Se lhe dissessem que entre 30% e 50% das pessoas de uma sociedade são sistematicamente discriminadas, é provável que você pensasse em minorias étnicas ou em desigualdade de gênero. Estaria, porém, longe de acertar.

No grupo em questão, bem heterogêneo, o que une os integrantes não é sua condição social, origem ou religião; é a personalidade. Talvez você mesmo se inclua nele: os introvertidos.

Há menos de uma década, Susan Cain era uma advogada de sucesso de Wall Street. Tímida confessa, ela detesta falar em público. “É algo que evitaria a qualquer custo”, diz. Coquetéis de negócios e festas ela facilmente troca por ler um livro em casa. Não parece um contrassenso que ela tenha escolhido essa carreira?

“Com frequência é”, reconhece Cain, autora do best-seller Quiet: The Power of Introverts in a World that Can’t Stop Talking (ed. Random House) —em português, “O Poder dos Quietos” (editora Agir). Por isso, para dar-se bem na profissão, ela teve de criar um personagem afastado de seu verdadeiro eu. Funcionou.

Quiet veio despertar a cons­ciência sobre quanto perdemos ao subestimar as pessoas introvertidas, mas acendeu um debate maior, em torno de várias questões fundamentais, por exemplo: se o sistema educativo realmente fomenta o desenvolvimento do talento ou se as empresas escolhem seus líderes de maneira justa.

Este ano, uma palestra da autora veiculada na internet foi vista 1,3 milhão de vezes apenas nas primeiras três semanas de upload. Recentemente, HSM Management conversou com Cain em Nova York sobre o impacto de suas ideias na liderança, na criatividade e nos negócios em geral e organiza a seguir, em tópicos, os principais momentos da entrevista.

A causa dos tímidos

Segundo a autora, o aspecto fundador da personalidade é sua inclinação: introvertida ou extrovertida? Por quê? Cain sugere que essa tendência específica influencia tudo o que fazemos, desde como escolhemos nossos amigos e parceiros até quantas possibilidades temos de fazer exercício, cometer adultério, aprender com erros ou fazer grandes apostas na bolsa.

O que significa ser introvertido ou extrovertido para Carl Jung, que popularizou os conceitos em 1920, quando publicou o livro Tipos Psicológicos? Segundo ele, os dois termos são a própria definição de uma personalidade. Se os introvertidos se sentem atraídos para o mundo interior do pensamento e dos sentimentos, os extrovertidos preferem a vida exterior, que implica relacionar-se com outras pessoas e rea­lizar atividades diversas.

Depois de Jung, as definições se multiplicaram, mas Cain reduz a diferença entre as duas noções à maneira como as pessoas respondem aos estímulos. “Os introvertidos se sentem mais vivos, com mais energia e mais envolvidos com a atividade que realizam quando estão em ambientes tranquilos. Os extrovertidos, ao contrário, anseiam por ser estimulados e, quando não obtêm incentivos suficientes, começam a ficar entediados e infelizes.” A autora acrescenta que é um erro sugerir que as pessoas tímidas são antissociais. “Elas simplesmente são diferentes; preferem tomar alguma coisa com um amigo em vez de ir a uma grande festa”, explica.

Há um problema que interfere no desenvolvimento dessas pessoas, entretanto, adverte Cain, e é o surgimento global do que denomina o “ideal extrovertido”. Esse ideal social favorece as pessoas gregárias, carismáticas e que se sentem à vontade sendo o centro das atenções. Por essa visão, a ação se sobrepõe à contemplação e, certamente, sobre a dúvida.

“Hoje vivemos em um mundo que acredita que uma pessoa calada não pode ser poderosa”, diz a autora. É como se o poder fosse “só para aventureiros e pessoas que correm riscos”. Resultado: é muito menos provável que os introvertidos sejam candidatos a posições de liderança. Porém, se partirmos do pressuposto (razoável) de que pessoas silenciosas têm a mesma quantidade de boas ideias que os indivíduos felizes em chamar a atenção, algo está sendo perdido. E as empresas têm responsabilidade pela perda, pois falham em distinguir quem se apresenta bem de quem tem habilidades de liderança verdadeiras.

Alguns introvertidos conseguem ascender a posições de liderança, contudo, e, quando isso acontece, costumam ter êxito, segundo Cain. Exemplos: a ativista negra pelos direitos civis Rosa Parks; Eleanor Roosevelt, esposa do presidente dos EUA; e o líder nacionalista indiano Gandhi. Os três eram calados, falavam com suavidade e tiveram multidões de seguidores. Cain aponta que a aversão a ser o centro das atenções pode ser benéfica. “Os introvertidos colocam-se no foco dos olhares por uma causa, não por uma necessidade narcisista. Isso é poderoso.”

Ego versus humildade

Um exemplo de líder empresarial introvertido é Warren Buffett, que atribui seu sucesso como investidor não só a seu conhecimento, mas também a seu temperamento cuidadoso e ponderado. Doug Conant, ex-CEO das sopas Campbell, que deixou o cargo em 2011, é igualmente famoso pela timidez: em seus dez anos como líder da companhia alimentícia, escreveu mais de 30 mil notas de reconhecimento aos funcionários que contribuíam de maneiras geniais para o crescimento da empresa e não estavam sendo notados nem recompensados. “Conant buscava formas ‘silenciosas’ de se conectar com as pessoas”, destaca Cain.

Um estudo recente da Wharton University descobriu que líderes retraídos obtêm mais de seus funcionários porque tendem a lhes dar mais autonomia para pôr em prática suas ideias, enquanto os extrovertidos costumam colocar sua marca em cada nova iniciativa. “No livro, falo do ying e yang necessários nas empresas. Acho que precisamos de pessoas que forçam as coisas e assumem riscos, mas também das que tomam um tempo para observar cuidadosamente a situação toda.”

A tese de Cain se alinha às ideias de dois dos maiores pensadores da gestão: Peter Drucker e Jim Collins. Em O Líder do Futuro, Drucker escreve que, entre os líderes mais eficazes com que trabalhou, existia de tudo. Alguns se fechavam em seu escritório; outros eram ultragregários. Havia os rápidos e impulsivos, e os que estudavam a situação vagarosamente. O único traço de personalidade que os líderes mais eficazes tinham em comum era a falta de carisma.

Em Good to Great: Empresas Feitas para Vencer (ed. Campus/Elsevier), Collins identifica os “líderes de nível 5” como um fator comum das empresas mais bem-sucedidas. Os que trabalharam com líderes de nível 5 os descreveram no livro como calados, humildes, reservados, tímidos, engraçados, afáveis, honestos, pessoas que se costuma subestimar.

Solitários e solitárias

Quando se trata de criatividade e inovação, então, a adesão ao ideal extrovertido talvez esteja criando um dano significativo. “Psicólogos descobriram que as pessoas mais criativas tendem a ser retraídas. Elas precisam passar tempo em solidão para pensar e criar por si mesmas. No entanto, as escolas e as organizações, em vez de respeitar isso, pioram as coisas ao não dar privacidade e autonomia a ninguém.” Isso porque o trabalho em equipe é o mantra atual da gestão, e os espaços de escritórios abertos se transformaram em norma.

Esse foco no trabalho em equipe e na interação como fonte de criatividade está levando ao que Cain chama de “pensamento grupal”. Ocorre que os grupos “são como substâncias que alteram a mente. Um toma de maneira instintiva as opiniões dos outros e as torna suas sem se dar conta. Para obter um pensamento verdadeiramente original e independente, é necessário ter tempo a sós consigo, algo que acontece naturalmente aos introvertidos”.

A prática corporativa preferida para fomentar a criatividade, o brainstorming, também não escapa da crítica de Cain. “Depois de quase 40 anos de pesquisa, sabemos que as pessoas produzem quase sempre mais e melhores ideias quando fazem brainstorming sozinhas”, diz a autora.

Como humanos, estamos programados para acreditar que os membros mais enérgicos dos grupos têm as melhores ideias, mesmo que não seja assim na realidade. “A correlação entre ser o que tem o melhor discurso e o que tem as melhores ideias é nula”, destaca Cain.

Por que os executivos gostam tanto de brainstorming? De acordo com Cain, o que os atrai é o fato de que esse trabalho de equipe especificamente faz com que as pessoas troquem gentilezas; funciona como uma cola social. Outra explicação da autora é que a internet expandiu essa prática. “A web fez com que colaborar seja ‘sexy’.” Projetos celebrados como o sistema operacional Linux e a enciclopédia online Wikipedia, nos quais milhares de pessoas de todo o mundo se unem para produzir algo, reforçou a crença no poder do coletivo.

Internet viabiliza tímidos

Isso é uma grande ilusão, contudo, como afirma Cain. “Se essas pessoas [da Wikipedia e do Linux] fossem reunidas durante um ano em uma sala de reuniões gigantesca e solicitadas a criar um sistema, tenho dúvida de que acontecesse algo tão revolucionário.” Por quê? Para a autora, participar de um grupo de trabalho online é também uma forma de trabalhar só. “Todas as inibições que surgem quando o introvertido está perto de outras pessoas parecem desaparecer na tarefa online em grupo, e nesses contextos ele é mais eficiente.”

A criatividade nasce da troca de ideias, e essa é a razão por que bares ou lugares públicos de reunião têm sido historicamente fontes de criatividade. Mas, segundo Cain, é necessário criar espaços de trabalho nos quais as pessoas possam tanto se reunir com outras como desaparecer em escritórios privados. É preciso buscar o equilíbrio ideal entre as necessidades dos introvertidos e as dos extrovertidos.

Libertação

Focalizamos a entrevista em liderança e criatividade, mas Quiet não se limita a esses dois temas. A autora espera que seu livro liberte os introvertidos da vergonha secreta que muitos levam consigo em um mundo em que apenas os extrovertidos são valorizados. Cain propõe replanejar as escolas e os lugares de trabalho para que também os tímidos possam dar o melhor de si.

Líderes tímidos obtêm mais das pessoas porque lhes dão mais autonomia