Conforme nosso mundo se torna mais conectado, há cada vez menos inovações e iniciativas de negócios isoladas. Mercados já nascem pedindo colaboração entre participantes diversos para tomarem forma, e as empresas precisam constituir redes de cooperação com investidores, fornecedores, negócios complementares e até clientes.

Inovar nesses ecossistemas cria um conjunto de desafios para as organizações e seus líderes, como afirma Ron Adner, professor emérito de estratégia da Tuck School of Business, dos Estados Unidos, e autor de Sob a Lupa da Inovação: Uma Abordagem Sistêmica Inovadora para Gerar Valor e Criar Negócios Duradouros. Ele vem estudando estratégias de ecossistemas por mais de duas décadas, período em que as ferramentas digitais conectaram e aproximaram todos no campo de negócios e inovação.

Segundo Adner, as empresas travam uma grande luta para ter sucesso em gerenciar com eficácia os relacionamentos com parceiros. Em seu livro, ele afirma que “os desafios de ecossistemas poderiam ser vistos simplesmente como desafios tradicionais de gestão de projetos, só que mais evidentes”, não fossem dois detalhes: (1) em geral, não há acordo sobre quem é o gestor do projeto e (2) integrantes importantes costumam nem ficar cientes de que são parte dele.

A diferença crucial, de acordo com o autor, está no modo como as fronteiras – entre participantes e entre seus papéis – são desenhadas e definidas. Nesta entrevista, Adner explica como os esforços de colaboração podem se libertar dos problemas de governança, tornando possível gerenciar as inovações dentro de um ecossistema e levá-las adiante.

Gostaria de começar pelos fundamentos. Como se definem ecossistemas de inovação?

Há duas abordagens para esse conceito. A primeira, mais comum, enxerga o ecossistema como um conjunto de interações entre diversos players, que leva a coisas boas. É isso que as pessoas têm em mente quando falam sobre o ecossistema do Vale do Silício, da assistência médica ou da Apple, onde muito acontece em torno da força gravitacional de um player. Em um ecossistema, há energia, fluxo, dinheiro e ideias em movimento; seus players interagem produtivamente uns com os outros.

Minha visão é um pouco diferente. Entendo o ecossistema de inovação como um conjunto de parceiros que precisam estar alinhados para que uma proposta de valor central se materialize. Esses parceiros colaboram porque querem concorrer com a proposta vigente, qualquer que seja ela. Eles querem substituir a tecnologia dominante. Assim, minha abordagem começa com a proposta de valor desejada e considera, então, quem precisa estar alinhado com ela. É o oposto de começar com uma série de ingredientes e não saber ao certo qual será o produto final.

A razão pela qual eu acho essa definição de ecossistema mais útil, tanto ao trabalho acadêmico como às empresas, é que, com base nela, fica mais fácil construir uma estratégia de ecossistema.

Como é a estratégia correta?

Uma estratégia de ecossistema eficaz requer não apenas a definição de como um grupo de companhias trabalhará conjuntamente, mas também o entendimento de por que elas escolheriam trabalhar umas com as outras de determinada maneira. Os gestores precisam compreender, antes de tudo, o que estão tentando organizar, para daí elaborar uma estratégia que alinhe as partes com eficiência.

Pense no seguinte: se seis empresas estão tentando colaborar umas com as outras, não podem estar todas no comando. Então, uma grande pergunta é quem será o líder desse arranjo e quem concordará em não ser o líder. Esse é um nível de discussão totalmente novo para as organizações e pede nossa reflexão sobre como imaginamos a liderança e os liderados no contexto dos ecossistemas.

O ecossistema deve levar em conta a proposta de valor desejada e quem precisa estar alinhado com ela

Comumente, as empresas líderes em seus setores de atividade tentam colaborar com as que também são líderes em outros setores. Elas se definem como líderes, e isso as torna parceiras muito atraentes, pois têm as capacidades e os recursos de líderes. Mas lhes pergunte quem do grupo está disposto a não liderar; elas não terão a resposta na maioria das vezes.

O que acabamos percebendo, e o mundo é farto de exemplos assim, são esforços de colaboração bem-intencionados que ficam estagnados no estágio pós-piloto.

Trabalho muito com empresas e vejo que essa situação tem sido enfrentada em muitos setores, como cuidados com a saúde, telecomunicações, finanças, defesa e até educação sem fins lucrativos – mesmo que pareça haver muitas diferenças entre eles. Estão todos confrontando as mesmas questões fundamentais, que são: “Como identifico parceiros de inovação?”, “Como posso gerenciá-los?”, “Como gerencio minhas expectativas sobre quem será o líder, a magnitude do investimento e do sucesso?”, “Como modifico nossas metas, dadas as restrições que esses parceiros criam?”. 

Em cada caso particular há um modo de antever tais desafios, adaptando estratégias a eles e defendendo o sucesso.

A comunicação parece ser ainda mais importante...

Sim, ela é um ponto fundamental, porque, ao mesmo tempo que é fácil conseguir que as pessoas concordem a respeito de uma proposta de valor geral, existem diferentes visões sobre como o modelo de valor deve ser. A coerência estrutural é imprescindível.

Então, o que os gestores precisam fazer?

Em primeiro lugar, eles devem dar um passo atrás e perguntar-se: “Em que medida o projeto em questão depende de novos modos de colaboração com parceiros?”.

A resposta pode ser “não muito”. Por exemplo, se você estiver lançando uma versão de terceira geração de um equipamento médico já existente, apesar de haver várias colaborações envolvidas nesse caso, nenhum modelo novo é necessário, porque ninguém no ecossistema terá de se mobilizar para acomodar o projeto; apenas é preciso saber se o equipamento entrega o que promete e quanto ele é melhor do que a geração anterior. Nesse caso, prevalecem as noções tradicionais de excelência em execução de estratégia.

Agora, imaginemos um tipo diferente de inovação, como outro equipamento médico, que exija um conjunto novo de colaboração com diferentes departamentos de um hospital. Provavelmente você precisará de protótipos e testes antes de colocar esse novo equipamento no mercado.

Em uma situação assim, ter um grande produto a desenvolver não é suficiente para garantir sucesso. É necessário identificar parceiros inovadores – que têm de inovar para que sua inovação seja relevante – e gerenciá-los. Você precisará da adesão de novos players ao projeto antes que seu consumidor final se beneficie da inovação. Nesse caso, ter uma estratégia de ecossistemas é fundamental.

Do ponto de vista do gestor, a primeira coisa a saber é se ele está dentro ou fora do universo de ecossistema. Se estiver fora, deve tratar de executar, o que é um trabalho duro. Se estiver dentro, a boa execução será igualmente necessária, mas ele já sabe que será insuficiente.

Na visão de Ron Adner, ecossistema de inovação é o conjunto de parceiros que precisam estar alinhados para que uma proposta de valor central se materialize

O sr. já citou a incompetência de inovar da Kodak na passagem do mundo físico para o digital. Faltou enxergar a necessidade de uma estratégia de ecossistema?

Quando a Toyota lançou o modelo Prius híbrido, em 2012, foi capaz de combinar dois mundos – o motor de combustão interna e o elétrico –, montando um ecossistema, e foi uma ideia excepcional, porque, no mundo físico, esse tipo de combinação é raro. Mas, no universo digital, misturas de mundos são comuns.

Só que, devido ao ritmo rápido em que o armazenamento digital e a conexão sem fio evoluem, tanto em largura de banda como em penetração no mercado, o ambiente digital é complexo em termos de estratégia, tornando as coisas bem mais difíceis do que eram.

No entanto, se você, como gestor, souber olhar para esse mundo digital [com o olhar de ecossistemas], não será tão difícil competir nesse mundo. As organizações capazes de fazê-lo antes das demais terão ganhos enormes, por causa de toda essa complexidade.

Tudo isso ainda é acelerado pela internet das coisas, não é? Como o sr.

acredita que ela afetará os ecossistemas de inovação? A razão pela qual todos estão animados com a internet das coisas é justamente seu potencial revolucionário. No entanto, seu impacto real pode levar muito mais tempo para ser percebido do que as expectativas atuais sugerem, em razão do desafio de alinhamento dos players do ecossistema. Refiro-me às questões fundamentais sobre quem será o proprietário dos dados e quem será responsabilizado se algo acontecer a eles ou se um conjunto de instruções gerar erro.

Outra grande pergunta importante é: quem fica com os créditos do sucesso no caso do ecossistema da internet das coisas? Pense, por exemplo, na colaboração entre uma companhia de energia elétrica e uma de tecnologia da informação para iluminar uma cidade inteligente. Mesmo

que se acerte nos produtos, não ficará automaticamente claro quem estará no comando e quem será responsável por outras questões, como aproximar-se das cidades e certificar-se do desempenho do sistema. Todos esses fatores têm de ser negociados pela coalizão antes que seus produtos ou serviços alcancem a escala comercial.

A seu ver, qual é a armadilha dos ecossistemas?

No início da maioria das iniciativas de colaboração, o foco é todo em demonstrar viabilidade e realizar pilotos. Isso significa que, não raro, questões importantes são deixadas de lado até bem tarde nesse jogo.

Se a estratégia [do ecossistema] puder ser elaborada tendo essas questões importantes em mente, a recompensa tende a vir – na forma de resultados substancialmente melhores e mais eficientes.

Você aplica quando...

... define com clareza se seu caso é, ou não, adequado a um ecossistema.

... aborda desde o início as questões fundamentais à governança de um ecossistema de inovação, desde a maneira de identificar parceiros até a modificação de metas diante das restrições que tais parceiros criam.

Saiba mais sobre Ron Adner

Quem é: professor emérito de estratégia da Tuck School of Business, do Dartmouth College, de New Hampshire, costa leste dos Estados Unidos. 

Especialidade: estuda estratégias de ecossistemas há mais de duas décadas.

Livro: Sob a Lupa da Inovação: Uma Abordagem Sistêmica Inovadora para Gerar Valor e Criar Negócios Duradouros.