Hospitais sem incubadoras, bebês morrendo de frio. Como o capitalismo resolve um problema desse com lucro? A empresa Embrace Innovations, fundada por norte-americanos em Bangalore, Índia, resolveu-o com design thinking. Lançou um saco de dormir especial para recém-nascidos que vem salvando milhares de vidas naquele país.

O designer David Kelley apresenta essa história como evidência de que o fato de os gestores pensarem e agirem como designers está melhorando o capitalismo, porque reintroduz o ponto de vista do ser humano em uma equação antes definida apenas por negócios e tecnologias.

Em entrevista exclusiva a HSM Management, Kelley aborda da mudança do capitalismo aos elementos do design thinking que muitas empresas ainda não entenderam: diversidade (para valer), colaboração (ele é crítico feroz da competição) e renovação constante (para valer).

O design thinking busca fazer as pessoas pensarem fora da caixa. Isso também não acaba em mesmice?

Não, porque não há um diagrama do que seja design thinking; ele muda conforme quem o usa. E, na d.school, muda muito pelo menos a cada dois meses e meio, com as novas turmas. Isso porque as pessoas vêm das mais variadas graduações –de escolas de filosofia, negócios, engenharia–, cada qual com sua abordagem, e sempre de lugares diferentes, o que significa que fazem as coisas de maneiras diferentes.

Nós pedimos que os alunos cheguem e melhorem a metodologia, e eles desenham um diagrama do que acham que é design thinking. Quando alguém vê algo que lhe interessa, incorpora a seu diagrama. Nós incorporamos dicas de professores do ensino fundamental a nosso diagrama do curso.

O melhor de tudo? É muito natural, não trabalhamos propositalmente na evolução; ela simplesmente acontece.

O sr. diz que todo mundo é criativo e que a d.school só libera isso. Mas o que ocorre com a liberação quando os gestores voltam para suas empresas?

Realmente, as pessoas ficam muito criativas enquanto estão aqui, como alunos e fellows, mas, quando voltam para a empresa, bloqueiam-se. Por quê? Porque a empresa não está pronta para a criatividade, o que lhes gera frustração.

Nós nos esforçamos muito em preparar os alunos para voltar. A maneira mais efetiva que descobrimos é o que chamamos de dupla entrega [double delivering]. Orientamos para que, primeiro, façam o que sempre fizeram, do jeito que o chefe mandar. Depois, que usem nosso método, com foco no ser humano, para que surjam outras ideias.

Assim, o chefe fica feliz porque o projeto foi feito como ele queria e também surpreso com as novas ideias. O novo modo de pensar não é necessariamente usado na hora; geralmente a abertura vai sendo construída a partir daí.

O design thinking pede colaboração. Como fica o espírito de competição associado, por exemplo, a sistemas meritocráticos?

Eu realmente não gosto da palavra “competição”; não tem utilidade. Gosto de “colaboração”. Competição estabelece uma dinâmica de que eu posso me dar bem deixando você para trás, e essa não é uma mentalidade de crescimento. A intenção sempre deve ser melhorar as coisas para todos.

Sabia que, no Vale do Silício, quase não falamos sobre competir? Aqui construímos em cima das ideias dos outros, para que todos tenhamos sucesso juntos. Até porque não queremos um monte de gente igual, competindo na mesma especialidade. Tudo é multidisciplinar.

O sr. vê o ensino de design thinking como uma forma de educação executiva?

Sim, mas não se limita a isso: o revolucionário mesmo é seu uso em escolas fundamentais e em ONGs. Está provocando mudanças incríveis, silenciosas, no mundo todo. Não quero que soe como religião ou algo que estou vendendo, mas o fato é que a mudança vem acontecendo.

O sr. acredita que o design thinking pode mudar o capitalismo?

Em minha opinião, o design thinking é uma nova maneira de pensar o capitalismo, a invenção, os negócios. A maioria das empresas se importa muito com negócios e tecnologias, mas não com pessoas, e é por isso que seus produtos fracassam.

O design thinking reintroduz a perspectiva humana nisso, tentando entender o que as pessoas valorizam. O negócio ou a tecnologia servem para viabilizar o que tem significado para as pessoas.

Alunos da d.school estão fazendo, no mundo inteiro, projetos que vêm mudando o capitalismo. Por exemplo, com o pensamento do design, conversando com mães na Índia, um grupo descobriu que não havia incubadoras suficientes nos hospitais e muitos bebês morriam por não conseguirem se aquecer. E muitas mães nem podiam ficar com o recém-nascido na maternidade, porque tinham outros filhos para cuidar.

Então, nossos alunos criaram um tipo de saco de dormir bem pequeno no qual o bebê se mantém aquecido e pode ir para casa. Largaram tudo e se mudaram para a Índia para criar a Embrace. Estamos mudando o capitalismo. 

Saiba mais sobre David Kelley

Quem é: Considerado um dos maiores responsáveis pela disseminação do design thinking no mundo.

Trajetória: É cofundador e líder da empresa de design Ideo e um dos fundadores da d.school, a escola de design da Stanford University.

Livros: Confiança Criativa, com Tom Kelley (ed. HSM), The Ten Faces of Innovation, The Art of Innovation, Change by Design.