Quanta informação somos capazes de acumular na memória ao longo de nossa vida? Nomes de pessoas que conhecemos, lugares que visitamos, filmes a que assistimos, datas importantes... A lista é interminável. Só que, por mais poderoso que seja, nosso cérebro não tem capacidade para armazenar tudo o que gostaríamos de recordar.

Foi justamente com o objetivo de superar essa limitação humana que Phil Libin, cofundador e CEO da Evernote, teve a ideia, com seus parceiros, de criar uma ferramenta que ajudasse as pessoas a se lembrar basicamente de tudo.

Eleita empresa do ano em 2011 pela revista Inc., a Evernote desenvolveu um aplicativo para dispositivos móveis que permite ao usuário fazer anotações e tirar fotos de qualquer coisa que interessá-lo e guardá-las utilizando o sistema de compcomputação em nuvem. Mais tarde, ele pode acessar essa memória virtual por meio de um sistema de busca que pretende ser tão poderoso como o Google.

“Nosso cérebro tem uma capacidade de memória muito limitada e isso se agrava em uma época, como a presente, em que somos bombardeados por uma infinidade de informações e não temos certeza de que essas coisas serão úteis no futuro”, explica Libin. “Ninguém está satisfeito com seu cérebro”, segundo ele, que, por isso, tem perseguido o objetivo de fazer com que as pessoas, com a ajuda da tecnologia, se tornem mais inteligentes.

A proposta é ambiciosa e, até agora, os números mostram que a empresa tem ganhado muitos adeptos. Com quatro anos de existência, a Evernote já conta 25 milhões de usuários e seis escritórios no mundo. Com sede em Mountain View, no coração do Vale do Silício, ocupa um edifício moderno, alegre e sem divisórias, onde trabalham quase cem pessoas, que se autointitulam “nerds genuínos” da tecnologia, como seu líder.

Por dentro do software

“O Evernote é nosso cérebro externo.” É essa a resposta de Libin quando questionado sobre como o aplicativo funciona. Mas o que isso significa?

“Trata-se de um sistema que ajuda a pessoa a se lembrar de tudo o que é importante e manter um banco de dados com todas as informações de que precisa, seja para a vida profissional ou pessoal”, explica ele.

O software oferece isso por meio de uma plataforma central que permite ao usuário fazer anotações, tirar fotos, gravar voz e salvar páginas de sites. Todo o conteúdo é gerado e mantido à disposição para pesquisas futuras.

Há, também, acessórios que incrementam o serviço principal, com funções mais específicas, como o Evernote Hello, que ajuda a se lembrar de pes-soas com base em determinados dados, e o Evernote Food, para guardar experiências gastronômicas. Aplicativos adicionais são muitas vezes desenvolvidos em parceria com terceiros. “Temos cerca de 10 mil sócios, e entre eles está o que desenvolveu a plataforma Expensify, que serve para controlar as finanças pessoais com base em imagens das faturas”, diz Libin.

De acordo com o CEO da companhia, as possibilidades são tão amplas quanto as situações cotidianas. “Se uma pessoa, em um restaurante, não quer esquecer a marca do vinho que está bebendo, pode tirar uma foto; se acabou de conhecer alguém, pode fazer uma imagem de seu cartão de visita; se está dirigindo, pode gravar para ela mesma um lembrete de voz”, afirma. Todo esse material é armazenado em servidores da empresa, inteligentemente classificado pelo sistema e sincronizado com todos os dispositivos pelo qual o usuário acessa o serviço.

O aplicativo funciona tanto para os desorganizados como para os mais prolixos. “Há muitas possibilidades de criação de pastas, categorias, tags etc. E você também pode jogar tudo em um só lugar e usar o sistema de busca para encontrar o que quer”, diz Libin.

Para lembrar, por exemplo, o nome de alguém que conheceu em uma viagem a Paris em agosto de 2007, basta pesquisar por data ou local para encontrar informações sobre esse acontecimento, ainda que a informação não tenha sido identificada com uma tag.

Parece mágica, mas é tecnologia pura. Toda informação leva rótulos de hora e data; um sistema de geolocalização informa o local relativo a cada marcação, e outro reconhece e identifica qualquer texto, mesmo quando as letras são parte de uma imagem.

Por dentro do modelo de negócio

A ideia dos desenvolvedores é que os adeptos do uso do aplicativo o utilizem por toda a vida. Para isso, garantem que a informação sempre estará disponível e que a Evernote não vai usá-la para qualquer outra finalidade. O limite mensal de dados que podem ser enviados para o servidor é de 16 MB para os que usam a versão gratuita e de 1 GB para os que pagam US$ 5 por mês ou US$ 45 por ano pela versão premium.

Quais são as vantagens de pagar pelo serviço? A maior capacidade de armazenamento e o acesso a algumas funções extras que facilitam compartilhar e editar arquivos em grupo.

As vantagens não parecem muito significativas, e por isso é difícil entender por que cerca de 1 milhão de usuá-rios estão pagando por um serviço que é oferecido gratuitamente. “Nossa estratégia não é forçar ninguém a comprar a versão premium. É óbvio que ela tem funções geniais, mas o que queremos é que todos entendam que poderão usar o aplicativo a vida inteira, sem custo algum”, garante Libin.

Então, qual é o modelo de negócio de um serviço que nem sequer incentiva as pessoas a pagar para usá-lo? Segundo o CEO, o mundo online possui um código muito particular sobre quando é aceitável cobrar por algo. “Nosso objetivo é que as pessoas se apaixonem pelo produto, porque descobrimos que elas odeiam pagar por qualquer coisa na internet, mas não se importam em pagar por algo pelo qual estão apaixonadas. E, quanto mais usam o Evernote, mais estão dispostas a pagar”, afirma.

De fato, as estatísticas confirmam que a quantidade de pessoas que optam por remunerar o serviço é proporcional ao tempo de uso que tiveram oportunidade de usufruir. A lógica é simples: os usuários querem retribuir à empresa a prestação de um serviço útil, em parte porque eles se sentem gratos, mas também porque não querem que o produto deixe de existir.

Assim, 95% do faturamento da companhia vem das receitas com o serviço premium e o restante, de licenças para uso da tecnologia. Há também uma razão para o fato de haver muito pouca publicidade: não dispersar a atenção do usuário. “Nosso modelo de negócio não se baseia em transformar em dinheiro informações do usuário, nem em publicidade. Nosso plano é que 1 bilhão de pessoas se apaixonem pelo produto, a ponto de 5% delas decidirem pagar US$ 5 por mês”, explica Libin.

Isso representaria uma cifra de cerca de US$ 3 bilhões por ano gerada somente por usuários, o que parece muito factível quando se leva em conta o público-alvo da empresa: profissionais, ao redor de 30 anos de idade, com ensino superior e de alta renda.

O começo

As primeiras tecnologias que tornaram possível a criação do Evernote datam de 2005 e foram desenvolvidas por uma equipe de empresários russos e norte-americanos liderada por Stepan Pachikov, que havia duas décadas trabalhava em um projeto para expandir a memória (dos homens e das máquinas) e reconhecer imagens. Enquanto o grupo de Pachikov programava na Califórnia, Libin buscava, com alguns empreendedores, uma nova ideia de negócio em Boston.

“Tínhamos vendido a última empresa que havíamos criado e queríamos desenvolver um produto relacionado à memória”, conta ele. “Elaboramos um plano de negócios com uma ideia semelhante à da equipe de Pachikov. Em 2007, nos encontramos com ele e decidimos unir forças. O Evernote foi lançado no ano seguinte.”

Embora a ideia parecesse genial para Libin e seus colegas, não era tão fácil convencer os investidores. “Nosso plano é desenvolver um software que permitirá que as pessoas anotem coisas para mais tarde lembrar, e isso será oferecido gratuitamente. Por favor, nos ajude com dinheiro para lançar esse produto.” Esse era o discurso com que Libin se dirigia a potenciais investidores, sem sucesso.

Como a maioria das empresas iniciantes, os primeiros tempos da Evernote só foram possíveis graças a recursos dos próprios empreendedores e ao aporte de amigos e familiares. Em outubro de 2008, quando estavam prestes a fechar um grande acordo de investimentos, o mercado entrou em colapso —literalmente. “O colapso do Lehman Brothers teve um efeito de contágio, e nosso investidor desistiu do negócio no dia acordado para assinatura do contrato”, lembra Libin.

A situação financeira da empresa era crítica. Não havia dinheiro suficiente no banco para sobreviver nem mesmo um mês. Naquele dia, Libin foi para a cama pensando que, na manhã seguinte, teria de comunicar a seus 30 funcionários que era hora de fechar as portas. O que ele não sabia era que do outro lado do mundo, mais precisamente na Suécia, havia um fã do Evernote, que escolheu o momento certo para comunicar seu entusiasmo em um e-mail que mudou o destino da companhia.

Às 3 horas da manhã, Libin leu: “Oi, amo o Evernote. Eu o uso há alguns meses e ele mudou minha vida. Estou muito satisfeito com o serviço e queria saber se eles estão buscando algum tipo de investimento”. Duas semanas depois, a empresa recebia um empréstimo de meio milhão de dólares no banco, que lhes deu tempo suficiente para melhorar os processos, até que, em 2009, apareceu o primeiro grande capitalista do Vale do Silício.

Longe da situação difícil da origem, a Evernote conta atualmente com investidores como Sequoia Capital, Morgenthaler Ventures, Docomo Capital e Troika Dialog. Embora a empresa esteja desfrutando seu momento de glória, tanto com os usuários como com os investidores, o sucesso não parece ter afetado de maneira alguma o espírito empreendedor do CEO.

“É muito difícil começar um negócio, demanda muito trabalho intensivo”, diz Libin. “Mas vale a pena. Para mim, tem um significado muito maior dedicar 120 horas por semana a algo que eu amo, especialmente em comparação com trabalhar para alguém que me diz o que fazer. E o mais difícil é atrair pessoas com a mesma atitude, porque o que eu quero são 300 empreendedores trabalhando na Evernote. O único risco real na vida é perder tempo.”

Números da Evernote

  • Número aproximado de funcionários: 100
  • 4 Anos de existência
  • Número de usuários no mundo: 25 milhões
  • 6 Escritórios pelo mundo (Califórnia, Texas, Moscou, Tóquio, Zurique e Pequim)
  • Custo mensal do serviço premium: US$ 5
  • Idade média dos usuários: 30 anos
  • Número de usuários que pagam pela versão premium: 1 Milhão
  • Percentual de usuários que acessam o Evernote de um computador no escritório: 40
  • Percentual da receita proveniente do pagamento pela versão premium: 95
  • O aplicativo EVERNOTE funciona como se fosse o cérebro externo de uma pessoa, oferecendo um banco de dados muito fácil de alimentar e de consultar

O que cada função faz

Evernote Hello

Projetado para ajudar a se lembrar de pessoas com base nos seguintes dados: fisionomia, data e contexto. Quando o usuário encontra alguém, pode adicionar informações sobre o evento e tirar uma foto. O perfil de cada pessoa no diretório mostra a foto dela, o lugar onde o usuário a conheceu, quem os acompanhava naquela hora e que expe­riências foram compartilhadas. Todas essas variáveis também são úteis para fazer uma busca.

Evernote Food

Elaborado para registrar experiências gastronômicas. A ideia é tirar fotos de pratos que foram importantes por algum motivo e adicionar as sensações visuais e os fatores contextuais: com quem o usuário estava, onde e como se sentiu. É útil quando se está pensando em algo diferente para cozinhar ou se quer recordar os bons restaurantes visitados durante uma viagem.

Evernote Clearly

Desenvolvido como acessório para uso em sites: limpa o excesso de informação visual e registra mensagens para torná-las mais legíveis. Além de separar o conteúdo que lhe interessa, o usuário pode alterar sua aparência, escolher fontes e cores. Depois que o site é personalizado, o Evernote dá a opção de salvá-lo para ser lido mais tarde, sem necessidade de conexãocom a internet.

As estatísticas mostram que a quantidade de pessoas que optam por remunerar o serviço é proporcional ao tempo de uso; elas se sentem gratas e querem retribuir à empresa

Phil Libin, cofundador e CEO da Evernote
Phil Libin, cofundador e CEO da Evernote

95% do faturamento da companhia vem do serviço premium e o restante, de licenças para uso da tecnologia. a publicidade é pouca para não distrair o usuário