O ambiente limpo, arrumado e até elegante da sede de uma empresa pouco se assemelha aos locais onde seus produtos são manufaturados ou os serviços oferecidos. Com frequência separadas geograficamente do local de trabalho, as camadas mais altas da companhia também estão distantes das informações sobre as atitudes dos funcionários, valores e prioridades. Infelizmente, quanto mais alta a posição de um executivo na hierarquia de uma organização, maior é a dificuldade em saber o que está acontecendo no estaleiro, na loja ou no balcão de vendas.

Embora os líderes concordem que manter o contato com o dia a dia da operação é importante, eles também dizem que essa não é tarefa fácil. O “managing by walking around”, ou seja, gerenciar caminhando pela empresa, pode parecer boa ideia, mas o fato é que poucos funcionários se comportam com naturalidade quando o chefe está observando, o que diminui sua eficácia. Conforme demonstrou a famosa “Experiência de Hawthorne” [realizada na década de 1920 no bairro homônimo de Chicago, em uma fábrica da Western Electric Company], as pessoas agem de maneira diferente e são mais produtivas quando se sabem observadas. Isso ficou conhecido como “Efeito Hawthorne”.

A Experiência de Hawthorne demonstrou que as pessoas são mais produtivas quando se sabem observadas

Quando chegou de fora para se tornar o CEO do Clugston Group em dezembro de 2006, Stephen Martin desejava conhecer sua nova companhia de cima a baixo. Então...

Um desafio e tanto

Com MBA pela London Business School e extensa experiência profissional, incluindo a virada de uma empresa de construção em dificuldades, Stephen Martin se sentia bem preparado para assumir o desafio de uma organização como o Clugston Group, com volume de negócios de 155 milhões de libras [cerca de US$ 303,3 milhões] , mais de 700 funcionários e aproximadamente o mesmo número de subcontratados e fornecedores.

O grupo estava envolvido não apenas em construção civil, mas também em geração de energia e incorporação imobiliária. Além disso, possuía um braço especializado em logística para distribuição de aço, uma frota de petroleiros e uma divisão para a manutenção de veículos comerciais. A preocupação de Martin era compreender a cultura da organização, indispensável antes de iniciar qualquer programa de melhoria que pensasse em implementar.

“Eu cheguei como novato. Durante a primeira semana, andava pelo prédio somente para conhecer as pessoas, e um dia me disseram que não seria bom eu continuar fazendo aquilo. Havia na empresa uma cultura de nós e eles. Eu ficava protegido no fundo do prédio, para evitar que alguém chegasse perto de mim”, relembra Martin. “Fiz uma série de mudanças assim que cheguei. Mudei a estrutura e a estratégia, investi em promoção e publicidade, até mudei o logo da empresa.”

O interesse da TV

A ênfase de Martin em promoção e publicidade levou à publicação de um artigo sobre a empresa em um periódico especializado, o Construction News. O artigo chamou a atenção de Jenny Crowther, produtora do Channel Four, importante rede de TV britânica.

Ao mesmo tempo, uma equipe da mesma emissora estava trabalhando no programa Undercover Boss (Chefe Disfarçado), que seguiria uma fórmula já consagrada, o Secret Millionaire (Milionário Secreto), em que milionários saem de forma anônima às ruas e procuram pessoas que poderiam se beneficiar de parte de sua fortuna. O Channel Four estava em negociações com as maiores empresas de construção do Reino Unido, mas nenhum CEO havia se comprometido a participar. Crowther então entrou em contato com Martin.

O CEO logo disse que o Clugston Group não estava interessado em participar desse programa. “Havia a necessidade de aumentar nossa exposição para ganhar projetos, mas ao mesmo tempo eu queria aprender tanto quanto pudesse sobre a empresa. Parecia ser uma forma fantástica de atingir esse objetivo”, relembra. Ele sugeriu vários de seus colegas como potenciais candidatos para saírem disfarçados, já que liberar duas semanas de sua agenda apertada seria inviável. No entanto, o Channel Four pensava de outra maneira.

“Eles argumentavam que, para um líder que havia sido afastado do trabalho de campo –como acontece com a maioria dos líderes–, seria uma oportunidade de voltar às origens e constatar como era dura a linha de frente. Queriam ver as histórias emocionais e pessoais e observar como eu agiria diante de pessoas que estavam prestes a perder o emprego, que tinham algo contra a companhia ou que não gostavam de seu trabalho. Achavam que essa era uma receita de sucesso para a TV, com o que concordei, mas o fato é que eu tinha genuíno interesse em descobrir como os funcionários se sentiam com relação à empresa, o que eles pensavam realmente, coisas que eu desconhecia, porque eu era muito protegido.”

Um Sherlock Holmes à paisana

Havia um problema, contudo. Martin era visitante regular da maioria dos canteiros de obras, e os produtores do programa tinham medo de que ele fosse reconhecido. Caso isso ocorresse, os funcionários não se comportariam com naturalidade em sua presença, como no Efeito Hawthorne, do managing by walking around.

Para contornar esse obstáculo, o Channel Four enviou uma equipe de pesquisadores durante dois meses a todos os canteiros de obras da empresa, onde tiveram contato com gerentes de projeto, trabalhadores, engenheiros, agrimensores e gestores. As pessoas que tinham conhecimento da identidade do CEO assinaram acordos de confidencialidade, e o próprio Martin só saberia qual seria seu local de trabalho no início do dia.

“Dissemos a todos que seria um programa sobre um colega do escritório vindo para conhecer como era o trabalho nos canteiros de obras. Os funcionários não sabiam a identidade desse colega. Outra preocupação dos produtores era que as pessoas não agissem normalmente com a câmera de TV no rosto. Havia um pedreiro tão amistoso e pé no chão que eu suspeitava que ele soubesse quem eu era. Então o diretor me disse que ele se comportou da mesma maneira com todos durante as duas semanas de pesquisa”, conta o CEO.

Durante esse período em que trabalhou disfarçado, não era permitido a Martin usar o telefone celular, cartões de visitas ou a carteira. Ele tinha uma verba diária para as despesas e ficava hospedado em hotéis baratos. “Como o CEO, você precisa tomar decisões, fazer apresentações para acionistas e vestir terno e gravata; você está no comando”, reflete Martin. “Eu tive de ir ao canteiro de obras e deixar o comando, aceitar ordens de estagiários de 20 anos de idade ou de operadores de máquinas, que me diziam que eu deveria fazer isso ou aquilo. E, quando observava algo que não era de meu agrado ou que me deixava em dúvida, não podia simplesmente dizer ‘Nós temos de tomar uma atitude’, porque eu precisava permanecer em meu papel.”

Durante as duas semanas de trabalho árduo, Martin aprendeu diversas e valiosas lições de gestão [veja quadro na página 66]. E escapou por pouco de ser reconhecido, quando um funcionário disse que ele tinha uma semelhança impressionante com o presidente da empresa. Alguns suspeitavamque fizesse parte do programa Secret Millionaire, até que ele afirmou que uma construtora seria um local improvável para um milionário realizar suas boas ações.

Identidade descoberta

Finalmente chegou a hora de saberem quem era Martin. A revelação seria feita na frente das câmeras para um grupo selecionado de funcionários que haviam trabalhado com ele e, para maior efeito dramático, um destes foi chamado à sede da empresa. Como havia sido convidado ao quartel-general somente uma vez em mais de 30 anos de carreira, esse funcionário previu más notícias e se recusou a comparecer e o segundo candidato estava na maternidade com sua esposa tendo seu primeiro filho. Então, sem se intimidar, o chefe disfarçado foi até ele, com a equipe de TV.

Tudo muito bom para um programa de TV. Mas a empresa se beneficiou dessa aventura? Martin diz, sem hesitar: “Sim. Eu usei essa experiência como catalisador para grandes mudanças”. Os métodos de comunicação foram totalmente modificados, por exemplo. O Clugston Group não mais se apoia em quadros de avisos, e-mails e informativos. Em vez disso, há duas reuniões semanais cara a cara, em que os supervisores seencontram com cada membro de sua equipe por 10 ou 15 minutos para informar o que está acontecendo e lhes dão oportunidade de fazer perguntas. Informativos continuam a ser enviados, mas em menor número, mais curtos e, para assegurar seu recebimento, seguem com os holerites.

Outra inovação implementada por Martin depois do reality show foi a “reunião que salta um nível”, em que os funcionários podem se encontrar com os chefes de seus chefes para discutir assuntos que os estejam incomodando e preocupando.

E, de fato, o CEO sente que a dinâmica da comunicação com os colaboradores mudou da “água para o vinho”. “Uma das pessoas com quem trabalhei quando disfarçado sentiu a liberdade de me dizer: ‘Você viu onde nós trabalhamos, mas nós nunca vimos onde você trabalha’. O que eu fiz? Agora, eu convido os colaboradores para almoçar comigo, e eventualmente com outros gerentes, em meu escritório. Comemos sanduíches sentados ao redor da mesa e não temos assuntos definidos; é um bate-papo. Hoje me tratam mais como amigo do que como o CEO.”

O que é amizade entre um presidente e um peão de obra? É o operário sentir-se à vontade para dizer, por exemplo, que não está satisfeito com as botas de trabalho fornecidas, como um chegou a comentar com Martin recentemente. Ele ofereceu bons argumentos, entre os quais o de que as botas tinham ponteira de metal, mas não solas de metal, o que pode ser perigoso se alguém pisar em um prego. Outro funcionário se queixou ao CEO de que os macacões usados não eram do tipo que retarda o fogo, em caso de incêndio. Martin determinou que tanto botas como macacões fossem trocados imediatamente. “Em um desses almoços, um de meus gerentes me disse: ‘Essa foi a melhor reunião que eu já tive com eles. Estavam muito abertos e relaxados, nos contaram realmente o que estavam pensando. Por que não agem assim toda vez em que eu me encontro com eles?’. E a resposta é simples: isso acontece porque não há uma agenda formal. É somente se sentar ao redor de uma mesa e conversar. As pessoas falam o que estão pensando.”

Câmera versus terno e gravata

Talvez a conclusão mais surpreendente dessa experiência para Martin tenha sido que as pessoas se sentem mais confortáveis junto de uma equipe de televisão do que quando estão com alguém da própria empresa vestindo terno e gravata. “O mais assustador foi que eu já havia estado em todos os canteiros de obras do grupo, já me encontrara com todos os gerentes e já vira as pessoas em ação, trabalhando. E isso não valeu de muita coisa. O que os funcionários me disseram mais tarde foi que eu não estava falando com eles em seus termos; não lhes dava oportunidade de me fazerem muitas perguntas. Eles se sentiam inibidos; se vissem alguém de gravata, não iam falar com essa pessoa”, analisa Martin.

Para o CEO, agora os gestores do Clugston Group estão mais abertos e disponíveis, e ele espera que essa cultura se espalhe por toda a organização. “Alguns supervisores e gerentes vêm encontrando dificuldades em se adaptar a essas mudanças, é lógico, mas eu insisto nisso, com reuniões periódicas, obtendo feedback e visitando as obras para ver por mim mesmo o que está acontecendo, para saber o que é real e não apenas opinião.”

“Eu tive de ir ao canteiro de obras aceitar ordens de estagiários de 20 anos e operadores de máquinas”

Seis lições do reality show

Stephen Martin, o CEO do Clugston Group, aprendeu as seguintes lições durante o tempo em que circulou disfarçado:

A importância da equipe. “A camaradagem em todos os lugares que eu visitei era absolutamente maravilhosa. Tive vários exemplos de uns cuidando dos outros. Eu estava erguendo algumas pranchas de madeira e, depois de cinco minutos, um jovem de uns 18 anos veio até mim e me disse: ‘Você tem de parar de fazer isso; está levantando (a madeira) de modo errado, precisa flexionar os joelhos e erguer desse jeito’. Eles simplesmente cuidam uns dos outros. Todos recebem conselhos dos colegas, não importa a idade, seja um aprendiz de 17 anos, seja um funcionário de 64 prestes a se aposentar. Se alguém conhecia uma maneira melhor de realizar um trabalho, ele a explicava, ajudava, apoiava e questionava. Você não encontra esse comportamento em um escritório.”

Nem tudo é lido. A segunda lição para Martin diz respeito aos comunicados da empresa. Trabalhando nas obras, ele logo percebeu que ninguém lia a corrente constante de e-mails, boletins e informativos que a empresa enviava. “Eles simplesmente não leem na obra, não têm tempo. Somente querem saber se ainda têm emprego, se vão ser pagos, qual vai ser seu bônus e quando é o próximo intervalo.”

Transparência é essencial. O grupo estava demitindo pessoas durante o período em que o programa foi filmado e Martin ficou surpreso ao descobrir a fonte de frustração e irritação dos funcionários. “Eu sabia que haveria muita hostilidade, aborrecimento e raiva, mas percebi que isso não estava direcionado à empresa em si, e sim à falta de comunicação. Todos sabiam que eram tempos difíceis. Eles assistem ao noticiário, leem o jornal e sabem o que está acontecendo. O que desejavam era honestidade e uma comunicação direta e honesta.”

As pessoas são o que realmente importa. Para Martin, a experiência de trabalhar na linha de frente reafirmou a ideia de que todo negócio é essencialmente formado por pessoas. “Eu pensava: por que as pessoas querem trabalhar ao ar livre, mesmo no inverno, em vez de trabalhar em um ambiente seguro e protegido? E a razão é que elas amam seu trabalho; isso é o que querem fazer. Cada um é único. Todos têm habilidades e capacidades diferentes, coisas que gostam e não gostam de fazer. Fiquei chocado ao descobrir que alguns de nossos funcionários mais jovens seriam demitidos no final de um projeto, porque não tínhamos outra obra à qual eles pudessem ser alocados. Era um desperdício investir todo aquele tempo, treinamento e esforço para depois deixá-los ir, porque havia um atraso no início de uma nova obra.”

Preservar o conhecimento é fundamental. Martin encontrou funcionários prestes a se aposentar que transmitiam seu conhecimento para as gerações mais novas. “Eu pensei: isso é ridículo; nós precisamos capturar esse entusiasmo e paixão e passar para frente”. Como resultado direto dessa experiência enquanto esteve disfarçado, ele introduziu um programa chamado WETS – Worker Engagement Teams [Times de Engajamento dos Funcionários], em que as pessoas podem compartilhar seu repertório com a gerência. Martin também é defensor das atividades de coaching, e a Clugston oferece aos funcionários prestes a se aposentar a oportunidade de passar seu conhecimento e habilidades àqueles que estão iniciando a carreira.

A integração dos subcontratados é importante. A Clugston emprega vasta gama de subcontratados e funcionários temporários, assim como fazem muitas outras empresas, particularmente no ramo da construção. “Eu abri os olhos para a questão de como gerenciar, motivar, encorajar e conseguir o melhor dos subcontratados que trabalham conosco durante uma semana e já estão em outra empresa na próxima”, diz Martin. Sua conclusão foi que era preciso simplificar seus procedimentos e trabalhar com menos subcontratados para se integrarem mais.

Sucesso nos Estados Unidos

O programaUndercover Boss foi formatado na televisão britânica pelo Channel Four, mas a rede de TV norte-americana CBS o adotou e obteve audiência extraordinária: houve em média 17,73 milhões de telespectadores por episódio, o que equivaleu ao primeiro ou segundo lugar do horário. Foi considerado o novo programa não esportivo de maior audiência na temporada 2009-2010 da TV nos Estados Unidos e superado em telespectadores apenas por blockbusters como American Idol e Dancing with the Stars.

Isso pode ser a prova de que, além de interessadas na competição de habilidades pessoais marcada pela célebre frase ”você está demitido” do reality show O Aprendiz, também produzido no Brasil, as pessoas se mostram mais curiosas sobre questões com relacionamento e de fluxo de informações que atravesse hierarquias. A seguir, uma lista dos CEOs participantes do programa nos Estados Unidos e alguns números de audiência.