Todo líder de negócios aspira a construir uma empresa inovadora. Quem não queria ter uma Apple, Southwest ou Starbucks e reinventar seu mercado com um enfoque original? Que CEO não sonhou em dirigir empresas revolucionárias como Tata Motors, inventora do carro mais barato do mundo; Kodak, criadora da máquina fotográfica; ou Xerox, a mãe das fotocopiadoras?

Todas essas são empresas que se aventuraram por territórios desconhecidos com propostas de valor originais. Que criaram segmentos e estimularam milhões de pessoas. Que não foram levadas a sério por outros players e, mesmo assim, geraram novas fontes de receita com suas rupturas.

Talvez isso nem possa mais ser só sonho; o discurso de inovação radical obrigatória vem sendo entoado nos quatro cantos do planeta –por conta do desafio climático, mas não apenas. Como explica, dessa vez, um brasileiro, o professor Carlos Nepomuceno, da ESPM-RJ e do MBA do Crie/Coppe/UFRJ, o mundo não poderia mais inovar apenas de forma incremental depois que a população saltou sete vezes de tamanho (de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 7 bilhões em 2011), porque emerge a necessidade de uma nova ecologia informacional. “Da última vez que houve uma explosão demográfica assim, veio uma revolução informacional para resolvê-la, a mídia do papel impresso –na Europa, em 1450. Ali inventamos o capitalismo, a república, a escola atual, a família e até um novo Deus, que deixou de determinar quem ia nos governar (os reis). Agora veio a mídia da internet. O que inventaremos?”, compara Nepomuceno. Para ele, o novo ambiente de produção de ideias arrastará toda a civilização consigo. “A cabeça de inovação incremental ficou obsoleta. A pergunta é: até quando contaremos com a sorte?”

Por sonho ou por necessidade (vale pensar nisso no médio prazo), o fato é que a ruptura inovadora exigirá das empresas uma mudança radical de mentalidade, discutida a seguir.

Pense que o segredo é a simplicidade

Clayton Christensen, professor da Harvard Business School e a autoridade icônica das inovações radicais por excelência, desenvolveu a teoria da inovação de ruptura. Segundo seu postulado, as organizações costumam ter êxito quando desembarcam em um mercado com soluções simples, convenientes e de baixo custo e seduzem consumidores insatisfeitos, saturados da complexidade da oferta disponível ou não atendidos pelos líderes setoriais.

Com o iPod e a loja iTunes como ponta de lança, a Apple não só simplificou o consumo de música, como deu vida a um ecossistema criado para alimentar um novo modelo de negócio que dispararia seu crescimento e reconfiguraria a indústria musical. Desde 2003, por apenas US$ 0,99 cada uma, os usuários têm descarregado do iTunes centenas de músicas para seus iPods, cujo software proprietário foi desenvolvido para reproduzir apenas os arquivos da loja. A fim de garantir um público cativo, Steve Jobs se encarregou de que outros formatos comuns, como o MP3, tivessem de ser convertidos pela interface do iTunes para funcionar no dispositivo. Em apenas três anos, a combinação iPod/iTunes gerou US$ 10 bilhões, quase a metade do faturamento da companhia. No final de 2002, a capitalização de mercado da Apple era de US$ 2,6 bilhões; no início de 2011, tinha ultrapassado US$ 300 bilhões.

A Southwest (seguida pela Azul, no Brasil) redesenhou o setor de aviação comercial ao dirigir-se com uma oferta conveniente e acessível aos “não consumidores”. A empresa se concentrou em captar pessoas que queriam viajar de avião, mas não o faziam por questões de preço ou comodidade. Seu modelo se baseou em fornecer rotas de voo alternativas para quem viajava de carro ou ônibus. Conectou pontos nos quais o serviço aéreo era pouco frequente e caro, ofereceu tarifas econômicas e passou a operar em aeroportos pequenos para reduzir custos. Depois, foi expandindo suas rotas para outras cidades e, assim, conseguiu tirar parte do mercado de rivais. Hoje, tem capitalização de mercado de US$ 9,47 bilhões, superior ao valor somado de seus seis principais concorrentes.

Outra empresa que irrompeu em um segmento consolidado com um novo conceito foi a Starbucks, rede de cafeterias que apostou em facilitar os encontros informais de pessoas que não queriam investir tempo e dinheiro demais em um restaurante apenas para se sentar e conversar. Desde sua fundação, em 1971, o enfoque da Starbucks foi copiado em todo o mundo por companhias que tentam emular seu sucesso com a venda de bebidas e lanches rápidos.

“As empresas que promovem ruptura começam captando os não consumidores”, explica Christensen. “De modo geral, não se propõem cobrir todas as suas necessidades, mas, com o tempo, melhoram seu produto ou serviço e se orientam para níveis mais altos do mercado, até que tiram os jogadores estabelecidos do lugar.” Surpresas, as organizações líderes, em geral, só conseguem tomar medidas defensivas, em vez de se integrar às categorias criadas pelos novos concorrentes.

Segundo Christensen, as inovações de ruptura podem ser de dois tipos:

• as dirigidas à base da pirâmide, um estrato de consumidores para quem a oferta existente é cara em função do uso feito dela, e

• as que criam mercados inteiramente novos ao permitir que as pessoas façam por conta própria algo que demandava ajuda especializada (similar ao conceito de “oceanos azuis” de W. Chan Kim e Renée Mauborgne).

E, segundo Peter Drucker, qualquer que seja seu tipo, todas devem cumprir uma regra máxima: fornecer dez vezes o valor da tecnologia que propõem substituir.

Pense que os grandes também chegam lá e em valores que determinam decisões

Com o lançamento de seu console Wii, em 2006, a Nintendo virou a indústria de videogames de pernas para o ar. Transformou em simples e intuitiva uma atividade que até aquele momento exigia habilidade e treinamento. A Microsoft e a Sony, principais concorrentes, demoraram três anos para renovar seus produtos (Microsoft Kinect e Sony PlayStation Move) e agregar funcionalidades, como os controladores de vídeo intuitivos.

O Wii foi um sucesso total. Em um ano, o valor de mercado da empresa japonesa, que vinha perdendo posições desde o lançamento da primeira versão do PlayStation, da Sony, triplicou. Em 2008 e 2009, a Nintendo vendeu mais consoles na América do Norte do que a Microsoft e a Sony juntas. Mas não foi só isso. Além de ganhar uma fortuna, ela ainda impulsionou o desenvolvimento de um setor que se encolhia perigosamente devido a produtos cada vez mais complicados de usar e ampliou o mercado para todos (graças à visão inovadora de Satoru Iwata, CEO da Nintendo desde 2002).

No entanto, casos como os da Nintendo são avis rara. Os modelos de negócio das grandes empresas foram criados para respaldar a inovação incremental (melhorias graduais nos produtos), área na qual costumam se impor. Seus executivos, por sua vez, são treinados para buscar lucros crescentes oferecendo melhores produtos aos clientes mais exigentes e rentáveis. Cedo ou tarde, contudo, o ritmo da inovação incremental supera a capacidade dos clientes de absorvê-la.

Um exemplo clássico vem da indústria de software. Os consumidores estão cada dia menos dispostos a pagar por atualizações caras, porque consideram que as versões anteriores satisfazem suas necessidades. Em resultado, muitas acabam fabricando produtos bons demais, muito caros e pouco convenientes para grande parte das pessoas.

Em Seeing what’s next, Christensen e seus colegas Scott Anthony, da Innosight (veja página 78), e Erik Roth, analista da McKinsey, sustentam que “os valores das organizações estabelecidas as impedem de dar prioridade à inovação de ruptura, porque seus processos não foram pensados para responder a algo diferente”. Os autores consideram “valores” não só o que se refere ao compromisso ético de uma empresa, mas também os critérios que ela aplica para tomar decisões. Valores é que determinam decisões estratégicas.

Nesses casos, Christensen sugere abordar a inovação de ruptura com um modelo de negócio independente, de maneira que os processos possam ser desenhados sob medida para ela. “Se uma companhia trata de mudar seus processos e valores para gerenciar uma inovação de ruptura, o mais provável é que não tenha sucesso, porque nem processos nem valores são flexíveis”, adverte. “Se a empresa é bem--sucedida como está, o melhor é que continue focada em seu negócio central e estabeleça uma estrutura à parte para encarregar-se do projeto de inovação.”

Pense nos não clientes – e nas tarefas

Segundo dados dos consultores da Innosight, apenas 10% das empresas conseguem manter um nível de crescimento que satisfaz os acionistas e estas são justamente as mais inovadoras. Os 90% restantes, que parecem fazer o que é correto –ouvindo seus melhores clientes, acompanhando de perto os concorrentes e investindo em avanços tecnológicos–, na verdade, limitam-se a perder oportunidades de crescimento, e a principal causa é, precisamente, “fazer o certo”.

Se você quer provocar uma ruptura, “não ouça os clientes”, recomenda Christensen. Ainda que pareça uma heresia, o conselho tem um motivo legítimo: os clientes mantêm a empresa cativa das necessidades deles. Em todo o caso, mais do que atender ao que dizem, é preciso observar o que fazem –e, certamente, concentrar-se mais em quem não consome seus produtos.

Para estudar e segmentar o mercado, as organizações costumam dividi-lo segundo características demográficas ou as categorias em que operam. Errado. Christensen e sua equipe propõem um método mais eficiente e confiá-vel: o das “tarefas a realizar” pelo produto ou serviço –detalhado mais adiante neste Dossiê em uma entrevista com Mark Johnson, que é da Innosight. A ideia de que os consumidores não compram bens e serviços, mas os “contratam” para que façam as coisas de que necessitam não é nova. Já tinha sido proposta por Theodore Levitt, o lendário professor de Harvard, que dizia: “Os clientes não querem comprar uma broca. Querem um furo na parede”.

Pense verde – e que o mundo é o mercado

Uma área fértil para a inovação de ruptura é a das tecnologias verdes. Não se trata, porém, de um campo fácil. Demanda a construção de redes de valor conceitualmente diferentes daquelas em que as empresas costumam transitar (veja quadro nesta página).

Bill Coleman, empreendedor do Vale do Silício, ex-Sun Microsystems e membro da equipe que desenvolveu a primeira planilha eletrônica, “as tecnologias ecológicas são mais baratas e representam muitos benefícios para a humanidade, mas, como as pessoas conseguem fazer as coisas sem elas, podem postergar seu uso por longo tempo. Para que a equação de valor de uma inovação desse tipo feche e seja adotada rapidamente, deve haver incentivos extras, como os que podem ser oferecidos pelos governos”.

Foi o que percebeu Shai Agassi, fundador da empresa californiana Better Place, quando, em 2007, decidiu criar uma companhia para fomentar o transporte sustentável. Analisando as tarefas que um automóvel deveria realizar do ponto de vista dos usuários, deu-se conta de que não seria pela venda de veículos que ele conquistaria o sucesso, mas com uma infraestrutura de estações de recarga de bateria para um futuro mercado de carros elétricos. Seus verdadeiros rivais eram os postos de gasolina. A mudança que a Better Place propunha, contudo, era “ruptura demais” para a indústria norte-americana e o governo não quis apoiá-lo. Então, Agassi recorreu a Israel, seu país natal. Lá o projeto foi aprovado e o governo definiu que carros elétricos pagariam apenas 10% de impostos sobre a compra (ante 72% dos outros). Carros e baterias seriam feitos pela aliança Renault-Nissan.

Pense com coragem e disciplina

Para finalizar: inovar rompendo padrões não exige só criatividade; requer também coragem e disciplina.

Segundo a regra máxima de Peter Drucker, uma tecnologia de ruptura deve fornecer dez vezes o valor daquela que ela substitui

Clayton Christensen, da Innosight
Clayton Christensen, da Innosight

Pense em redes de valor

Nos anos 1950 e início dos 1960, os rádios e televisores eram vendidos nas lojas de eletrodomésticos. A maior parte das receitas destas não era gerada com a venda de produtos, apesar de os produtos serem caros, mas com os consertos: os aparelhos eram fabricados com válvulas a vácuo que sempre queimavam e a assistência técnica era oferecida nas lojas.

A Sony, então, lançou o rádio com transistores, mais simples e barato. Mas, mesmo representando uma ruptura em relação à fabricante líder de rádios e televisores, a RCA, ela não teria conseguido “desalojar” a concorrente não fosse o surgimento quase simultâneo de outra inovação de ruptura: a loja de descontos Kmart.

As lojas de eletrodomésticos estabelecidas não se interessaram em vender o produto da Sony porque não tinha válvulas a vácuo, fator fundamental de seu modelo de receita. Mas a novata Kmart não podia vender os produtos da RCA porque não oferecia o serviço técnico. Sony e Kmart estabeleceram as bases de uma nova rede de valor e, assim, quebrou-se a liderança da RCA.

Kmart, Walmart e Target se lançaram ao mercado no mesmo ano (1962). Com seu modelo de desconto, focavam os consumidores que não necessitavam de ajuda personalizada para comprar produtos básicos como tintas, utensílios de cozinha, brinquedos ou roupas. Apesar de suas margens brutas serem substancialmente menores do que as das lojas especializadas, também obtinham lucro. Hoje, as redes de desconto representam 75% do setor varejista norte-americano.

Moral da história: empresas que tiverem o apoio de uma rede de valor independente e completamente separada da de seus concorrentes terão melhores possibilidades de ganhar. As redes de valor, no caso, são compostas por fornecedores, clientes, varejistas, distribuidores, sócios e outros players.