analista e pesquisadora sênior da firma de consultoria e pesquisa Forrester Research, onde dirigiu a equipe de pesquisa em marketing e mídia e esteve encarregada de estudar a forma como as empresas usam as tecnologias de rede para alcançar objetivos de negócios.

Li é, além disso, uma das blogueiras mais citadas por grandes meios de comunicação dos Estados Unidos, como The Wall Street Journal, The New York Times e USA Today. Em 2008, apareceu na lista das mulheres mais influentes em tecnologia, elaborada pela revista Fast Company. É coautora, com Josh Bernoff, do livro The Groundswell – Fenômenos Sociais nos Negócios (ed. Campus/Elsevier) e fundadora do Altimeter Group, empresa de consultoria especializada em estratégias digitais.