Como chegamos ao atual estágio de ineficiência organizacional no Brasil?

Isso não deveria acontecer, uma vez que um conjunto de intensas e crescentes forças – incluindo a globalização, a digitalização e a evolução das preferências dos clientes – vem pressionando as empresas de praticamente todas as indústrias a reduzir custos. No Brasil, em particular, o fim da “década de crescimento” e a estagnação da economia têm aumentado ainda mais a pressão pelo uso eficiente do caixa. 

Só que vivemos, até há pouco, um cenário de crescimento econômico que criou inúmeras oportunidades profissionais e de desenvolvimento para os trabalhadores brasileiros – e estes surfaram a onda de aceleração e movimentos diagonais de carreira. Para as empresas, isso significou uma guerra por talentos – escassos em um país ainda com baixa qualidade educacional.

Viram-se aumentos salariais desproporcionais às competências dos indivíduos, promoções antecipadas desvinculadas da experiência mínima requerida e uma proliferação de cargos de gestão pelo organograma da companhia. Ocorreu uma “desorganização” do desenho organizacional, com o perdão da redundância, e suas consequências são claras:

  1. “Juniorização” da liderança
  2. Aumento de custos organizacionais
  3. Aumento de departamentos e setores (mais interfaces)
  4. Aumento de microtimes (menor autonomia)
  5. Aumento de níveis organizacionais ou hierárquicos (menos velocidade)
  6. Aumento do estresse e cansaço (mais reuniões, mais trabalho e retrabalho)
  7. Diminuição da produtividade (menos resultados)
  8. Diminuição do engajamento organizacional

Com a mudança do cenário econômico e do ambiente de negócios, a pressão por resultados de curto prazo e melhores margens expôs todos esses problemas organizacionais de uma só vez.

Muitas empresas responderam a esse cenário por meio de iniciativas típicas de corte de custos, como baixar o valor de seus materiais, otimizar os preços de seus produtos e reduzir qualquer sobrecarga ou custos pessoais. No entanto, se o modelo organizacional e a forma de trabalho não forem reinventados – de modo a romper os silos, favorecer a colaboração entre as áreas, dar maior agilidade à tomada de decisão, aproximar a liderança da realidade e valorizar o papel do gestor na condução de suas equipes –, os custos decorrentes da ineficiência organizacional continuarão a aparecer, seja na forma de perdas e duplicidades, seja por meio da baixa produtividade individual ou pelos custos de turnover (recrutamento e desligamento).

Hoje, poucos executivos esperam uma recuperação rápida. Eles já leram o manual teórico de como sobreviver a uma recessão e até o momento viram que não é exatamente simples e fácil.

Agora é hora de virar a página – ou de criar outra. Os executivos precisam tomar decisões difíceis e escolher quais negócios deixar de lado e quais atividades terceirizar. Eles têm de estruturar suas empresas e eliminar crenças e padrões estabelecidos em outros tempos, que já não funcionam mais.

Três movimentos e mais um

Nesse cenário, quais movimentos as empresas devem fazer para realmente motivarem seus colaboradores e se fortalecerem para o futuro? Nós identificamos três ações essenciais:

• reorganização,

• redução da hierarquia e

• terceirização de operações.

Uma quarta ação paralela, essencial para os três movimentos acontecerem, é criar uma força de trabalho flexível. Explicamos melhor cada uma:

• Reorganização. Como diz a teoria,“a organização deve seguir e viabilizar a estratégia”. Ora, ante a mudança do ambiente de negócios, é natural que muitas empresas revisitem sua estratégia – talvez não mudando completamente os objetivos de médio prazo, mas fazendo ajustes nas alavancas de geração de valor no curto prazo. Podem, por exemplo, melhorar seu modelo de precificação, ou se desfazer de determinado ativo ou linha de negócio, ou, ainda, aproveitando a baixa, ganhar mercado com aquisições. Isso tudo deve refletir em um modelo organizacional novo, e as estruturas, processos, pessoas e competências para viabilizar essa estratégia têm de ser mais eficientes [veja quadro abaixo].

• Redução da hierarquia. Depois das demissões dos últimos meses – e às vezes até por causa delas –, muitas empresas ainda não conseguiram se reorganizar. A estrutura gerencial está inflada no meio da pirâmide, com muitas camadas redundantes e qualidade inferior de controle. Uma empresa com mais de oito camadas gerenciais e menos de oito liderados por camada é tipicamente burocrática e lenta. A redução da hierarquia acelera os fluxos de informação e a tomada de decisão. Com uma abordagem que vise a simplificação organizacional e maior foco no trabalho do que na coordenação, as atividades que não entregarem valor serão simplesmente eliminadas. Apesar de não ser uma ideia nova, achatar a organização pode ser uma tarefa muito difícil de implementar. Requer disciplina, vontade de confrontar antigas crenças e um rápido e justo processo de transferência de decisões.

• Terceirização. São poucas as companhias que têm explorado integralmente a capacidade de criar um modelo de estrutura de custos e negócios radicalmente diferente por meio da terceirização. Apesar de o crescente protecionismo e a oscilação de nossa moeda poderem evitar essa opção (especialmente no curto prazo), pensamos que o maior obstáculo é o temor das empresas de perder o controle de sua propriedade intelectual, a qualidade de seus produtos e serviços ou mesmo a imagem de sua marca. Mas, diante dos mecanismos maquiavélicos de indexação dos custos de pessoal vigentes no País, a terceirização é uma opção relevante a considerar. E, além dos ganhos em custo, ela permite, se bem realizada, ganhos de produtividade e melhoria do nível de serviço em várias funções.

• Flexibilização da força de trabalho. As empresas precisam criar forças de trabalho cujos tamanho e níveis de remuneração possam variar de acordo com o fluxo de atividades e a demanda. A flexibilidade pode ser difícil de alcançar no curto prazo, mas é um objetivo essencial no longo. Com a reorganização, a redução da hierarquia e a terceirização de operações, as empresas têm a oportunidade de criar agilidade inédita. Não existe mágica. As companhias devem contratar maior variedade de empresas terceirizadas e colaboradores temporários e oferecer opções significativas de períodos sabáticos. Elas também precisam começar a controlar e medir a flexibilidade e a variabilidade da força de trabalho por meio de uma métrica que esteja ligada ao rendimento de cada um. Por exemplo, em uma equipe de vendas, se o volume de negócios diminui 15%, os líderes têm de garantir uma redução comparável em custos da força de trabalho.


Liderança central

A busca da eficiência organizacional é uma transformação e, portanto, remete à disciplina de gestão de mudanças, segundo a qual se deve traçar o curso de ação, impulsionar a mudança e celebrar as vitórias.

A chave que impulsiona a mudança, como se sabe, é a liderança, especialmente em tempos de crise. O que isso realmente significa? Os líderes precisam ter credibilidade e, para tanto, devem, de um lado, reconhecer que a situação do entorno está difícil ou ruim e, de outro, demonstrar confiança na empresa – até podem estar sentindo enorme incerteza internamente, mas aos outros têm de transmitir força.

Sabemos que esse equilíbrio é difícil: se você for otimista demais, as pessoas vão ignorar o que diz; se for muito pessimista, perderão a confiança.

No longo prazo, será mais fácil motivar os funcionários se eles presenciarem ações concretas sendo tomadas pelos líderes – ações que garantirão uma empresa mais forte no futuro. Os líderes podem, por exemplo, fazer movimentos ousados às vezes; estes darão aos colaboradores uma razão para apoiar a causa da reorganização, contribuindo para a construção da confiança. 

Se acreditarem que os líderes têm coragem, perseverança, habilidade e um plano acertado, os funcionários estarão dispostos a caminhar junto.

A liderança é essencial na reinvenção da organização e precisa ter credibilidade

5 medidas do líder hoje

Sugerimos cinco medidas práticas que os líderes podem tomar imediatamente para melhorar a organização:

  1. Mobilize e amplie a liderança. Os líderes não podem apostar em uma gestão isolada durante uma recessão. Eles precisam trazer  mais tomadores de decisão para seu grupo de confiança, que fornecerão habilidades complementares e multiplicarão o potencial humano, de inteligência e de energia para abordar questões críticas. Gerentes são muitas vezes os líderes mais importantes em períodos como estes. Em certos casos, eles trabalham há mais tempo na empresa que os líderes seniores e muitos são capazes de navegar de maneira brilhante em suas equipes em épocas turbulentas. Respeitando, confiando e engajando adequadamente esses gerentes, os líderes podem dar um exemplo positivo de como os gestores devem tratar uns aos outros e a seus  clientes – cuja fidelidade é fundamental em momentos difíceis. As empresas devem dedicar um dia ou dois para treinamentos cuidadosamente planejados, com cada nível da liderança, para orientar todos sobre como ajudar seus colaboradores. A recompensa no envolvimento dos funcionários é maior que a despesa.
  2. Estabeleça expectativas claras. Colaboradores respondem mais positivamente a perspectivas sólidas. Os líderes precisam definir as medidas de sucesso, tanto para o curto como para o longo prazo, e dizer com clareza o que é mais importante nesse ambiente. Eles devem adiar ou encerrar projetos não essenciais e dar aos funcionários liberdade para adiar ou reduzir responsabilidades que não são essenciais também.
  3. Seja humano e realista. Os colaboradores querem saber que seus líderes têm coração. As pessoas raramente vão se esforçar além do necessário por alguém guiado apenas pela lógica e não pela emoção. Por exemplo, os líderes devem estar preparados para compartilhar abertamente o que significa a recessão para eles. Isso requer uma avaliação sincera e corajosa de seus sentimentos e vontades. Seu tom na entrega da mensagem pode e vai influenciar o modo como as pessoas interpretam e internalizam esses fatos; por isso, é importante prestar atenção tanto ao conteúdo como ao contexto das mensagens.
  4. Foque resultados. Executar operações de negócios do dia a dia pode ser um desafio significativo durante uma recessão. Todas as iniciativas precisam ter metas claras e responsáveis definidas. Os líderes devem controlar rigorosamente o progresso dessas métricas e intervir quando necessário, para comunicar os sucessos e as correções necessárias.
  5. Celebre e reconheça as equipes e os profissionais. Ao mesmo tempo que lideram pelo exemplo, os líderes devem comemorar o sucesso e reconhecer as contribuições de cada membro de suas equipes que alcança resultados. Depoimentos de clientes e colaboradores que demonstram valores e pontos fortes de uma empresa podem ser incrivelmente poderosos e eficazes. Alguns executivos pensam que vídeos e pequenas recompensas não passam de truques simbólicos. Nós pensamos que eles ajudam – e muito. Por fim, é importante reconhecer que as pessoas estão sedentas por serem informadas e lideradas. Em tempos como estes, os líderes têm de incentivar os funcionários a falar sobre o que estão sentindo e ouvir com empatia. 

Devem promover reuniões individuais para conhecer as preocupações deles. Para aumentarem a confiança e o engajamento, as empresas precisam instituir avaliações regulares. Elas podem fazer isso de maneira formal, por meio de pesquisas, ou informal, em conversas e reuniões. Esse comprometimento pode ajudar a identificar rapidamente as questões preocupantes para que sejam resolvidas logo.

A redução da hierarquia bem-feita não expulsa os gerentes de melhor desempenho

A desculpa boa e as recompensas 

Temos de reconhecer que o ambiente de negócios mudou no Brasil; está mais desafiador para todos. No entanto, é justamente esse ambiente de crise e incertezas que oferece mais oportunidades. Uma delas é certamente revisitar a organização, quebrando silos e paradigmas instalados. É a “desculpa boa” para desafiar o status quo.

A redução da hierarquia tornou-se uma lente através da qual é possível examinar – e corrigir – muitas distorções, como o não comprometimento com a produtividade, a falta de colaboração, a duplicação de recursos e a falta de capacidades individuais.

Transformações como essa podem ser realmente valiosas e gerar economias de dezenas de milhões de reais para as empresas. No processo, os líderes precisam repensar além das caixinhas e rever toda a gestão de pessoas. Muitos executivos temem a saída dos gerentes de alto desempenho na mudança, mas nossa experiência sugere o contrário: a redução da hierarquia bem concebida e bem explicada motiva os gestores que ficam na empresa. Embora possa haver menos oportunidades para promoções, os colaboradores serão capazes de obter maior variedade de experiências e habilidades em uma organização menos hierárquica. 

Importante: as empresas devem rever seus sistemas de avaliação e incentivar a média gerência a criar sistemas de reconhecimento formais. Exigir desempenho sem reconhecimento e recompensa é receita para o fracasso.

Os benefícios da mudança – redução de custos, maior velocidade na decisão, melhora da comunicação e aumento de responsabilidade e moral – farão tudo valer a pena.

Você aplica quando...

... busca romper silos, favorecer a colaboração entre as áreas, dar maior agilidade à tomada de decisão, aproximar a liderança da realidade e valorizar o papel do gestor na condução de suas equipes. 

... adota quatro passos fundamentais à reinvenção: reorganização, redução da hierarquia, terceirização de atividades e flexibilização da força de trabalho.