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Sr. Sandel, muito obrigado por estar aqui. Como um líder pode alinhar as expectativas da empresa com as questões éticas?

As pessoas têm sido capazes de fazê-lo?

Há uma tendência de se pensar que a missão do negócio é clara, e que é fornecer um produto ou serviço a um preço viável. E fazer o marketing disso com sucesso, desse produto ou serviço.

Mas até quando se pensa no que o produto deveria ser, no que o serviço deveria ser, como entregar, como definir a base de clientes,

é necessário julgamento. E os julgamentos envolvidos não são meramente julgamentos técnicos, econômicos e de eficiência.

São também julgamentos humanos mais amplos. E frequentemente, incluem perguntas éticas: qual será o impacto dessa forma ou daquela de promover nosso propósito de negócio e para a comunidade como um todo?

Qual será o impacto ambiental? Qual será o efeito nas vidas dos nossos funcionários e na habilidade dos nossos funcionários de terem uma vida familiar forte?

Então, uma vez que essas perguntas de julgamento se tornam perguntas de negócios,

fica claro que julgamentos de negócios são também, frequentemente, julgamentos éticos. E isso requer deliberação, escutar para tentar responder essas perguntas éticas corretamente.

Há algum tempo, nossa revista, a HSM Management, te entrevistou e você disse que temos que ter um debate público sobre se a lógica do mercado serve ao senso comum ou se não se encaixa.

Acha que as corporações estão pensando nisso? Essa é uma pergunta que pode ser abordada no nosso mundo globalizado?

Acho que as empresas de maior sucesso são aquelas que veem sua missão de negócio como uma contribuição para o bem comum. Agora, a forma principal em que negócios contribuem com o bem comum

é produzindo produtos e serviços úteis, e fornecendo um meio de sustento para os seus funcionários. As empresas são também cidadãs.

E isso significa que têm que prestar atenção no impacto de suas escolhas,

e na sua forma de conduzir o negócio, para o ambiente, para a saúde e segurança de seus funcionários e consumidores. E então, de certa forma, para ser um líder de negócio eficaz,

tem que pensar não só nas perguntas imediatas de gestão, mas também em perguntas mais amplas sobre o bem comum. O que, por fim, é o propósito, a missão dessa empresa?

E como essa missão contribui, de forma distinta, para o bem comum? As pessoas dizem que há uma crise das instituições. O que quer dizer que os paradigmas que costumávamos seguir não são mais válidos.

Você concorda? Se sim, como isso afeta a vida cotidiana das pessoas?

É marcante que a fé e confiança das pessoas em algumas das instituições mais importantes das nossas sociedades

diminuiu em décadas recentes.

É certamente verdade que a confiança no governo, na política, políticos e partidos diminuiu. Mas, especialmente desde a crise financeira,

a confiança das pessoas em instituições financeiras, em bancos, em grandes corporações de negócio também diminuiu.

E acho que há uma lição importante aqui, na qual líderes de negócios e de instituições sociais e políticas precisam prestar atenção. Estou aqui visitando São Paulo

no meio de uma época de notáveis demonstrações de protesto de rua.

E acho que isso é... Vejo isso, como alguém de fora, como uma chuva de ativismo cívico

que reflete a perda da fé e confiança

em instituições, incluindo no governo e partidos políticos. E acho que... Também vimos ativismo cívico há 2 anos, impulsionado pelo aumento na tarifa de ônibus,

e se espalhou para perguntas maiores sobre prioridades na saúde e educação. Acho que quando as pessoas se manifestam e protestam contra as políticas do governo, isso pode ser algo saudável.

Especialmente se as manifestações de protesto puderem gradualmente desenvolver alternativas para as políticas contra as quais protestam. Acho que esse é um dos grandes desafios

com o qual as sociedades democráticas se deparam hoje. As pessoas estão frustradas com a política, com políticos. As pessoas acham que o discurso político, que é tão costumeiro entre partidos políticos, é vazio.

E acho que uma das razões para esse vazio é que os cidadãos não estão exigindo o suficiente das instituições políticas e líderes políticos.

E então, em qualquer momento que cidadãos começam a exigir mais das instituições-chave na sociedade, isso pode ser uma coisa saudável.

Digo que pode ser, porque tudo depende de se essa energia pode ser direcionada para trabalhar em algumas possibilidades de alternativa construtiva,

para que as instituições possam ser fortalecidas e fazer um melhor trabalho no serviço ao bem público, ao bem comum.

As empresas têm um papel nesse cenário?

Acho que as empresas têm um papel. Até um papel no fortalecimento das instituições democráticas.

Muitas das horas de trabalho de uma pessoa são gastas

no trabalho, dentro de uma empresa. E então, os hábitos, as atitudes e a cultura

que os funcionários experimentam no ambiente de trabalho

fazem muito ao moldar suas perspectivas, suas orientações para com a vida social em geral, até com as suas famílias, suas responsabilidades como pais e cidadãos.

Então acho que empresas, idealmente, podem ser lugares onde certos hábitos cívicos são cultivados

nos trabalhadores, nos cidadãos.

E isso significa que acho que empresas deveriam fornecer oportunidades e ocasiões

para os funcionários, seja qual forem suas posições,

se reunirem e, de fato, se engajarem em deliberar juntos sobre dilemas com os quais a empresa talvez se depare, dilemas éticos com os quais a sociedade talvez se depare.

Agora, acho que instituições de educação superior têm um grande papel a desempenhar. Acho que a mídia pode fazer melhor e tem um grande papel a desempenhar promovendo uma forma de cidadania melhor, mais intencional.

Mas acho que parte disso pode acontecer dentro das empresas.

Como mencionou, o Brasil está se deparando com um momento muito complexo. Especialmente por causa de uma série de escândalos de corrupção revelados recentemente. Então, as pessoas se manifestam contra a corrupção nas ruas.

Mas têm os mesmos comportamentos em suas vidas diárias.

Aqui, costumamos dizer que a corrupção é um problema cultural. Alguns dizem que isso veio com as pessoas latinas que nos colonizaram, e alguns que é apenas o modelo de colonização.

Acha que é assim? Ou é possível mudar?

Concordo que a corrupção é mais do que só uma questão legal.

É uma questão cultural para realmente se lutar contra e superar padrões de corrupção profundamente arraigados. Acho que isso requer uma transformação da cultura, da sociedade.

Mas acho que isso pode acontecer.

Porque quando as pessoas se cansam da corrupção que veem entre políticos, partidos e grandes negócios, começam a notar a corrupção da vida cotidiana.

E começam a notar que eles mesmos, nós mesmos somos, às vezes, responsáveis.

Se somos parados por um policial por excesso de velocidade e ficamos tentados a pagar um suborno para o policial. Isso pode não ser corrupção em uma escala grande,

como a que vemos sendo investigada e debatida hoje. Mas ela contribui e ilustra

hábitos que estão profundamente enraizados na vida diária. Então, acho que progresso real na mudança da cultura da corrupção virá quando as pessoas fizerem a conexão entre as grandes ocorrências da corrupção

no nível mais alto entre os poderosos e as pequenas ocorrências de corrupção em tratos injustos e comportamentos não éticos que vemos todo dia nas nossas vidas ordinárias: em escolas, no trabalho,

em lugares públicos. E fazer a conexão entre esses dois padrões de comportamento é o começo de uma tentativa para mudar isso.

Não existe algo como um suborno inofensivo, certo? -Certo. -Inofensivo? -Um suborno inofensivo? -Às vezes, um pequeno suborno pode parecer

uma ofensa sem vítimas. Quem realmente é prejudicado? Mas quando esse hábito e essa prática

se repete por toda uma sociedade e começa a definir a forma como as pessoas se relacionam umas com as outras, e com as autoridades, instituições, e com suas responsabilidades,

há algo de prejudicial a respeito disso. E então, de certa forma, começa com educação, começa com a família, com o que pais ensinam seus filhos. Começa com os exemplos estabelecidos pelos pais,

pelos oficiais públicos, pelos líderes de negócios. Porque muitas das lições éticas que aprendemos não aprendemos por regras ou códigos de conduta.

Aprendemos através de exemplo. E é por isso que liderança, liderança ética é tão importante para empresas. Porque as pessoas aprendem tanto observando o que líderes fazem, como se comportam

quanto aprendem lendo códigos de conduta e livros de regras. Você sempre menciona que precisamos ter um debate público sobre essas questões como uma sociedade.

Que meios podem ser usados para fazer isso? Que meios podem ser usados para isso? Acha que esses fóruns democráticos podem também ser usados nas empresas?

Sim, acho que uma das fontes mais importantes de educação moral e cívica da qual precisamos é fornecer oportunidades para debate e deliberação para raciocinarmos juntos em ambientes públicos

sobre ética, sobre o que é certo fazer, sobre o bem comum. Porque essas são habilidades importantes que todo cidadão deveria ter. Agora, como cultivar essas habilidades?

Acho que pode começar nas famílias ao redor da mesa de jantar. Ter discussões, encorajar os filhos a lerem o jornal e discutirem e debaterem o que pensam sobre o que leram. Então, pode começar bem cedo.

Acho que deveria continuar em escolas, e em faculdades e universidades com cursos em educação cívica; não só onde alunos memorizam como o governo funciona e como as pessoas votam, mas onde os alunos recebem experiência e prática

em debater dilemas éticos e controvérsias. Porque essa é uma habilidade democrática importante. Acho que a mídia tem uma responsabilidade de criar mais fóruns

para esse tipo de debate público racional sobre ética. E finalmente, acho que líderes de negócios e líderes políticos

têm que fazer o que puderem para criarem fóruns dentro de empresas, e dentro da sociedade civil.

Onde funcionários e cidadãos possam ter experiência prática em se engajar em debate e deliberação sobre grandes questões éticas que são importantes. Acho que o que frustra as pessoas tanto sobre política hoje

é que há muito pouco debate público racional sobre grandes questões éticas na política. E então precisamos cultivar esses hábitos e essas habilidades.

-Muito obrigado. -Obrigado. É um prazer.