Quando você pergunta às crianças o que elas querem ser quando crescer, quantas dizem administradoras? Nunca encontrei uma que tivesse essas aspirações. Em parte isso acontece porque gestão é um conceito um tanto amorfo para alguém de 10 anos. Mas também se deve ao fato de que nós, adultos, não estamos exatamente entoando loas à profissão de gestor. Evidências de um desencanto progressivo estão em toda parte:

• A administração não é uma profissão respeitada. Em uma pesquisa sobre honestidade e ética em 21 profissões realizada pelo Instituto Gallup nos Estados Unidos em 2008, apenas 12% responderam que achavam que executivos tinham integridade alta ou muito alta –o menor índice de todos os tempos. Com 37% de classificação baixa ou muito baixa, eles ficaram atrás de advogados, líderes sindicais, corretores de imóveis, empreiteiros e banqueiros.

• Os funcionários estão infelizes com seus superiores. A evidência mais convincente disso vem dos estudos do economista Richard Layard sobre felicidade. Com quem as pessoas mais felizes estão interagindo? Amigos e familiares estão no topo; o chefe vem por último. Na verdade, as pessoas preferem ficar sozinhas, demonstrou Layard, a interagir com seu chefe.

• Não há modelos positivos. Todos nós sabemos por que Dilbert é a série de livros de negócios mais vendida até hoje no mundo e por que o seriado The Office foi sucesso dos dois lados do Atlântico. Soam verdadeiros. O chefe de Dilbert é um mentecapto egocêntrico; Michael Scott (ou David Brent, na versão inglesa) não tem a menor consciên-cia de si e seus subordinados são mais espertos do que ele. Quando essas são as figuras que vêm à mente das pessoas para traduzir “gerente”, temos um problema –sério.

Alguns observadores gostariam que nos livrássemos de vez da palavra “manager” –usada como “gerente”, “administrador” ou “gestor”–, preferindo termos como “líder”, “executivo” ou “empreendedor”. Acredito, porém, que uma abordagem mais útil seria reinventar a administração –voltar aos primeiros princípios e recuperar o espírito do que é gestão realmente. Precisamos ajudar os executivos a compreender a melhor maneira de administrar e os funcionários a ter os gestores que merecem.

A corrupção da gestão

Onde foi que a gestão errou? Não podemos culpar alguns executivos nocivos ou más decisões, nem empresas ou setores específicos. O problema é sistêmico. Os executivos de grandes empresas apenas são os que dão a cabeça a prêmio publicamente, mas muitos são os cúmplices dos problemas da gestão, entre eles formuladores de políticas, legisladores, acadêmicos e consultores.

Vamos começar com uma definição: gestão é o ato de reunir pessoas para alcançar metas e objetivos desejados. Aqui, no entanto, não se mencionam planejamento, organização, equipe, controle e várias outras atividades geralmente associadas ao tema. Também não se fala de empresas ou corporações e absolutamente nada sobre hierarquia ou burocracia. E é este exatamente o ponto: gestão é o empenho social de reunir pessoas para alcançar objetivos que não seriam conseguidos individualmente.

Não podemos culpar alguns executivos ou decisões nocivas. O problema é sistêmico, envolvendo gestores, legisladores, acadêmicos e consultores

Acredito que a gestão, como atividade social e filosófica, foi se corrompendo ao longo dos últimos cem anos. Não me refiro ao sentido imoral ou desonesto (apesar de ter havido bom número de casos de gestores corruptos em anos recentes). Quero dizer que a palavra foi infectada ou maculada. Conversando com as pessoas sobre o termo e lendo a literatura, percebi que administradores são tipicamente vistos como burocratas de baixo nível que controlam o trabalho de subordinados e se atêm a detalhes operacionais.

Quer isso seja exato, quer não, é um sentimento que todos reconhecem. Entretanto, é uma visão restritiva. E esses sentimentos também retroalimentam o local de trabalho, moldando de maneira negativa a prática da gestão mais adiante. É por isso que argumento que a palavra foi corrompida.

Há duas principais razões para isso:

  1. Grandes empresas industriais se tornaram dominantes, e com elas seu estilo de gestão. Uma leitura cuidadosa da história dos negócios indica que grandes companhias começaram a surgir há cerca de 150 anos. A Revolução Industrial deflagrou uma mudança profunda na natureza do trabalho e da organização. Esse modelo de gestão industrial se tornou sucesso espetacular e um dos impulsionadores do progresso econômico no século 20. Contudo, teve efeito insidioso sobre o conceito de gestão, porque o termo passou a ser associado exclusivamente ao modo de trabalho hierárquico e burocrático praticado em grandes indústrias.

Um modelo tão estreito nos deixa em apuros por, pelo menos, dois motivos:

• A estreiteza nos deixa cegos à gama de modelos de gestão alternativos existentes. Equipes esportivas, comunidades sociais, organizações filantrópicas e até mesmo famílias funcionam com base em princípios muito diferentes de grandes companhias industriais, e hoje esses princípios são potencialmente muito úteis.

• Essa estreiteza também nos leva a partir do pressuposto, incorreto, de que grandes companhias industriais são inerentemente superiores a outras formas de organização. É claro que certos processos industriais se adaptam melhor às economias de escala e escopo, mas estaríamos entendendo mal a história se assumíssemos que a produção em massa seria o único modelo de organização industrial factível.

2. O engrandecimento da liderança à custa da gestão. O segundo revés sofrido pela “gestão” foi a ascensão aparentemente inexorável da “liderança” como campo de estudo. Enquanto os textos clássicos sobre gestão de negócios têm mais de um século, os livros sobre liderança emergiram no pós-guerra e decolaram realmente nos anos 1970. Hoje há mais livros de negócios sobre liderança do que sobre qualquer outra subdisciplina. O que aconteceu é bem óbvio. Para abrir espaço para a liderança, os escritores de negócios se sentiram compelidos a reduzir o papel da gestão. Nessa nova visão, gestores eram passivos, inertes e de visão limitada, e líderes, agentes visionários da mudança. As consequências dessa “revolução” da liderança eram previsíveis: as pessoas migraram para esse modo novo e “sexy” de trabalhar, enquanto a gestão deu um passo atrás.

O futuro da gestão

Diante de todos os desafios, a gestão pode ser reinventada para se tornar mais eficaz como agente de progresso econômico e ser capaz de responder às necessidades dos funcionários?

Ao menos uma escola de pensamento responderá que não. Seu argumento pode ser assim resumido: gestão diz respeito a como os indivíduos trabalham juntos, e as leis básicas de interação social são as mesmas há séculos. O contexto dos negócios vai evoluir, mas os princípios fundamentais da gestão –como estabelecemos objetivos, coordenamos esforços, monitoramos desempenho– nunca vão mudar. Seguindo essa linha de pensamento, poderíamos concluir que a evolução da gestão seguiu seu curso natural e que, para usar a famosa expressão do [filósofo norte-americano] Francis Fukuyama, chegamos ao “fim da história” no tocante ao processo de gestão.

Sempre será necessária alguma estrutura hierárquica em uma grande organização, mas há potencial para mudar essa hierarquia de modo drástico

Não é verdade. É claro que há alguma validade em alegar que as leis básicas do comportamento humano não mudarão. No entanto, a prática da gestão depende do contexto e, assim como a natureza das organizações de negócios evolui, o mesmo vale para a gestão. Sempre será necessária alguma estrutura hierárquica em uma grande organização, mas há potencial para mudanças drásticas na natureza dessa hierarquia.

Mais um motivo por que discordo do argumento de que gestão não pode ser reinventada é que deve haver uma maneira melhor de gerir grandes companhias. Não podemos simplesmente aceitar que nosso modelo atual é o melhor possível.

Outra escola de pensamento afirma que estamos a ponto de desenvolver um modelo inteiramente novo de gestão. O argumento é o seguinte: a gestão como a conhecemos hoje foi criada para a era industrial, em que o capital era um recurso escasso; hoje, é o conhecimento. As empresas não obtêm vantagens trabalhando com eficiência, mas explorando a iniciativa e a criatividade. E, o mais vital, a revolução da tecnologia da informação está permitindo o surgimento de modos de trabalho totalmente novos. O problema é que algo me diz que estivemos aqui antes. Todos os argumentos em torno da descentralização e do empowerment foram debatidos há muito tempo.

Há uma terceira via? É possível identificar um caminho útil a seguir que evite as posições extremas dessas duas escolas de pensamento? Acredito que sim. Não podemos jogar a toalha e dizer que a gestão foi tão longe quanto poderia, porque isso implicaria admitir que as falhas da gestão são algo com que devemos conviver. Tampouco podemos desenvolver um novo modelo de gestão –existem muitas ideias na teoria e insights na prática para nos guiar.

Precisamos ter uma compreensão mais abrangente do fato de que gestão está de fato ligada a tomar decisões melhores. Voltando à definição básica de gestão, podemos ajustar nossa discussão sobre atividades e princípios de maneira mais explícita e, armados dessa nova compreensão, ajudar gestores a tomar decisões melhores no universo das possibilidades conhecidas, em vez de sugerir que inventem algo jamais pensado.

Um exemplo: por que devemos assumir que todas as decisões importantes sejam tomadas pelas pessoas no alto da hierarquia organizacional? Tradicionalmente esse foi o caso, mas decisões importantes podem ser tomadas de modo menos hierárquico ou não hierárquico? Sim. Na verdade, foram escritos muitos livros sobre a sabedoria das multidões e técnicas de crowdsourcing que podem agregar a visão de grande número de pessoas a fim de tomar decisões melhores. Estaria errado, portanto, admitir que as decisões serão sempre tomadas exclusivamente por quem está no topo da hierarquia e que o crowdsourcing substituirá completamente as tradicionais estruturas de tomada de decisão.

É uma verdade prosaica, porém o modelo de gestão correto depende de um sem-fim de contingências, entre elas a natureza da decisão, o tamanho e o histórico da companhia, os interesses e habilidades dos funcionários e assim por diante. O modelo de gestão correto para sua empresa é o que se baseia nas escolhas mais adequadas que você faz dentro de limites conhecidos –entre o princípio da hierarquia de um lado e a sabedoria das multidões de outro, por exemplo.

Decisões mais inteligentes

No campo da estratégia de negócios, com frequência se discute que há dois caminhos diferentes e complementares para o sucesso: definir uma posição estratégica diferenciada e executar uma estratégia específica com eficácia. A mesma lógica se aplica à área de gestão: você pode fazer escolhas diferenciadas sobre o modelo de gestão que vai usar e ter gestores de alta qualidade que simplesmente executem bem seu trabalho.

Não é necessário fazer trade-offs optando por uma das abordagens em detrimento da outra; empresas de alta performance adotam bem as duas. Entretanto, faço a distinção para enfatizar que me interesso sobretudo pela primeira: como escolher o melhor modelo de gestão para determinada situação. É claro que a qualidade dos indivíduos que se empregam e se eles realizam bem seu trabalho pesa muito, mas essa é outra questão. O foco aqui é a arquitetura da gestão de modo geral, ou seja, as escolhas que fazemos sobre como trabalhar. Estas têm três passos articulados:

Compreender* *– Seja explícito sobre os princípios de gestão usados para tocar a companhia. Esses princípios são invisíveis e geralmente entendidos apenas em nível subconsciente, mas orientam os processos e as práticas do dia a dia por meio dos quais o trabalho de gestão é feito.

Avaliar* *– Avalie se os princípios de gestão de sua empresa são condizentes com o ambiente de negócios em que está trabalhando. Há riscos associados a quaisquer princípios, então você deve entender os prós e contras de cada um para fazer escolhas sensatamente.

Antever e experimentar – Esteja preparado para testar novas práticas como maneira de reforçar suas escolhas. Seu modelo de gestão só se tornará fonte de vantagem se você descobrir modos de trabalhar que o afastem da multidão. Então, é importante fazer uma abordagem criativa da gestão, antevendo e experimentando novas maneiras de trabalhar.

Infelizmente, não existe livro de receitas para reinventar a gestão. Embora esses passos sugiram um processo para avaliar e repensar seus princípios de gestão, há muito a aprender com os erros cometidos por empresas em apuros ou com a última tira de Dilbert. As escolhas certas dependem inteiramente das circunstâncias específicas e oportunidades que sua empresa enfrenta e de sua disposição para testar práticas ainda por comprovar.

Liderança versus Gestão

Vale a pena aprofundar o debate ”liderança versus administração“. Dois dos mais influentes pensadores da liderança, John Kotter e Warren Bennis, têm as seguintes posições:

• Segundo Kotter, os gestores planejam, fazem orçamentos, organizam e controlam, enquanto os líderes estabelecem as diretrizes, gerenciam a mudança e motivam as pessoas.

• Para Bennis, os gestores promovem a eficiência, seguem as regras e aceitam o status quo, enquanto os líderes desafiam as regras e levam à eficácia.

Não preciso dizer que considero essa dicotomia imprecisa e, francamente, insultante. Por que, por exemplo, motivar pessoas está aquém da descrição de cargo de um gestor? Fazer certo as coisas ou fazer as coisas certas pode ser até um jogo de palavras interessante, mas a distinção é inútil. Não deveríamos todos fazer os dois?

Ora, Kotter e Bennis são inteligentes, ponderados, e estão mais certos do que errados. Eles têm uma resposta de lógica impecável a minha crítica: liderança e gestão são papéis que o mesmo indivíduo pode desempenhar em momentos diferentes. Isso faz sentido, mas ainda acho que o enaltecimento da liderança à custa da gestão não ajuda, porque gestão –como profissão e como conceito– tem importância vital para o mundo dos negócios. Deveríamos buscar maneiras de desenvolvê-la, não de desmontá-la.

Para mim, liderança é um processo de influência social: diz respeito a características, estilos e comportamentos de indivíduos que fazem com que outros os sigam. Gestão é o ato de reunir pessoas para atingir objetivos desejados. Gestão e liderança são complementares. Colocando de modo realmente simples, todos nós temos de ser líderes e gestores. Precisamos ser capazes de influenciar os demais com nossas ideias, palavras e ações e fazer com que o trabalho seja realizado por outros no dia a dia.

Para evoluir, devemos primeiro sair desse beco sem saída a que a gestão foi conduzida. Temos de redescobrir o significado original da palavra e nos lembrar de que liderança e gestão são simplesmente dois cavalos puxando a mesma carroça. (J.B.)

É muito importante fazer uma abordagem criativa da gestão, antevendo e experimentando novas maneiras de trabalhar