Desde os anos 1960, cada vez mais cientistas sociais têm assumido a tarefa de estudar o que motiva as pessoas no trabalho. Eles se perguntam, por exemplo, se o dinheiro seria o único estímulo e o que acontece quando já se ganha e já se possui o suficiente.

Daniel Pink, que recentemente lançou o livro Motivação 3.0, sobre o assunto, aborda tais questões nesta entrevista exclusiva a HSM Management. No ambiente profissional mutante em que vivemos, as tradicionais técnicas de motivação são cada vez menos eficazes em longo prazo, porque não reconhecem a importância de oferecer sentido de valor e autonomia às pessoas. Segundo ele, a maior parte dos indivíduos quer sentir que pode crescer e progredir com o fruto de seu esforço, mas não só economicamente.

Em seu último livro, Motivação 3.0 (ed. Campus/Elsevier), você discute a importância e os benefícios da autonomia no trabalho. Explique esse conceito a quem atua numa empresa tradicional.

Quando nasceu a gestão de negócios, na década de 1950, seu objetivo era organizar a capacidade produtiva das pessoas para conseguir que cumprissem o que a empresa esperava delas. Hoje, como as prioridades das pessoas não são mais as mesmas, não se consegue isso dando ordens ou exercendo controle.

É importante encontrar ferramentas que permitam criar um relacionamento com os funcionários para que se envolvam e se sintam parte da organização. E uma das técnicas mais eficientes para alcançar essa meta é a autonomia.

Ainda tendemos a pensar que o trabalho gerencial é indicar a “maneira correta” de realizar as coisas, e em muitas oportunidades nos falta deixar claro por que estamos fazendo assim e como cada um contribui para atingir as metas do negócio. A independência gera sensação de domínio e de responsabilidade sobre as tarefas diárias e os objetivos estabelecidos. Todos nós gostamos de aprender e de nos superar.

Muitas empresas desconhecem ou ignoram essa qualidade, que pode ajudar a obter maior eficiência produtiva na organização. Se aprendermos a ajudar os funcionários a crescer individualmente, o ambiente corporativo melhorará de forma significativa à medida que forem atingindo suas metas. Trabalharão com mais eficiência e será criado um círculo virtuoso. Uma pequena mudança nesse sentido é capaz de gerar uma grande diferença no desempenho.

Qual é o exemplo de empresa que está fazendo as coisas do modo certo?

A Netflix é uma companhia acostumada a romper com as regras e as políticas normalmente praticadas. Por exemplo, as organizações, geralmente, dão três ou quatro semanas de férias, as quais os funcionários podem tirar em determinados períodos do ano. A política da Netflix é que não há política. Os funcionários podem tirar quando e por quanto tempo quiserem. Essa liberdade gera compromisso com o trabalho e com a empresa.

A Atlasian, companhia de software australiana, também é um bom exemplo. Uma vez por quadrimestre oferece a seus funcionários um espaço para trabalhar em um projeto e com uma equipe de livre escolha. Ao final de dois encontros, devem mostrar ao restante da empresa as ideias que surgiram. Dessas iniciativas em conjunto nasceram novos produtos e novos processos de trabalho, com a obtenção de excelentes resultados.

Outro modo de oferecer autonomia é o trabalho por resultados. Algo muito diferente do clássico “Se fizer algo corretamente, dou a você um prêmio”, porque não somos animais que correm atrás de uma cenoura, mas também nada a ver com escapar do horário do escritório. Devemos informar para as pessoas com as quais trabalhamos que confiamos nelas, que acreditamos que vão se esforçar e conseguir bons resultados. Assim, terão a motivação para apoderar-se de suas ações.

Essas tendências estão presentes nas pequenas e médias empresas, e, sobretudo, em novos empreendimentos. E como é o cenário nas corporações grandes e tradicionais?

Alguns gigantes corporativos tiveram ânimo para fazer grandes apostas. É o caso da Best Buy, varejista de produtos eletrônicos norte-americana. Em suas lojas, os funcionários devem cumprir horários fixos, mas, em sua sede, em Minnesota, Estados Unidos, onde acontece a operação da empresa, 90% do pessoal tem ampla liberdade. Isso ajuda a diminuir o horrível pensamento que persegue muitos trabalhadores aos domingos: “Amanhã tenho de ir ao escritório”.

De todo modo, nem sempre é fácil; essas práticas não são implementadas da noite para o dia. Mas querer é poder. Qualquer empresa pode identificar e instrumentalizar políticas de trabalho que se ajustem a seu plano de negócios.

Qual é a relação entre autonomia e trabalho em equipe?

É um ponto muito importante. Autonomia não significa fazer o que nos dá vontade e atuar só em nosso benefício. É termos controle e domínio sobre as decisões e sermos responsáveis pelas consequências. As equipes de trabalho devem ser resultado da soma da vontade de alcançar as mesmas metas. Portanto, cada um dos que formam o grupo deve querer pertencer a ele.

Muitas organizações estão recrutando funcionários com contratos de experiência de 30 dias. Durante esse período, a equipe decide se a pessoa continuará trabalhando ou se deverá sair. Ao ingressar na empresa Facebook, cada indivíduo assiste ao “Facebook Camp”, durante duas ou três semanas. Depois, tem encontros com diferentes equipes e pode escolher com qual delas gostaria de trabalhar. Em outras palavras, a companhia contrata, mas dá autonomia para o recém-contratado escolher a área em que quer atuar e com quem.

O controle da rotina diária melhora o rendimento e o compromisso. A meu ver, isso é bem mais eficiente que ter um chefe ordenando o que deve ser feito enquanto os demais são simples executores de ideias alheias.

Como você imagina o ambiente de trabalho nos próximos dez anos?

Está mudando e é inevitável que mude. A maioria das políticas de trabalho foi desenhada durante o século 19 e funcionava muito bem para tarefas mecânicas e estruturadas. O problema é que cada vez menos pessoas exercem esse tipo de trabalho rotineiro e, portanto, as coisas que as incentivavam não são mais as mesmas. Já hoje a maior parte dos profissionais tem empregos que requerem pensamento crítico, criatividade e inovação –os antigos motivadores não servem mais, porque não fomentam o pensamento lateral nem a vontade de criar algo. Em dez anos, isso estará cristalizado e a autonomia dos funcionários deve sera realidade dominante.

Estamos vivendo o que denomino “era conceitual”. É uma ideia inspirada nas capacidades artísticas do intelecto e na mudança de foco que as empresas devem empreender para poder motivar suas equipes. Hoje, para a maioria das pessoas, é mais importante a liberdade de poder trabalhar com flexibilidade e independência que ter um grande bônus de fim de ano. Elas querem ser tratadas como seres racionais e não como animais treinados.

É provável que muitas empresas não queiram mudar, porque acham que estão fazendo a coisa certa...

Sim, e geralmente é isso que acontece. Pensam que, se oferecerem um prêmio a seus funcionários, vão se concentrar mais a fim de obtê-lo. Mas e depois? Em longo prazo, as pessoas perdem o interesse e fica cada vez mais difícil gerar novos estímulos. Entretanto, não é tão simples compreender que as técnicas que dão resultados só serão eficazes em curto prazo.

Outro grande obstáculo para não mudar é que as políticas tradicionais são bem mais fáceis de implementar e de medir. O conceito “prêmio-castigo” está instalado e todo mundo entende. Com as novas práticas, as coisas não são tão claras. Demanda maior esforço determinar quanta autonomia e liberdade é benéfica para cada um dos funcionários, quais são as posições mais apropriadas para a personalidade de certos indivíduos e quais estímulos transmitem sentido de pertencer. É uma tarefa que requer dedicação e compromisso. Com o tempo, no entanto, obtém-se um desempenho muito melhor.

Você aconselha que, além de oferecer autonomia, as empresas paguem o suficiente a seus funcionários. Como se determina quanto é suficiente?

É algo que não pode ser calculado com exatidão, como se mede a temperatura. O mais importante é ser justo. Se há duas pessoas em uma organização que se dedicam a tarefas similares e uma ganha bem mais do que a outra, isso é desalentador para quem recebe menos. O mesmo ocorre se um posto de trabalho é mais bem remunerado em outra empresa. O indivíduo não se sente valorizado e é muito provável que, por isso, também não se esforce muito. Com uma política salarial ruim só se consegue que as pessoas fiquem constantemente pensando no dinheiro, e não no trabalho. E elas atuam com mais eficiência quando estão pensando no trabalho, e não no dinheiro.

Um estudo econômico realizado no Vale do Silício demonstrou que as empresas com altos rendimentos pagavam a seus funcionários mais que o prometido. Nesse tipo de política salarial, a ideia básica é: se o indivíduo ganha bem e o dinheiro não o preocupa, seu foco é o trabalho que realiza. E, em longo prazo, isso se converte em uma poupança para a organização, e não em um custo.

Conheço uma companhia inglesa, a RG Software, que mudou uma regra comum nos acordos com as equipes de vendas: deixou de lado as comissões para vendedores. À primeira vista, parece estranho, não? No entanto, ao aumentar o salário básico deles e fixar um sistema de benefícios por desempenho e resultados anuais, a empresa envolveu-os mais, obtendo uma dedicação sustentável.

Portanto, não há fórmulas perfeitas para determinar quando uma remuneração é justa. Sempre haverá funcionários mais ambiciosos que não ficarão satisfeitos com o salário. O importante é estabelecer políticas sensíveis ao que as pessoas esperam da companhia. O objetivo é evitar que o dinheiro seja um fator negativo constante.

A geração que acaba de ingressar no mercado exige motivações diferentes que as anteriores?

Acho que os jovens precisam ver um sentido de propósito no que fazem. Isso é algo bom que as empresas deveriam aprender a explorar. São indivíduos bem mais abertos ao feedback, querem uma resposta imediata. Estão acostumados a apertar um botão e ver algo acontecer. Para eles, tudo o que realizam tem consequências e é mensurável. Por isso, além de reconhecimento, esperam uma avaliação regular, rápida e útil. Se pretendem aproveitar ao máximo seu rendimento, as empresas são obrigadas a prestar atenção nessas demandas.

Saiba mais sobre Daniel Pink

Daniel Pink vem sendo cada vez mais reconhecido como especialista em dinâmicas de trabalho. Provocador e transgressivo, seu último livro é Motivação 3.0 (ed. Campus/Elsevier), que revisa os estudos de comportamento e as mudanças na motivação humana nos últimos 50 anos e identifica as práticas que conduzirão a um desempenho melhor. Originalmente jornalista, ele ficou famoso no mundo dos negócios por três livros: Free agent nation: the future of working for yourself (ed. Warner Books) transformou--se em uma ferramenta indispensável para lidar com os relacionamentos no trabalho; O cérebro do futuro: a revolução do lado direito do cérebro (ed. Campus/Elsevier) explica por que o futuro exigirá pensar com o lado direito do cérebro; As intrépidas aventuras de um jovem executivo (ed. Campus/Elsevier), à moda de um mangá (história em quadrinhos japonesa), descreve as seis chaves do sucesso pessoal e profissional no mundo corporativo, um script valioso para todos que se encontram presos em um trabalho repetitivo e tedioso. Pink esteve no Brasil em 2011 a convite da HSM para participar do Fórum HSM Inovação e Crescimento.

“A companhia inglesa RG Software deixou de lado as comissões para vendedores. Ela aumentou seu salário básico e fixou benefícios por desempenho, envolvendo-os mais”