O storytelling se disseminou tão abruptamente que, a alguns, já soa como um chavão corporativo. Muitos executivos pensam na contação de histórias como um produto de prateleira pronto para resolver, instantaneamente, qualquer problema de comunicação. Está tudo errado. É preciso começar do começo. Era uma vez...

Não basta querer contar uma história para que ela seja poderosa. É preciso ter técnica e, acima da técnica, é preciso ter princípios. Robert McKee, professor de roteiro em Hollywood e maior especialista mundial em storytelling [veja a entrevista de McKee neste Dossiê], costuma dizer que histórias não são sobre regras que definem o que está certo ou errado; histórias são sobre princípios, que mostram o que funciona e o que não funciona.

Se consegue engajar, criar identificação, emocionar e conduzir sua audiência para onde quiser, não há dúvida: você tem uma história com princípios.

Os princípios do cinema ajudam qualquer executivo a planejar e a contar histórias poderosas. Como um filme conta uma história?

Os primeiros minutos são utilizados para que os personagens se apresentem e o protagonista apareça como alguém que tem um desejo. Esse desejo deve ser, no mínimo, reconhecido pela audiência como autêntico, porque não haverá conexão emocional se não houver empatia e simpatia pelo protagonista.

Empatia é o sentimento mais forte –pensamos: “Somos como ele”. Simpatia, embora desejável, não tem tanto impacto, pois nos leva a pensar apenas que “gostamos dele”. Ao criar uma história, tente ter os dois; se tiver de escolher um, que seja a empatia.

Voltemos ao desejo, que é o que impele qualquer história. E note bem: desejo é diferente de motivação. O protagonista pode querer roubar um banco e esse é o desejo. Desejo é objetivo, algo tangível; motivação é mais intangível. Se a motivação for pura ganância, não vamos gostar. Mas, se a motivação do protagonista for salvar a vida do filho pequeno, já começamos a sentir empatia por ele. Na verdade, procure trabalhar com os dois, desejo e motivação, em sua história. 

Além das telas

Há ainda oito aspectos que, com a experiência diária, aprendi serem de extrema importância para contar histórias:

Fale a verdade. Você já notou como as histórias contadas em apresentações às vezes fracassam fragorosamente? Sabe por que isso acontece? Porque o apresentador acredita que deve mostrar apenas os pontos positivos e esconder os negativos. Fazer isso é quase mentir –ou, no mínimo, contar meia verdade.

Cada vez mais, a audiência quer saber a verdade, conhecer quem você é, enxergá-lo sem as máscaras –seja nos 30 segundos do comercial da TV, seja nos 30 minutos de uma palestra. As pessoas não aceitam só os casos de sucesso; isso é fácil. Precisam saber o que você fez quando errou, quando estava sob pressão ou quando viveu um dilema, tendo de escolher entre duas alternativas ruins (porque escolher entre algo ruim e algo bom não é nenhum dilema).

Compare dois apresentadores. Um deles conta não só seus sucessos, mas suas quedas, medos e vulnerabilidades, demonstrando ter consciência de suas fraquezas. E o outro só fala de seus diferenciais, casos de sucesso e valores, demonstrando que é praticamente perfeito, impecável e sem conflitos. Em qual dos dois você vai acreditar mais? Em qual dos dois seu inconsciente vai acreditar mais? Quem é autêntico e quem tem algo para esconder?

Lembre que o cérebro tem dois lados. Falar em público aterroriza executivos. Quando treinamos um cliente com base em um roteiro criado, nossa primeira ação é simular um ambiente onde ele se sinta à vontade e conte histórias naturalmente, como se estivesse em uma roda de amigos. Ele começa por aí, e então encaixamos o “palco”. Fazemos tudo para evitar o “modo apresentador”, que é o nome que damos ao estado de diminuição do QI de uma pessoa quando está no palco.

Uma das origens do medo de falar em público é um paradigma antigo, segundo o qual as pessoas, principalmente os executivos, são racionais. Se você é uma delas, vou tentar quebrar esse paradigma com um fato, falando com o lado esquerdo (racional) de seu cérebro: diversas pesquisas provam que as emoções guiam e direcionam nossos pensamentos e a interpretação que damos aos fatos.

Duvida? Quando os “racionais” defendem suas posições com o argumento de que, “se todos pensassem de forma racional, objetiva e imparcial, deixando a emoção de lado, as coisas estariam muito melhores”, eles, sem saber, estão usando o poder de uma história para convencer seu interlocutor, ou seja, a parte predominantemente emocional.

Não estou aqui defendendo o fim dos fatos nem minimizando a importância dos dados, da razão, da lógica e da objetividade. Mas, quando você quiser se conectar com uma audiência, seja ela qual for, primeiro elabore sua história, mostrando de onde você vai sair e aonde quer chegar, e, então, fiel a si mesmo, encaixe os fatos para dar sustentação à história.

Não tente explicar a história. Explicações são chatas. Contar uma história influencia muito mais do que simplesmente trazer fatos. “Show, don’t tell” (mostre, não conte) é um dos princípios de contar histórias de Robert McKee. Tudo o que você pode transmitir por meio de dramatização, sem precisar de muito diálogo, é muito mais poderoso do que explicações. Isso vale para o cinema ou para a apresentação corporativa.

Para que a audiência não se perca no desenrolar da história, não precisa de explicação; basta uma mensagem central que acompanhe a história do começo ao fim –isso se chama “ideia governante”. Ela deve ser forte o suficiente para que sua audiência entenda com exatidão o que você quer transmitir, mesmo com os altos e baixos que vão sendo acrescentados ao longo do relato. O espectador tem de sentir as dificuldades enfrentadas pelo protagonista para ele realizar seu desejo –essas são questões humanas, autênticas, como se o narrador estivesse “nu” na frente da plateia– e nenhuma lógica pode tirar isso. Fale sem precisar explicar!

Acione o subtexto: nada é o que parece. Dizer algo sem ter de dizê-lo com todas as letras pode ter alto impacto em histórias corporativas. Se você deseja contar que sua empresa possui valores éticos, por exemplo, escolha uma experiência real que demonstre isso. Exemplo: um executivo que passou por um dilema e abriu mão de benefícios pessoais para garantir empregos, quando a empresa passava por uma crise.

Em storytelling, aquilo que não expressamos diretamente mas queremos dizer indiretamente é chamado de subtexto. Uma criança não tem subtexto; tudo o que ela diz é o que ela quer dizer. À medida que crescemos, aprendemos a usar o subtexto para nos adaptar às situações sociais e culturais. E isso não é bom nem ruim em si; depende de como o utilizamos.

Em um filme ou uma apresentação, podemos recorrer a imagens, gestos, cenários, diálogos e à performance do apresentador para, muito além das palavras, transmitir seu significado. A audiência também olha para uma imagem e logo associa algo a ela: uma Mercedes, rico; uma Ferrari, podre de rico; uma Harley, perigoso. Atribuímos significado a tudo o que vemos, ouvimos e sentimos.

Assim, ao contar uma história, um gestor ganha arma poderosa. Quando vamos ao cinema, nos entregamos àquela fantasia, pois estamos abertos a viver emoções que na vida dificilmente teremos –por duas horas, mergulhamos no mundo das emoções, sentimos medo, alegria, tristeza e muitas outras, não é? Agora, quando vamos a uma apresentação corporativa convencional, estamos repletos de filtros, barreiras, resistências e preocupações com o tempo. Por isso, o apresentador precisa utilizar técnicas que surpreendam a audiência e a façam sentir como se estivesse em uma sala de cinema.

Dizer algo sem ter de dizê-lo com todas as letras pode ter alto impacto em histórias corporativas

Estruture bem a história. Um bom roteiro não necessariamente leva a um bom filme ou apresentação, porém um roteiro ruim certamente levará a um péssimo filme ou apresentação. São necessários princípios e também técnica.

Há 2.400 anos, Aristóteles utilizava a mesma estrutura que os bons filmes hoje utilizam. Em seu livro Poética, ele simplifica a estrutura de uma história em começo, meio e fim. Parece óbvio, mas tente fazer uma história com todos os elementos de que ela precisa para se destacar; é um desafio e tanto.

E essa estrutura, para conquistar qualquer audiência, deve ter um dilema que leve a uma crise, forçando decisões relevantes, ações e uma resolução.

Uma história é feita de viradas –eu me refiro a viradas de uma situação para outra. A maior virada é o arco da história se compararmos o começo com o fim. Houve transformação? Quem se transformou? Como?

Uma história é sobre alguém que quer alcançar algo, mas terá dificuldades no meio do caminho. Para sair da retórica e aterrissar no coração da audiência, uma história precisa ter alguém que no começo parece estar distante do que quer, porém no final consegue uma resolução, que não é necessariamente o final feliz.

A audiência de uma apresentação está lá sentada porque lhe falta algo. E ela sabe que não será fácil conseguir.

De virada em virada, a boa história tem de se complicar progressivamente até chegar a seu clímax.

Para uma história ser completa e rica em emoção, deve ter pelo menos três atos. Ato é a estrutura maior. Steve Jobs usava sempre a estrutura dos três atos. Começava com o problema (ato 1), apresentava o herói (ato 2) e deixava sua mensagem final, a resolução (ato 3).

Quando falo de virada, quero dizer uma mudança de carga de valor do positivo para o negativo ou vice-versa, em relação ao que o protagonista quer.

Reforce o pior cenário. Para escrever uma história, um roteirista de cinema inspira-se na dinâmica da vida, feita de altos e baixos, e você deve fazer o mesmo no storytelling corporativo. Se vai falar de produtividade, aborde a improdutividade. Se o assunto é vendas, desenhe o pior cenário que pode acontecer caso a empresa não atinja seus resultados. Traga à tona os medos de sua audiência. Torne a mensagem verdadeira, expondo fraquezas, conflitos e problemas e equilibrando tudo isso com seus pontos fortes, soluções e conquistas.

Uma história em que tudo começa bem, continua bem e acaba melhor ainda não teria nenhuma audiência.

Diferencie-se como liderança. Aquele chefe “old school”, da velha guarda, diz que “as portas estão sempre abertas” e garante que responde às perguntas de sua equipe e soluciona os problemas que ela não consegue resolver. Outros tipos de chefe mais novos, não; são diferentes: eles já querem que o subordinado apresente o problema com a solução. Nenhum está certo: os dois, de qualquer modo, estão criando dependência.

O bom líder mobiliza as pessoas de sua equipe fazendo-as pensar sobre suas atitudes. Traz histórias com conflitos reais, mostra que existe um caminho, que este não será fácil, mas que eles estão preparados para superar os problemas. Você pode se tornar um líder assim usando corretamente o storytelling.

Uma boa novidade mobiliza as pessoas. Como você não tem uma grande novidade todos os dias –o que é difícil no cotidiano de qualquer pessoa ou empresa– e quer ser um bom líder, deve se tornar um storyteller. Não precisa de muita história para comunicar que alguém ganhou na loteria! Mas, quando você tem de mobilizar pessoas em situações do cotidiano não tão interessantes, deve saber contar histórias.

Um líder pode querer motivar sua equipe para dobrar as vendas, e para isso conta uma história totalmente batida, só com o lado positivo. “Vamos todos ganhar. A empresa ficará melhor...”

Alguém acredita?

Não seria melhor ele abrir o jogo dizendo que “a empresa precisa dobrar as vendas, pois a concorrência está investindo e ganhando market share”? Ou ele pode contar uma história do presidente da empresa, que “um dia estava no lugar deles e não colocou o dinheiro em primeiro lugar, e sim a paixão e a competência que ele tinha. Foi atrás do que o mercado precisava e se destacou tanto que após essa jornada foi promovido a diretor. Isso não quer dizer que todos serão promovidos, mas que dinheiro é consequência”.

E uma história, para ser verdadeira, não precisa ter acontecido. Não é mentir ou inventar coisas irreais. É possível usar uma metáfora, contar uma história de uma personalidade, algo conhecido pela audiência. Guerra nas Estrelas é ficção ou realidade? É ficção como gênero –nunca veremos lutas de sabres de luz nem estrelas da morte. Mas o filme trata de verdades que são valores universais. Um deles é nosso lado sombrio e quanto precisamos compreendê-lo para controlá-lo.

Da mesma forma, um líder deve transmitir valores por meio de suas histórias. E, se pensarmos profundamente, toda história é uma interpretação da realidade e, portanto, não é a realidade. Sendo assim, toda história é ficção!

O filme A Origem tem uma cena em que um dos personagens diz que a maior arma do ser humano é a ideia, quando implementada na cabeça de uma pessoa. E qual é o veículo usado para que isso aconteça? Storytelling.

Desafie a crise (e a falta de tempo). O storytelling vive uma crise: apesar de profundamente humano, está ausente da vida das pessoas, das empresas, da venda de ideias, da liderança. Se o seminário Story, que McKee ministra há 20 anos, fosse dado na década de 1930, não haveria audiência, porque, na época, as pessoas sabiam contar histórias e tinham tempo para isso. Hoje, não.

Na raiz dessa crise estão três fatores que hoje dominam nossa vida: imediatismo, competição obsessiva e escassez de tempo. Isso faz com que as pessoas sejam apenas diretas e racionais, falando as coisas sem nenhuma estruturação e sem preocupação em utilizar princípios. Mude isso. Aprenda a contar histórias.

Final feliz

Um último lembrete: em suas histórias , faça como sugere Robert McKee –deixe o melhor para o fim.

Joni Galvão
Joni Galvão

A Soap ensina a fazer storytelling em apresentações

A Soap se define como uma empresa especializada na produção de apresentações e seu nome é um acrônimo de “state of art presentations” (apresentação no estado da arte, em inglês). Fundada em 2003, tem aproximadamente 100 funcionários, com escritórios em São Paulo, Lisboa e Nova York. Seus fundadores, Joni Galvão, autor deste artigo, e Eduardo Adas, escreveram o best-seller SuperApresentações (ed. Panda Books).

Steve Jobs usava sempre a estrutura dos três atos: descrevia o problema, introduzia o herói e fechava com a resolução