Enquanto se senta para a gravação em vídeo da entrevista para o site fastcompany.com, em seu escritório com projetor de cinema –um espaço confortável e sem ostentação, cheio de cartazes de filmes clássicos, como O terceiro homem, Cidadão Kane e Ladrões de bicicleta–, Martin Scorsese, a eminência parda de Hollywood, dispara uma pergunta: “Estou parecendo Quasímodo? Meus ombros nessa jaqueta, nesse tipo de cadeira, podem ficar achatados, e eu fico parecendo o Quasímodo”.

Scorsese é o maior diretor de cinecinema norte-americano vivo e, mesmo assim, não consegue decidir como se posicionar na cadeira. Ele é um obcecado, não só por esses detalhes, mas por todos os outros que costumam fazer uma pessoa criativa ficar louca. Ele vai conseguir os recursos de que precisa? Será que seus chefes vão gostar do que ele está fazendo? Vão lhe dar uma chance em outro projeto? Quando dizer não? Quando dizer sim? Em quem confiar? E, afinal, como se dar bem fazendo o trabalho que ama pelo resto da vida?

Em uma era na qual carreiras são medidas em meses em vez de décadas, Scorsese tem trabalhado de forma confiável há 45 anos –e continua não sendo fácil. “Sempre há pressão”, diz. “As pessoas dizem que você deve fazer isso de um jeito, outras sugerem uma forma diferente, há o financiamento, e talvez você devesse usar esse ator e não o outro. E existem ameaças no final –se você não fizer assim, vai colocar a bilheteria em risco; se não fizer assado, nunca mais terá financiamento… Depois de 35, 40 anos disso, você se cansa.”

Hollywood sempre foi um campo de batalha, tão difícil quanto qualquer ambiente corporativo tradicional. Ao contrário de muitos gênios criativos, Scorsese não teve burn-out, não repeliu as pessoas com quem trabalha e geralmente não é considerado um terror. Apesar de nunca ter conseguido um blockbuster (Ilha do medo foi sua maior bilheteria até agora, com US$ 300 milhões arrecadados em todo o mundo), a Paramount decidiu lhe dar a quantia declarada de US$ 85 milhões para fazer o filme em 3D sobre um órfão sonhador chamado Hugo Cabret. E Scorsese vai bem em seu novo projeto, Silence, adaptação de um livro sobre os missionários do século 17, no Japão (que também é um país estrangeiro, pessoal!).

Qualquer um que consiga financiamento para projetos como esses sem dúvida aprendeu um truque ou dois. Como ele mesmo explica aqui, em um estilo metralhadora de falar, o homem sabe uma coisa ou outra sobre construir uma vida criativa –o que se aplica a qualquer gestor.

Respeitar o passado...

Ninguém fala sobre filmes como Marty Scorsese. Sua conversa vai de John Cassavetes (um mentor) a Steven Spielberg (um amigo), passando por Akira Kurosawa (um gosto adquirido) e George Méliès, o diretor inovador de filmes mudos, cuja história é a base de A inveinvenção Hugo Cabret.

“Quando começamos uma filmagem”, diz Dante Ferretti, desenhista de produção vencedor do Oscar por Kundun, Gangues de Nova York, A época da inocência e agora Hugo, “eu leio os roteiros e depois Marty me mostra filmes –muitos, muitos deles–, com muitas referências diferentes, sobre a cara que ele quer que eu pense para nosso trabalho. Ele tem todos esses filmes na cabeça, vai direto a determinado plano, dizendo: ‘Lembre-se desta imagem, é essa sensação que quero’.”

Scorsese se revela nesses detalhes. Gosta de falar de diretores em três níveis: seus filmes, suas carreiras e suas vidas dentro e fora de Hollywood. Ele é fascinado pela forma como esses homens (e, ocasionalmente, mulheres) conseguiram –ou não– passar pelo corredor polonês da crítica.

Em 1995, ele narrou e codirigiu um documentário sobre a carreira deles, chamado A personal journey with Martin Scorsese through American movies [o filme não foi lançado no Brasil, mas seu título em tradução literal seria “Uma jornada pessoal com Martin Scorsese pelo cinema norte-americano”]. É um manual prático em vídeo de como construir uma carreira, disfarçado na maior lição de história do cinema norte-americano já feita.

Remontando a D.W. Griffith, passando por Howard Hawks e Billy Wilder, e chegando até cineastas mais atuais, ele analisa como esses “contrabandistas, iconoclastas e ilusionistas” conseguiram levar uma versão de suas visões criativas para a tela. “Eu estava interessado principalmente naqueles que burlaram o sistema para fazer seus filmes”, explica ele no vídeo. “Para sobreviver, dominar o processo criativo, cada um teve de desenvolver a própria estratégia.”

Para alguém cujas inovações são numerosas –a introdução de determinado vernáculo de rua de Nova York nos filmes Caminhos perigosos e Who’s that knocking at my door; a intimidade das cenas de boxe em Touro indomável; a urgência e o ritmo em Os bons companheiros; e agora, em Hugo, a reinterpretação ou redescoberta de como o 3D pode reforçar a beleza de um filme sem se intrometer na história–, Scorsese se entende como um produto e a pessoa que luta contra o sistema de Hollywood.

Ele traça linhas claras entre os clássicos e seu trabalho: o socorrista que Nicolas Cage interpretou em Vivendo no limite é um “santo moderno do dia a dia, como o que Rossellini criou em Europa’51”; as sequências de luta em Touro indomável foram retiradas de um balé de Os sapatinhos vermelhos [veja quadro abaixo].

Seu conforto com o passado é tão profundo que ele romantiza o antigo sistema de Hollywood, no qual diretores trabalhavam para um estúdio produzindo pelo menos um filme por ano, quando não três ou quatro. “Sempre existiu uma parte de mim que queria ser um diretor de antigamente”, diz ele, rindo. “Mas não consegui fazer isso. Não sou profissional.”

...confiar nos confidentes...

Ferretti é um dos homens de confiança de Scorsese neste momento, ao lado do diretor de fotografia Bob Richardson, da figurinista Sandy Powell, da produtora de elenco Ellen Lewis e, acima de tudo, da montadora Thelma Schoonmaker.

Tanto quanto possível, ele gosta de trabalhar com a mesma equipe e com os mesmos atores. Primeiro vieram Robert De Niro, Harvey Keitel e Joe Pesci; mais recentemente, Ben Kingsley e, é claro, Leonardo DiCaprio; em Silence, ele se volta novamente a Daniel Day-Lewis.

“Qualquer grande artista precisa de muito apoio”, diz Shoonmaker. “Somos um grupo totalmente comprometido com seus altos padrões, e entendemos o que ele busca.”

O processo criativo do diretor, ao contrário de um ator, é essencialmente colaborativo, e muitos dos momentos de criação de Scorsese aconteceram por sugestão de quem estava próximo a ele. Assistindo a algumas tomadas iniciais de Touro indomável, o diretor britânico Michael Powell observou: “Há algo errado com a cor dessas luvas vermelhas”. Foi quando, segundo Scorsese, ele percebeu que o filme teria de ser feito em preto e branco.

Quando procurava uma locação para a grande batalha de Five Points em Gangues de Nova York, Ferretti o carregou até a Cinecittà, em Roma. “Estávamos falando sobre isso em Veneza”, diz Ferretti. “Havíamos considerado Nova York, mas nada na cidade se parecia com o que era em 1860. Pensamos no Canadá, mas é muito frio. Então decidimos ir a Roma dar uma olhada na Cinecittà. Adorei a ideia, já que moro na Itália. Antes de irmos, liguei para um restaurante bom perto dali e disse: ‘Escute, estou levando o sr. Martin Scorsese, e é importante que comamos bem. Você está me entendendo? É muito importante!’. Então fomos até o estúdio –Martin, Thelma e todos nós–, depois ao restaurante. Foi por isso que filmamos Gangues ali! É claro que havia outros motivos...”

Se confiar nos confidentes é um dos segredos de Scorsese, não depender totalmente deles e ficar refém de suas críticas é outro, como ocorreu com o diretor de fotografia Michael Ballhaus [veja quadro na próxima página]. “Há dois tipos de poder que você deve combater”, diz Scorsese. “O primeiro é o dinheiro, nosso sistema. O outro são as pessoas próximas a você; deve-se saber quando aceitar as críticas e quando lhes dizer não.”

...jogar o jogo corporativo...

Às vezes você simplesmente tem de ceder ao sistema. Scorsese confortavelmente admite que fez pelo menos dois filmes, de maneira calculada, pelo negócio: A cor do dinheiro, em 1986, e Cabo do medo, em 1991. O início dos anos 1980 foi difícil para ele. “Por um bom tempo”, diz Schoonmaker, “nossos filmes não foram reconhecidos e não fizeram dinheiro –o que foi um problema sério.”

Por mais que os críticos agora admirem Caminhos perigosos, Taxi driver, Touro indomável e até mesmo O rei da comédia, nenhum deles rendeu bilheteria. A última tentação Cristo começou em 1983, mas, seis semanas antes do início da produção, o estúdio a cancelou. Na sequência de O rei da comédia veio depois de horas, uma comédia excêntrica estrelada por Griffin Dunne. O filme foi feito dentro do orçamento e do prazo, durante 40 noites no SoHo, e teve um bom resultado como produção de baixo orçamento, mas nada disso importou.

“Eles me viam como alguém estranho a Hollywood, um diretor independente”, relembra Scorsese. Veio então A cor do dinheiro. Paul Newman estava interessado em fazer uma sequência de Desafio à corrupção, filme de 1961 que ele estrelou com Jackie Glea-son. Scorsese abominava a ideia de realizar uma sequência de qualquer coisa, mas diz que estava intrigado com o personagem de Eddie Felson: “Novamente, era um cara que correu muitos riscos, ultrapassou a linha, não entendia a própria autodestruição, e não compreendeu até que fosse tarde demais”.

Então ele aceitou o trabalho, para provar a Hollywood que podia conquistar um sucesso de bilheteria. “Foi um movimento calculado. Precisava fazer com que os cabeças do novo estúdio achassem que deveriam me dar outra chance, me financiar novamente.”

O filme estourou e Paul Newman levou para casa o Oscar de melhor ator. Como resultado, pelo menos da forma como Scorsese conta a história, ele ganhou o direito de finalmente fazer o projeto pelo qual era apaixonado: A última tentação Cristo. A produção torturante, porém, drenou seus recursos. “Nunca me interessei em acumular dinheiro, sabe. E nunca tive cabeça para negócios”, explica ele. “Tive problemas financeiros sérios no decorrer dos anos. Possuo uma ótima casa agora, em Nova York, mas sofri com problemas graves. No meio dos anos 1980 foi patético, quero dizer, meu pai precisou me ajudar. Eu não podia sair, não podia comprar nada. Mas a escolha foi minha.”

Três confidentes o pressionaram a fazer Cabo do medo: seu agente, e depois chefe da Creative Artists Agency (CAA), Michael Ovitz, o melhor conselheiro profissional que Scorsese teve; Robert De Niro, cativado pelo papel de Max Cady, o psicótico criminoso disposto à vingança; e Steven Spielberg.

“Estávamos jantando em Tribeca”, recorda, “e eu falei: ‘Steven, não posso fazer isso, detestei o roteiro’. E ele disse: ‘Marty, se você fizesse o filme, a família viveria no final?’. Concordei, então ele respondeu: ‘Se esse é o caso, faça o que quiser até lá. E, a propósito, esse cara aqui é o roteirista. Wesley [Strick], conheça o Marty’.”

Ele aceitou fazer o filme, com a total colaboração de Strick. “Tentamos promover o gênero quanto pudemos”, lembra-se ele. “E nunca me esquecerei da ligação que recebi de Ovitz depois de termos terminado. Atendi o telefone e ele disse: ‘Parabéns, Marty, você está solvente. Agora não vá estragar tudo de novo’.”

...mas desafiar a si mesmo sempre que necessário...

Na sala de montagem, nas semanas finais de produção, tudo está em risco. O estúdio coloca mais pressão do que nunca para que o filme satisfaça as necessidades de bilheteria. Os atores, por intermédio de seus agentes, imploram por mais tempo na tela. Colegas têm as próprias ideias, e então o diretor se desespera, percebendo todos os erros que cometeu durante aqueles dias de filmagem tão distantes.

A essa altura, ele diz, tudo se resume a uma coisa: “Do que o filme precisa, do que a cena precisa?”. Em toda produção, seja um trabalho mais comercial como A cor do dinheiro, seja um projeto apaixonado como A época da inocência, “há uma essência no projeto que você precisa proteger. Não dá para fazer concessões quanto a isso, a história não pode ser adulterada além de certo ponto; você tem de brigar com todo o poder ao redor”.

É aí que ele retoma o diálogo com uma de suas mais constantes colaboradoras, Shoonmaker, que montou todos os seus filmes desde Touro indomável. Ao contrário de seus outros colaboradores, ela não é uma criança. Considerando que Ferretti e Scorsese podem falar por horas sobre filmes aos quais assistiram durante suas infâncias solitárias, Shoonmaker cresceu planejando ser uma diplomata e caiu na área de montagem no começo dos anos 1960, depois de ter sido repreendida durante o processo seletivo para o Departamento de Estado por suas visões antiapartheid. Desde o tempo em que passaram juntos na New York University, ela aprendeu tudo o que sabe sobre filmes com Scorsese, que também a apresentou a seu marido (Michael Powell, o diretor britânico).

“Thelma se mantém leal a mim e ao que estou tentando fazer com a história, acima de tudo. Dizemos tudo um para o outro na sala de montagem –tudo”, diz ele, sorrindo, enquanto levanta suas famosas sobrancelhas. “É ela quem me vê cansado, quase desistindo, diante de alguém que ficou na minha orelha e é muito influente, alguém que faz ameaças. Há muito mais gente assim agora. Então ela diz: ‘Cuidado, porque isso pode prejudicar o projeto todo’. Ela me coloca de volta no caminho certo quando me perco.”

Scorsese diz que eles pensam de maneira parecida em termos de cultura e política. “A resistência está sempre ali, a coisa dos anos 1960 com a qual crescemos. Não os hippies ou coisa assim! Não sou hippie, e não tenho nada contra eles. Temos um jeito, podemos dizer quando algo cheira muito mal mesmo estando longe do processo, e não vamos ficar muito perto daquilo. Algumas vezes você acorda e foi até lá, mas então você segue em frente e espera que da próxima vez seja mais cuidadoso.”

...e ter um plano B

Scorsese completa 70 anos em 2012 e, além dos longa-metragens de ficção, continua sempre envolvido em projetos paralelos, entre eles documentários, musicais, séries para a TV (como Boardwalk Empire, a série épica de gângster da HBO, que se passa em Atlantic City) e o trabalho na The Film Foundation, que restaurou mais de 550 filmes antigos e basicamente recuperou a era do cinema mudo. Scorsese é fundador e presidente da instituição –e está encarregado pessoalmente da restauração de dez filmes, incluindo quatro mudos dirigidos por Alfred Hitchcock.

Há duas respostas razoáveis para uma lista de projetos como essa:

1) Você deveria estar fazendo mais com a criatividade que tem.

2) Como diz Tim Van Patten, produtor-executivo e diretor de Boardwalk Empire, “não sei como ele consegue. Ele vive fazendo malabarismo. Tenho problemas suficientes com meu único trabalho e tento ter uma vida”.

Esse trabalho paralelo, especialmente os documentários musicais, se tornou cada vez mais vital para Scorsese. “Houve um momento, com Os infiltrados, em que eu estava pronto para jogar a toalha. Queria fazer o filme que pensei que tivesse a ver com o roteiro, e achei que o estúdio quisesse outra coisa. Imaginei: ‘Jesus, a essa altura da minha carreira, contanto que eu não estoure o orçamento, só desejo fazer o filme que quero’. Pensei que poderia ser o fim, e se fosse isso ia cair fora e filmar os Rolling Stones no palco e pronto”.

Ele acabou finalizando Os infiltrados, como você deve saber. Mas desde então, além de filmar os Rolling Stones (Shine a light) em sua apresentação mais visceral no palco em décadas, também dirigiu um ótimo documentário sobre Bob Dylan (No direction home) e fez o filme sobre George Harrison (Living in the material world). Todos com um orçamento muito menor do que, digamos, Ilha do medo ou A invenvenção HugoHugo Cabret.

Menos dinheiro, na verdade, traz mais liberdade. “Quando fico frustrado com as pressões comerciais dos filmes de ficção, faço esses trabalhos.”

Inovadores do cinema

O aclamado diretor escolhe seis realizadores cuja ousadia mudou o cinema e seus filmes marcantes

Orson Welles - Cidadão Kane; Otelo; A marca da maldade

“Ele foi uma força da natureza que surgiu, uma criação que riscou do mapa os filmes que o precederam. Para ele, não havia nada cinza. Ele falou para o diretor de fotografia de Kane, Gregg Toland: ‘Vamos fazer tudo que sempre nos disseram para não fazer’. Os ângulos baixos e as lentes de distância focal profunda, a estrutura da história, os flashbacks, a superposição de imagens –ninguém jamais tinha visto nada igual.”

Roberto Rossellini - Roma, cidacidaderta; Paisà; Europa’51

“Mudou o cinema três vezes. Deu início ao ‘neorrealismo’ com Vittorio de Sica. Depois, com a esposa Ingrid Bergman, fez uma série de histórias íntimas, quase místicas, como Stromboli e Europa’51 –e, com este, sobre duas pessoas em um carro, provocou a Nouvelle Vague nos anos 1960. No fim da carreira, dirigiu vários filmes didáticos para a TV italiana, porque sentia o dever de informar. Ao menos um deles, O absolutismo: a ascensão de Luís XIV, é uma obra de arte.”

Michael Powell e Emeric Pressburger -Narciso negro; Os sapatinhos vermelhos; e A tortura do medo

“Vi Os sapatinhos vermelhos pela primeira vez quando tinha 10 anos. A história poderosa e a riqueza da cor me afetaram muito, fiquei encantado com a astúcia. Cuidaram de cada detalhe e assumiram um risco imenso: era a primeira vez que um filme narrativo incluía uma sequência de balé de 20 minutos. É um filme dentro do filme, para o espectador sentir o que a personagem sente. As sequências de luta de Touro indomável foram um pouco esse balé.”

John Cassavetes - Sombras; Faces; Os maridos

“Ele acabou com o velho vocabulário de fazer filmes, com seus atores de Nova York, seu som da vida da rua, a capacidade que os novos equipamentos, mais leves, lhe deram. Quando assisti a Sombras, com a câmera se movimentando pela casa, numa comunicação tão direta com a experiência humana, foi como se não houvesse câmera e eu vivesse com aquelas pessoas. Ele exemplifica a independência: ‘Faça o que sente no coração. Não deixe que cortem seu orçamento’. Ele era como um tio quando falava conosco sobre isso.”

Robert Altman - MAS*H; Nashville; Gosford Park

“Vi MAS*H em uma exibição para a imprensa. E, como não sabia nada de esportes, foi o primeiro filme de futebol americano a que assisti. Altman desenvolveu esse estilo que veio de sua vida, e era tão único e original que não lhe faço justiça. Ele foi um inovador [mundial] em sua técnica de som, mas tinha uma sensibilidade e uma visão artísticas singularmente americanas. Você precisava se sintonizar com isso e persistir... Mesmo sendo louvado ou odiado pelos críticos, nada o detinha. E seus filmes eram pessoais, não filmes quaisquer.”

Ele não encurta filmes

Todos os diretores de cinema enfrentam pressão para encurtar seus filmes –só que Martin Scorsese simplesmente não consegue fazer isso. Em 25 anos, ele não fez um único filme com menos de duas horas, desde A cor do dinheiro, de 119 minutos. No caso dos filmes infantis, em que o padrão da indústria é ficar abaixo de 90 minutos, ele desenvolveu Hugo em duas horas, em uma exuberância visual com trechos que até mesmo adultos, na première do Festival de Nova York, acharam cansativos.

“Alguns podem sugerir que há autoindulgência”, diz Scorsese. “Mas às vezes algo precisa de tempo para funcionar com um telespectador. As pessoas falam sobre a duração, mas não é só isso: é necessário respeitar o tempo de divagação, o ritmo. Fiz filmes muito rápidos –as sequências de Os bons companheiros e, particularmente, as de Cassino, com três horas de duração, mas que passam rapidamente.”

Não se trata apenas de ignorar o que podem parecer sugestões muito sensatas; também é preciso saber quando uma parceria chegou ao fim. “Com o passar dos anos, as pessoas mudam e querem outras coisas. Você tem de compreender quando um colaborador não está mais satisfeito”, diz Scorsese. Esse foi o caso de Michael Ballhaus, um diretor de fotografia com longa parceria.

“Michael, extraordinário, foi um salva-vidas para mim; ajudou-me a reaprender como fazer imagem em movimento em Depois de horas. O último trabalho que fez comigo foi Os infiltrados, um filme bem difícil, tivemos muitos problemas com os horários dos atores, e eu estava constantemente reescrevendo o roteiro. Em O aviador o diálogo era bem direto, mas em Os infiltrados não era, e ainda mais com aqueles atores! Bem, é por isso que você os quer, mas isso não facilita. Então, Michael decidiu que queria fazer outras coisas, e foi muito triste.”

O espírito crítico e de resistência dos anos 1960 caracteriza o jeito Scorsese de trabalhar. “Podemos dizer quando algo cheira mal mesmo quando estamos longe”