Vale a leitura porque...

... a Under Armour é uma das empresas que mais crescem no segmento de artigos esportivos e, com a diferenciada estratégia da plataforma digital, ameaça gigantes como Nike e Adidas.

... ao Brasil, ela chegou em 2014, mas tem planos de crescer rapidamente e estar entre as maiores em 2020.

O verão de 1995 castigava os Estados Unidos, e o capitão de futebol americano da University of Maryland, Kevin Plank, não aguentava mais ter de mudar de camiseta duas vezes ao dia. “Tem de existir algo melhor”, pensou.

Sem estrutura, reuniu um grupo de amigos no porão da casa da avó, em Washington, e, com eles, costurou e testou diversas camisas-protótipo. Começou, então, a vendê-las no porta-malas do carro.

Está registrado aí o início da Under Armour (UA), empresa fabricante de calçados, vestuário e equipamentos esportivos, que deve fechar 2016 com quase US$ 5 bilhões de faturamento global e mais de 14 mil colaboradores espalhados pelo mundo.

A camiseta em questão foi a primeira inovação da marca – que reúne um verdadeiro cardápio delas –, chamada de Compression T: uma peça de compressão que dá suporte aos músculos e afasta o suor em vez de absorvê-lo, regulando a temperatura e melhorando, assim, o desempenho do atleta.

Desde então, a empresa vem lançando ano após ano produtos inovadores – entre eles, tênis com amortecimento responsivo, sutiã esportivo com encaixe ajustável e tecidos inteligentes que barram sol, calor e suor. Em 20 anos, tornou-se a terceira marca mais vendida do mundo nesse segmento, segundo o ranking da revista Forbes, atrás da Nike, com cerca de US$ 30 bilhões de receita anual, e bem perto da Adidas, com US$ 6,2 bilhões, ambas com muito mais anos de estrada.

Agora, Plank está envolvido em uma empreitada digna do empreendedor que é: investiu US$ 1 bilhão em um novo negócio, o dos aplicativos móveis, aqueles que acompanham as atividades físicas e a dieta dos usuários. Mais de 160 milhões de pessoas já estão conectadas a eles e, com isso, a Under Armour tem hoje a maior comunidade digital fitness do mundo – um em cada cinco norte-americanos têm um app da UA baixado em seu celular.

A engrenagem de big data que a empresa detém pode favorecê-la em diversas frentes e representa a principal aposta de Plank para tomar a liderança do mercado; no quesito digital, a rival Nike, por exemplo, está bem atrás – a audiência de seus apps não chega a um quinto da conquistada pela UA.

Como era de esperar, a Under Armour usa o que capta dos aplicativos baixados pelos usuários como subsídio em pesquisa e desenvolvimento de produtos, sortimento e merchandising. São informações cadastradas pelos usuários, como quilômetros percorridos, velocidade, modalidade praticada, frequência, intensidade, hábitos alimentares, horas de sono, tempo de exercício por dia, perda ou ganho de peso, e por aí vai. Chamada de Under Armour Connected Fitness, a plataforma reúne os aplicativos UA Record, MapMyFitness, Endomondo e MyFitnessPal.

Com esse exército de algoritmos, já foi possível para a empresa saber que, embora 60% de seu público seja feminino, este representa apenas 30% das vendas. Ela descobriu também que seus usuários correm uma distância média de 4,9 quilômetros, e essa informação foi valiosa no desenvolvimento do tênis de corrida SpeedForm, que recebeu um preenchimento de espuma adaptado especialmente para essa distância. Mas não é só isso.

Como todo desbravador, Plank tem ambições que extrapolam as relações comerciais. Ele espera que sua plataforma “impacte de maneira fundamental a saúde global”. Além de registrar os dados, os apps sugerem treinos e dão dicas de saúde e fitness.

Para Plank, ao criarem uma comunidade, os apps tornam os usuários atletas melhores, pois permitem a comparação com amigos e o acompanhamento dos treinos de modo mais técnico. E atletas melhores precisam de equipamentos melhores. “Quanto mais eles se exercitam, mais vendemos”, declarou o CEO a uma revista. Conectados, almejando uma performance cada vez melhor, os atletas (como Plank chama seus consumidores) usam o app como aliado e, já que estão conectados, acabam também comprando por ali. 

A empresa sabe que 83% de seus consumidores estão mais receptivos a uma mensagem enviada pelo app assim que terminam seu treino. Mas, como apenas 2,7% dos acessos ao e-commerce advêm desse canal, ela tem dado prioridade ao projeto que insere a opção da compra no app, sem redirecionamento.

O potencial da plataforma é tremendo. Para ter uma ideia, uma das funcionalidades permite ao usuário cadastrar o tênis que está usando a cada treino e receber um lembrete quando a quilometragem percorrida indicar que este precisa ser trocado. 

Plank disse, inclusive, em uma palestra durante o último evento mundial de varejo, o Big Show da NRF, que a estratégia digital se tornou essencial para vender mais. “O futuro está no desenvolvimento de comunidades para reforçar o relacionamento com os clientes, e, nesse sentido, estamos muito bem posicionados”, afirmou para uma plateia lotada. E ainda não é só isso.

A Under Armour já está presente em 1.300 pontos de venda multimarcas no brasil, tem e-commerce e oito lojas próprias

Os apps também têm uma função-chave: eles atuam em sintonia com os wearables, outra aposta da marca, na tarefa de processar os dados de treinos. Balança, monitor cardíaco e pulseira digital se comunicam com o app, enviando toda sorte de dados. O pacote, chamado de Healthbox, é vendido por US$ 400 – um fone de ouvido sem fio e o tênis SpeedForm Gemini 2, que registra os dados da corrida mesmo sem estar conectado ao app, comporão o conjunto em breve.

A experiência brasileira

Segundo Thaiany Assad, head de marketing da Under Armour no Brasil, aqui os esforços ainda estão voltados para criar brand awareness
Segundo Thaiany Assad, head de marketing da Under Armour no Brasil, aqui os esforços ainda estão voltados para criar brand awareness

Dos quatro aplicativos, três já estão disponíveis em português brasileiro, mas não há campanhas para difundir o uso deles. “Aqui, os esforços ainda estão voltados para criar brand awareness”, explica Thaiany Assad, head de marketing da Under Armour do Brasil.

A marca chegou por estas paragens em 2014, quando se espalhou pelo varejo esportivo multimarcas – hoje, está presente em 1.300 pontos de venda. “Temos muita expectativa quanto ao mercado brasileiro e um plano estratégico de desenvolvimento de longo prazo, focado em um posicionamento premium”, comenta Assad.

Além de instituir o e-commerce, a Under Armour logo abriu lojas próprias: oito no total – 2016 está sendo o ano da expansão, com quatro inaugurações.

A marca mantém dois modelos de loja: as brand houses, com os lançamentos, e as factory houses, que oferecem itens de coleções anteriores.

Para gerar awareness, a parceria com o São Paulo F.C., iniciada há dois anos, foi decisiva. A Under Armour assina a camisa e fornece material esportivo ao time. “Esse patrocínio é um grande passo na história da empresa e tem impacto não só nas vendas de artigos ligados ao clube, mas também nas vendas de produtos de running, trainning e futebol, as três categorias em que mais concentramos esforços aqui”, diz Assad.

O compromisso de longo prazo é confirmado pelo contrato que foi assinado com o São Paulo – sua vigência é até 2019. “Vamos ser uma das principais marcas esportivas do Brasil em 2020”, acredita a executiva.

Atualmente, a Under Armour conta com cerca de 150 colaboradores fixos no Brasil, sendo pouco mais de 40 na sede, em Barueri (SP). Em outubro, iniciou a produção da primeira linha de calçados nacionais, uma das grandes apostas para consolidar sua presença aqui no próximo ano.

Patrocínio como ferramenta

O patrocínio ao time de futebol paulista, no valor estimado pela imprensa nacional esportiva de R$ 18 milhões anuais, foi um chamariz inegável para os consumidores brasileiros. Marcelo Chammas, diretor-comercial do Grupo Netshoes, de e-commerce, conta que durante a fase de pré-venda do primeiro uniforme do São Paulo, em 2015, as buscas pela Under Armour na Netshoes apresentaram crescimento de 160%.

Por ser a administradora da loja virtual oficial do clube, a Netshoes estabelece com a fabricante uma parceria frutífera. A quatro mãos, as duas empresas fazem desde promoções de lançamentos de produtos e coleções especiais até itens exclusivos.

“O que os patrocínios fizeram foi levar a marca a ganhar participação importante rapidamente, mesmo com players bem estabelecidos no mercado”, comenta Chammas. Ele não abre números, mas diz que a UA está entre as dez marcas mais buscadas na loja virtual. 

O executivo lembra o apoio da marca a grandes atletas no mundo todo. Por exemplo, na Netshoes houve um impulso em suas vendas na categoria de basquete logo após a divulgação do patrocínio ao jogador norte-americano Stephen Curry. A lista de patrocinados da UA inclui o gigante Michael Phelps, o quarterback Tom Brady, o campeão de MMA Georges Pierre, o bicampeão mundial de ironman Chris Macca, o campeão olímpico de vôlei de praia Bruno Schmidt e a modelo brasileira Gisele Bündchen – a única não esportista, mas casada com um, Tom Brady.

Para o jogador Bruno, “a Under Armour foi uma parceira fundamental no preparo para a Olimpíada, dando apoio incondicional aos treinamentos”. Ele foi o primeiro atleta Under Armour Brasil a conquistar ouro olímpico. “Bruno Schmidt representa simbolicamente o crescimento da empresa no País”, diz Bruno Abilel, diretor-comercial da UA.

Os atletas estrelados não são a única aposta de patrocínio. A empresa tem uma equipe analisando dados científicos para descobrir que atletas serão campeões nos próximos anos. A estratégia está ligada ao posicionamento “underdog” (azarão), muito difundido nas campanhas de publicidade da marca. A intenção é associar o desempenho ao trabalho árduo e à disciplina, duas qualidades que qualquer atleta não profissional pode desenvolver. 

É só começo

Com esse conjunto de práticas, Plank acredita ter criado uma relação autêntica com os atletas nesses 20 anos. A seu ver, foi isso que fez com que a empresa avançasse em novas categorias de produtos, canais de venda e países – na China e na Europa, ela ainda batalha para conquistar maior espaço.

Para 2017, o foco é encontrar novas oportunidades, sejam elas em lojas físicas, em parcerias ou na plataforma digital. “Estamos só começando”, avisou o CEO aos acionistas. 

Do porão para a garagem

Se no início a pesquisa e o desenvolvimento aconteceram no porão da casa da avó de Kevin Plank, agora estão em uma garagem de ônibus desativada pela prefeitura de Baltimore. Lá a Under Armour montou seu novo laboratório de inovação, o UA Lighthouse, inaugurado em junho, com um time de biomecânicos, designers, engenheiros e psicólogos, e o objetivo de criar um novo conceito em calçados e equipamentos esportivos. 

A equipe tem à disposição câmaras de clima para recriar diferentes cenários, máquinas para estender e compactar materiais, scanners de corpo inteiro, impressoras 3D, cortadores a laser, entre inúmeras outras máquinas difíceis de descrever. Só que, quanto mais fundo se entra no ambiente, mais secretas são as pesquisas – a sala de prototipagem está bloqueada; apenas poucos funcionários têm sua biometria cadastrada.

“O UA Lighthouse nos ajudará a produzir melhor, mais rápido e de modo mais eficiente”, diz Plank, que quer mudar a maneira de fabricar calçados e camisetas. “Nada muda há cem anos”, afirma. Já está dando certo: o tênis de corrida SpeedForm é feito com 14 peças, enquanto a média da indústria é 55. 

O que se lê nas lousas de Plank?

Na última Top Attractors, do LinkedIn, lista das empresas nas quais os norte-americanos mais querem trabalhar, a Under Armour figurou na primeira posição em seu segmento – no ranking geral, no 17º lugar, superou objetos de desejo como Coca-Cola, Dell e McKinsey. Em uma entrevista, Plank se disse honrado e citou as possíveis razões para o fascínio: uma cultura de empowerment, um ambiente onde todos são ouvidos, a celebração das conquistas. 

“Temos grandes concorrentes com muito mais recursos do que nós, mas não nos intimidamos; não quero ninguém trabalhando mais por isso – quero as pessoas trabalhando melhor. Os colaboradores entendem isso e se sentem inspirados”, disse ele. Também são inspiradoras as três declarações com que Plank encerra todas as reuniões de que participa: “Isso foi o que ouvi”, “Isso é o que eu penso” e “Isso é o que faremos”. Todos os seus gestores são incentivados a agir da mesma forma.

O CEO é fã de citações de liderança, espalhadas em lousas e paredes nos ambientes pelos quais circula – frases como “A perfeição é inimiga da inovação” ou “Respeite a todos, não tema ninguém”. Em sua visão, juntos, esses comandos permitem que os colaboradores operem como empresários.