A Tesla brasileira pode já estar em operação, esperando um investidor visionário preocupado com sustentabilidade e confiante de que a energia limpa vai dar grandes retornos no futuro, tanto em ganhos de capital como em good karma.

A indústria de energia está sofrendo abalos sísmicos em todo o mundo, e a Tesla é a parte mais visível dessas mudanças. A empresa catalisa as atuais tendências de novas tecnologias que só serão massificadas em cinco ou dez anos. Energia eólica e fotovoltaica microgeração de energia, carros elétricos e redes de energia inteligentes já ultrapassaram os estágios iniciais do chamado hype cycle (gatilho tecnológico inicial, expectativas inflacionadas e desilusão) e rumam para o platô da produtividade. O momento para investir nessas startups é agora, e o Brasil tem várias delas, com modelos de negócio sólidos e prontas para ampliar sua escala de produção. Mas, devido à instabilidade econômica, isso ainda não acontece.

“Os potenciais investidores em uma startup como a nossa estão com o pé atrás em relação ao Brasil”, diz Reinaldo Cardoso, cofundador da Renova Green, empresa curitibana que oferece serviço de energia solar por assinatura. “Além do alto custo do dinheiro e da falta de recursos, eles temem nossa instabilidade normativa. Um modelo de negócio que faz sentido hoje pode não ser viável amanhã, caso o governo decida mudar as regras do mercado.”

Cardoso admite que o modelo de negócio da Renova Green foi baseado na SolarCity, maior instaladora de painéis solares dos Estados Unidos, comprada pela Tesla por US$ 2 bilhões no final de 2016. “O modelo da SolarCity é de leasing de painéis solares com contratos de 20 anos; eles fazem a instalação sem custo e vendem a energia diretamente ao consumidor. Aqui no Brasil, a regulamentação não permite que façamos um contrato de compra de energia. Então, adaptamos o modelo para nossa realidade, transformando o leasing em comodato, em um sistema de energia solar por assinatura”, explica.

A Solidda, também de Curitiba, é outra startup que está aproveitando a possibilidade de microgeração de energia com sua tecnologia de aproveita mento de resíduos para indústrias de pequeno e médio portes. 

O Supercharger, da Tesla, que carrega a bateria em 20 minutos em vez de 7 horas, não deve chegar ao Brasil nos próximos 5 anos

“A descentralização da produção de energia é o futuro”, diz Reinaldo Duarte, sócio-fundador da empresa. “A geração centraliza da causa perdas e instabilidade no sistema. O que estamos vendo no mundo todo é uma tendência à microgeração. Já temos uma regulamentação bem avançada em relação a isso e um entendimento das concessionárias de que a produção de energia própria vem para aliviar a carga do sistema não para competir. As grandes concessionárias sabem que seu modelo de negócio vai mudar drasticamente nos próximos anos.”

A Solidda desenvolveu tecnologia própria para turbinas a vapor que podem ser utilizadas por empresas que necessitam de energia em potências reduzidas a partir de 500 quilowatts. “Oitenta por cento da energia gerada no mundo vem de turbinas a vapor, mas não nesse porte que fabricamos”, afirma Duarte. Além de benefícios ambientais, como a potencial redução da poluição em mais de 20 vezes, uma organização pode usar o vapor gerado em processos industriais, como na indústria de alimentos, para produzir energia.

Uma terceira startup que segue o caminho da Tesla, desenvolvendo tecnologia própria e verticalizando processos, é a mineira Sunew. Startup nascida do CSEM Brasil, centro de inovação e tecnologia afiliado ao instituto homônimo suíço, ela desenvolveu um filme OPV (sigla em inglês de orgânico fotovoltaico), que permite um novo processo de manufatura de células fotoelétricas, semelhante à impressão gráfica. “Nosso desafio agora é a produção em escala”, diz Carolina Lodi, que atua no marketing da Sunew.

A empresa espera faturar quatro vezes mais este ano em relação ao ano passado e trabalha em parceria com outras companhias que desenvolvem projetos utilizando o OPV, predominantemente de mobiliário urbano. A empresa não teme a concorrência internacional. “O OPV é uma tecnologia muito nova, de custo ainda elevado. Qualquer iniciativa que apareça, seja aqui ou na China, vai nos ajudar a ampliar o mercado”, afirma Lodi.

Falta um Vale do Silício, sobra criatividade

É consenso entre as startups: o maior problema para a expansão de seu negócio no Brasil ainda é a escassez dos meios de financiamento, algo muito bem estruturado no Vale do Silício, por exemplo. É o que se observa no case da fabricante de veículos elétricos Soma. Mas a criatividade vem compensando os obstáculos. “Tínhamos um produto final, mas que não havia sido testado no mercado. As chances de conseguir financiamento para isso eram pequenas e, se conseguíssemos, ficaríamos em uma posição fragilizada em uma negociação. Optamos, então, pelo crowdfunding”, diz Yuri Berezovoy, fundador da startup, em uma história de final feliz.

A Renova Green, de energia solar por assinatura, também está tentando resolver esse problema da velha economia, que é o custo do dinheiro, com uma solução da nova economia. Ela criou um misto de fundo de private equity com financiamento coletivo, no qual investidores podem “comprar” painéis solares que serão instalados na casa dos consumidores. O investidor recebe uma porcentagem da assinatura paga pelo cliente. “ Temos uma fila de espera de mais de 7 mil assinantes e queremos atender à demanda com investidores”, conta Reinaldo Cardoso, cofundador da empresa. “Remuneramos quem investe com uma parcela do valor da assinatura. O resgate pode ser feito em dois anos, com remuneração de 0,74% ao mês, o que dá rentabilidade de 19% em dois anos.”

Com essas soluções criativas de financiamento, nossas startups inspiradas na Tesla parecem prontas para surfar as ondas do mar revolto da economia brasileira.

E os veículos?

Agora, talvez você esteja se perguntando sobre a parte da inspiração que vem da Tesla Motors, a montadora de carros elétricos futuristas nos quais se pode ler um livro enquanto percorrem as curvas da estrada de Santos.

Também há movimentação nesse front. Em primeiro lugar, quem tem R$ 700 mil para gastar pode comprar um Tesla S 70D importado hoje no Brasil. Cinco deles já foram vendidos aqui pela Elektra Motors, loja de veículos de energia renovável – carros, scooters, bikes elétricas e patinetes . A empresa aguarda agora a chegada do Tesla Model 3, recém-lançado nos Estados Unidos, que deve ser comercializado por cerca de R$ 350 mil. Já há 20 pedidos, a serem entregues em meados de 2018.

“Fizemos muita pesquisa e descobrimos que existe uma grande demanda por um veículo que ainda não existe: um carro elétrico que traga praticidade e conforto a um preço acessível. Não temos dúvida de que o carro elétrico é o futuro e virá muito rápido; estamos só no começo da onda ”, explica Monique Angeli, gerente comercial da Elektra.

Segundo a executiva, a entrada de novas fabricantes nesse mercado deve ajudar na popularização do conceito de veículo elétrico. “Muitas pessoas que podem comprar um Tesla nem vêm à loja, porque não têm informação a respeito. Não sabem, por exemplo, que ele pode ser carregado em qualquer tomada. Acham que o carro vai parar no meio da estrada por falta de bateria. Eu sempre respondo com outra pergunta: ‘Você acha que no Brasil existem mais postos de gasolina ou mais tomadas?’.”

Em busca de um veículo elétrico mais acessível, a Hitech Electric foi parar na China, de onde importa seu e.coTech, vendido a preços a partir de R$ 50 mil. “A China é o país onde mais se vende carro elétrico no mundo. A indústria lá tem crescido bastante e está tecnologicamente bem à frente de montadoras tradicionais nessa área”, diz Rodrigo Contin, CEO da Hitech, que é uma joint venture entre empreendedores brasileiros e as companhias chinesas Lgao e Xiaoin.

A Hitech espera vender cerca de 80 carros este ano. “No momento estamos apresentando a tecnologia ao consumidor, e ainda há muito que fazer até ela se popularizar”, observa Contin. “Porém vimos um grande nicho no Brasil para veículos elétricos mais baratos – modelos mais populares e utilitários. Em uma segunda fase, traremos os sedãs e carros mais luxuosos e, em uma terceira, passaremos a fabricá-los aqui, não antes de três anos. O Brasil é campeão em abrir montadoras, mas também em fechá-las. Estamos trilhando o caminho inverso, primeiro criando a rede de vendas e fomentando mercado, para depois começar a montar aqui”, completa ele, seguindo o melhor estilo lean startup de construir clientes.

Hoje a Hitech foca o segmento B2B, uma vez que as empresas sentem necessidade de mostrar a investidores e clientes iniciativas voltadas para a

sustentabilidade. “Vendemos projetos piloto para o Grupo Algar, os Correios e algumas locadoras de veículos que atendem empresas”, relata Contin, garantindo que o custo de um veículo elétrico é muito inferior ao dos movidos a combustão. “Nosso carro tem uma autonomia de 120 quilômetros com uma recarga que custa R$ 4,50, quase o preço de um litro de gasolina, com o qual um automóvel a combustão roda cerca de dez quilômetros.”

A startup Cetel, de Fortaleza, já tem um projeto de compartilhamento de carros elétricos da Hitech. O destravamento de portas é feito por um aplicativo desenvolvido pela empresa curitibana. “Também criamos uma estação de recarga para prédios, que monitora o consumo de energia e identifica o usuário, e estamos desenvolvendo um modelo com painel solar”, conta o CEO.

Em paralelo, a empresa começa a credenciar revendedores que possam dar assistência técnica ao consumidor final. “Só entraremos no mercado B2C quando tivermos essa rede estabelecida”, afirma Contin. O carro elétrico ainda é mais caro que o movido a combustão, mas o preço vem caindo 15% ao ano, conforme o executivo, que projeta um contingente de 40 mil carros elétricos no Brasil até 2020.

Mesmo sendo duas startups basicamente comerciais, Elektra e Hitech têm o espírito Tesla, que é muito forte na ponta da distribuição. Mas ainda falta no Brasil uma startup fabricante de veículos inspirada na empresa de Elon Musk? Na verdade, não. Ela existe e se chama Soma. “Somos a única fabricante de veículos elétricos com tecnologia 100% nacional”, diz Yuri Berezovoy, que fundou a empresa com dois ex-engenheiros da Ford. O primeiro produto da Soma, a Surfer, é um veículo inédito, que mistura bicicleta, moto elétrica e patinete e tem o design como ponto forte, como acontece com a Tesla. Recentemente, a Surfer recebeu um prêmio de design do Museu da Casa Brasileira. “Acho que foi a primeira vez que um grupo de engenheiros ganhou um prêmio de design”, brinca Berezovoy.

“Nós fomos na contramão da engenharia automobilística tradicional”, diz ele. “Em vez de peças proprietárias, nosso veículo é produzido com peças padronizadas de bicicletas. O custo de manutenção dele é mínimo, podendo ser feita em qualquer bicicletaria”, conta o empreendedor.

A história da Soma mostra como as Teslas brasileiras têm de percorrer caminhos mais desafiadores. Em 2012, Berezovoy e os dois sócios criaram um protótipo com dinheiro do próprio bolso. Depois de um ano, descobriram que esse era o caminho errado para criar uma startup de veículos elétricos. Então, participaram de editais de inovação (Fapesp, CNPq, os vários Senais, o programa Startup Brasil) e conseguiram R$ 1,5 milhão em aportes de 2013 a 2016. Foi o sufi ciente para criar a Surfer, mas não para começar a produzi-la. Entendendo que não há o capital do Vale do Silício no Brasil, recorreram à criatividade [veja quadro na página 62] . A Soma conseguiu um parceiro do setor de autopeças para a produção em escala e pretende fabricar 80 Surfers até o final deste ano.

Sem GPS e sem Superchargers

 A musa inspiradora Tesla não deve vir para o Brasil tão cedo – segundo a Elektra, não nos próximos cinco anos. Enquanto isso, a experiência de dirigir um de seus carros aqui é incompleta, porque seu GPS não é habilitado no País, limitando a função de autopilotagem. Isso ocorre porque a Tesla condiciona o GPS à existência de uma rede de Superchargers, seus equipamentos de carga rápida.

É uma metáfora das Teslas brasileiras? Talvez. Em um Brasil ainda hostil ao empreendedorismo, startups navegam sem bússola e “energizam-se” mais devagar. Para compensar, seus empreendedores parecem tão perseverantes quanto Elon Musk.