Eric Ries estava satisfeito como programador de software, até perceber que alguma coisa errada se repetia em seu trabalho: costumava atuar com equipes tecnicamente excelentes, mas sem sucesso no mercado.

A ideia de iniciar a IMVU, rede social voltada para jogos e avatares, surgiu como possibilidade de solucionar o problema. “Em vez de manter o foco em desenvolver tecnologias melhores e produtos mais sofisticados, optamos por ser mais interativos. Lançamos produtos com velocidade bem acima da média, envolvendo os clientes no processo de desenvolvimento desde o início. Isso nos permitiu testá-los mais e ter mais precisão na verificação de nossas hipóteses. Como resultado de tais iniciativas, surgiu uma forma diferente de trabalhar”, explica Ries, um dos fundadores da IMVU.

A outra providência foi criar um blog para relatar suas experiências, o Start­up Lessons Learned (lições aprendidas com uma empresa startup). A iniciativa originou o método conhecido, mesmo no Brasil, por seu nome em inglês —a lean startup— e o livro A startup enxuta. No blog Ries define empreendedorismo como uma disciplina de gestão com foco nas situações de grande incerteza e, em sua opinião, qualquer um que esteja desenvolvendo um novo produto, entrando em um novo mercado ou fazendo algo que ninguém tenha feito antes é um empreendedor.

Nesta entrevista concedida com exclusividade a HSM Management, Ries detalha como o conceito de fabricação enxuta, sem desperdícios, de empresas como a japonesa Toyota chegou ao empreendedorismo e ampliou a própria ideia de empreender [vale a pena ler a reportagem sobre startups do mini dossiê Brasil, na página 110]. Ele se mostra convencido de que é necessário deixar de encarar a atividade empreen­dedora como algo que acontece de repente, de maneira aleatória, como um golpe de sorte, e passar a entendê-la como um processo passível de aprimoramento.

Alguns creem que o nome é só marketing. Qual é a diferença entre uma lean startup e uma startup convencional?

Usamos a palavra “lean” por analogia com lean manufacturing [fabricação enxuta], que é uma filosofia de fabricação originada no Japão e tem a ver com identificar o desperdício e eliminá-lo. Implica olhar a empresa com os olhos dos clientes, para entender o que realmente importa. Esse processo funcionou muito bem no setor de manufatura e, quando adotado no desenvolvimento de software, foi chamado de desenvolvimento ágil, porque tornava o processo livre de desperdício.

Na lean startup, podemos usar muitas dessas técnicas —lotes pequenos, interação rápida, redução de desvios na linha de produção—, mas devemos ajustar o que entendemos por criação de valor, pois na fabricação enxuta o valor é definido como a capacidade de entregar ao cliente um produto de alta qualidade; todo o resto é desperdício. Como em um novo empreendimento frequentemente não conhecemos o cliente nem se ele vai querer o que vendemos, então, aprender é nossa base para evoluir. Nesse sentido, é fundamental saber rapidamente se estamos no caminho certo para construir um negócio viável.

Quero destacar que “enxuto” não significa barato nem implica economizar dinheiro. Poupa-se dinheiro como efeito colateral de não perder tempo em coisas sem importância.

No começo de uma lean startup, quanto se sabe sobre o cliente?

O problema surge quando aceitamos como verdadeiras as suposições e hipóteses sobre o comportamento dos clientes que figuram em nosso plano de negócios. Em vez de incorporar ao plano tudo o que nos propusemos fazer, deveríamos verificar com rapidez e simplicidade as suposições-chave.

No lugar de dedicar vários meses ao plano de negócios e ao estudo do mercado, e o dobro ou triplo desse tempo ao desenvolvimento de um protótipo que lançaremos com grande estrondo, mesmo que não saibamos qual porcentagem de clientes aceitará testá-lo, nossa proposta é colocar em circulação o produto minimamente viável [minimum viable produto, MVP], a mínima unidade de produto absolutamente necessária para iniciar o processo de aprendizado.

Em muitos casos, o MVP pode ser tão simples quanto uma página na internet que ofereça a possibilidade de adquirir o produto antes de seu lançamento. Se nesse momento não houver clientes interessados, devemos abandonar a tentativa de ter 1 milhão de clientes e passar a focar outros aspectos, como a taxa de conversão e o que chamamos de actionable matrix [em português, algo como “matriz sobre a qual é possível agir”], que, em microescala, nos faz entender se o negócio funciona.

Você mencionou o tema do desperdício que existe quando se inicia um empreen­dimento. A que você se refere concretamente?

Nos empreendimentos tradicionais, mais da metade do trabalho feito é desperdício. Por exemplo, desenvolver um primeiro produto com uma quantidade de funções pensadas para vários segmentos de clientes é puro desperdício, porque, se a companhia for obrigada a mudar de direção visando um mercado diferente, com clientes que darão outros usos ao produto, muitas dessas primeiras funções serão herdadas e dificultarão a mudança.

Devemos manter o foco na agilidade, na adaptabilidade e no aprendizado. A causa mais frequente de morte de um empreendimento é seu lançamento prematuro por causa da impaciência para crescer. É um desperdício gigantesco de tempo. Se mil clientes não gostam de seu produto, qual valor de aprendizado virá com o cliente mil e um? Zero. Devemos nos propor conquistar a quantidade mínima necessária de clientes para saber se estamos no caminho certo.

O que você argumenta sobre modificar o produto se aplica principalmente ao mundo digital ou vale para todo tipo de companhia?

Creio que se aplica a todo tipo de companhia. Pense em uma simples matriz de dois eixos, na qual o eixo “x” indica a velocidade do ciclo de desenvolvimento de novos produtos em um setor e o “y”, o nível de incerteza do mercado.

Se trabalharmos com uma indústria como a automobilística, na qual sabemos o que os clientes querem, o risco é primordialmente técnico e a incerteza baixa. No outro extremo, porém, estão, por exemplo, os produtos de consumo e os estruturados na web. Imaginemos todos os setores alinhados em um nível de incerteza, em sentido crescente, da esquerda para a direita. No quadrante superior direito estaria o ponto ótimo para a lean startup: alta incerteza associada com um ciclo de desenvolvimento rápido de novos produtos.

Agora, se observarmos os dois eixos, em qual direção o mundo se move? Vamos notar que em todos os setores as mesmas forças estão atuando para aumentar a incerteza e tornar o ciclo de desenvolvimento mais rápido. Ou seja, mesmo que hoje o negócio não esteja no ponto ótimo para uma lean startup, logo estará.

E, quando isso acontece, o que se deve fazer? Você sabe?

Um empreendimento é algo praticamente imprevisível. Precisamos de uma base que nos auxilie a avaliar as sugestões que recebemos e decidir quais delas podem ajudar. Existe um ciclo de feedback [feedback loop] composto por três etapas principais que definem o tempo do processo: construir, medir e aprender.

Um novo empreendimento transforma ideias em produtos, ele constrói; trata-se da função mais importante. A interação do cliente com nossos produtos gera vários dados e podemos mensurá-los. Essa informação, sobre o que os clientes fazem e deixam de fazer, chamamos de aprendizado.

Nosso objetivo é que a cada processo e decisão o ciclo de feedback seja mais eficiente e que seu tempo total seja minimizado.

Você poderia citar alguma empresa que tenha colocado em prática essa metodologia efetivamente? Imagino que, co­mo consultor, você tenha casos...

Como consultor, seria muito tentador dizer que a Apple e o Google seguiram meu modelo, mas prefiro documentar casos de startups que desenvolveram técnicas específicas com esse kit de ferramentas.

Por exemplo, no tema da interação rápida, menciono, em meu livro, a implantação contínua. Na IMVU, a empresa de jogos sociais online que, em 2004, fundei com Will Harvey, chegamos a lançar software 50 vezes por dia, de modo que eliminamos o ciclo de lançamento mensal ou semanal. Entre desenvolver o software e colocá-lo para rodar, levamos 20 minutos. Muitos programadores consideram isso rápido e arriscado demais, mas a implantação contínua é uma metodologia com rigor suficiente para possibilitar o trabalho em alta velocidade.

Também temos o que chamamos de sistema imune. Ele detecta e corrige automaticamente os problemas e nos permite produzir confiantes, sem necessidade de verificação constante. Muitos pensam que ele funciona apenas para empresas de tecnologia da informação, porém um dos estudos de caso que cito no livro é o da Wealth­front, que oferece serviços de fundos de investimentos e está sujeita a regulamentações governamentais, e mesmo nesse ambiente é capaz de fazer a implantação contínua. Seus diretores dizem que no caso de uma aplicação crítica, confiar a verificação a seres humanos é uma loucura, porque a porcentagem de erros é enorme.

Você coloca ênfase no processo, mas e as pessoas?

Em meu livro, uso o diagrama de uma pirâmide, cuja base é a responsabilidade, seguida do processo, da cultura e, finalmente, das pessoas —ou seja, as pessoas estão no topo. Toda a metodologia foi desenhada para apoiá-las e permitir que sejam criativas, empreendedoras e bem-sucedidas.

A maioria das empresas, especialmente as grandes, acha que seus funcionários não são empreendedores nem criativos, quando na verdade eles estão engessados em uma cultura pautada por processos preestabelecidos que eliminam a tomada de riscos, castigam as falhas e impedem qualquer um de tentar algo novo.

O que devemos fazer é escalar a pirâmide até onde as pessoas estão e desenhar processos que conduzam a uma cultura mais criativa e saudável, na qual os funcionários tenham liberdade de agir.

Gosto da história de um produto recente e inovador, o SnapTax, aplicativo que permite fazer a declaração de imposto de renda pelo smartphone. Muito impressionante. Ele não foi criado por uma equipe de gênios em uma garagem, e sim por funcionários de uma companhia norte-americana chamada Intuit, uma das maiores programadoras de software para gerenciamento empresarial e financeiro, e a última atitude que se esperaria dela é a criação de um produto inovador como esse, que compete com sua linha principal de negócios.

O que a Intuit fez? Ela não contratou superestrelas, apenas criou ambiente para que seus colaboradores se organizassem em equipes e criassem processos com base em uma nova cultura.

O que você recomendaria a alguém interessado em empreender?

O mais importante é ter visão. É preciso ter uma ideia clara de aonde quer chegar. Mesmo contando com o auxílio dos dados e das inúmeras informações sobre o mercado e sobre a realidade de modo geral, não podemos deixar de lado nossa visão, nossa perspectiva sobre o negócio. É a mesma coisa quando entro no carro e ligo o GPS. Eu pergunto a ele aonde quero ir? Claro que não, pois ele não sabe; afinal, é um robô, está ali para me ensinar como ir. Portanto, a visão deve estar claramente articulada; só assim é possível definir uma estratégia que a concretize e leve em consideração, entre outros fatores, o comportamento que pretendemos gerar em nossos clientes, os sócios que nos interessam e os preços pelos quais ofereceremos nossos produtos.

Depois é preciso testar rapidamente se cada um dos elementos da estratégia funciona como o esperado. Caso contrário, teremos de “pivotar” [o termo vem de “pivot” (pivô), conceito criado por Ries que significa mudar de abordagem o mais rápido possível] em direção a uma nova estratégia, sem que isso implique uma mudança de visão. É comum ter de dar algumas voltas, porém na verdade elas significam aprendizado e nos aproximam do destino final.

Mas deve ser difícil modificar a estratégia e manter a visão...

Claro que é. Meu exemplo favorito é o Groupon, site de compras coletivas. Trata-se da companhia que chegou mais rápido a US$ 1 bilhão de faturamento. Originalmente chamava-se The Point, um espaço de ativismo online no qual as pessoas cobravam as autoridades. A ideia era que 100 pessoas concordassem em participar de uma manifestação; se apenas 50 confirmassem presença, o protesto era cancelado. Em um ano, chegaram a gastar US$ 1 milhão tentando organizar a empresa, mas a proposta não era atrativa.

Então decidiram tentar algo diferente. Com a mesma dinâmica, substituíram a política pelo comércio. Criaram um blog gratuito usando o WordPress chamado The Groupon, em que ofereceram o “leve dois, pague um” de uma pizzaria em Chicago, Estados Unidos, e tiveram muito sucesso. Essa é a definição de pivotar. Os investidores os consideraram pessoas responsáveis porque tinham compromisso com os clientes.

O Groupon implantou um processo que permitiu criar o produto minimamente viável e replicá-lo com rapidez, e isso ajudou no desenvolvimento de uma cultura de inovação.

Saiba mais sobre Eric Ries

Autor de A Startup Enxuta (ed. Lua de Papel), Eric Ries é criador da metodologia da lean startup (empresa iniciante enxuta), sistema que ele explica e promove em seu blog Startup Lessons Learned, e um dos fundadores e diretor de tecnologia da companhia de jogos sociais e avatares online IMVU.

Enquanto estudava na Yale University, Estados Unidos, fundou a Catalyst Recruiting, uma das inúmeras vítimas do crash das pontocom. Em 2007, foi considerado um dos jovens empreendedores de tecnologia com mais destaque pela BusinessWeek e, em 2009, recebeu uma distinção do prêmio TechFellow na categoria “liderança em engenharia”. Hoje é conselheiro de vários empreendimentos tecnológicos e desde 2010 é empreendedor residente da Harvard Business School.

O que o levou a escrever um livro? Ele explica: “Considero o empreendedorismo um processo que pode ser aprendido e, portanto, ensinado. As pessoas não deveriam trabalhar durante anos em projetos destinados ao fracasso. Isso é algo que podemos prevenir, e, se mudarmos o paradigma de gerenciamento, obteremos um resultado melhor”.

Um livro se presta a organizar bem esse aprendizado. Como diz Ries, “a metodologia abordada no livro trata desse novo tipo de gestão empreen­dedora que incorpora os clientes, mais cedo que o normal, ao processo de desenvolvimento de um novo produto. Seu objetivo é lançar produtos com mais frequência, interação e mudança, identificando com exatidão o que funciona e o que não. E, se for comprovado que a estratégia não está dando resultado, o livro ensina a pivotar, ou seja, mudar o mais rápido possível para uma nova abordagem que funcione melhor”.

Princípios da lean startup

  1. Empreendedores existem em todos os lugares. Não é necessário trabalhar em uma garagem para iniciar uma empresa.
  2. Empreendedorismo é gerenciamento. Uma startup é mais que um produto, é uma instituição. Portanto, precisa de gerenciamento, especificamente orientado para seu contexto.
  3. Aprendizado validado. As startups não nascem para fazer coisas, ganhar dinheiro ou servir clientes, mas para aprender a construir um negócio sustentável. Esse aprendizado pode ser validado mediante experimentos que permitam colocar à prova todos os elementos da visão do empreendedor.
  4. Inovação responsável. Para melhorar os resultados e não perder de vista o objetivo, é necessário focar os seguintes pontos: como medir os avanços, como estabelecer metas, como priorizar tarefas. Isso exige um gerenciamento específico para startups. 
  5. Construir, medir e aprender. A atividade fundamental de uma startup é transformar ideias em produtos, medir como os clientes reagem e, depois, aprender, decidindo se é necessário pivotar ou perseverar. Todos os processos de uma startup devem ser voltados para acelerar esse ciclo de feedback.